Com o intento de contribuir para a justiça póstera dos memorialistas, noticiamos aqui alguns dos principais fatos acontecidos antes, durante e após a abertura da pioneira rodovia, cuja construção pelo lado de Itacoatiara teve início em 12 de março de 1956.
Às páginas 67/69 de meu livro Cronografia de Itacoatiara, 2º volume, Manaus, 1998, consta o seguinte:
1897: o engenheiro amazonense Torquato Tapajós (1847-1897) elabora estudo visando à construção de uma estrada de ferro ligando Manaus a Itacoatiara. Torquato Xavier Monteiro Tapajós nasceu em Manaus e, aos 50 anos de idade, faleceu no Rio de Janeiro em 12/11/1897. Engenheiro, geógrafo, bacharel em ciências matemáticas, pertenceu a diversas associações culturais do Brasil e do exterior. Escreveu obras de reconhecido valor, entre as quais: “Climatologia do Estado do Amazonas” (Rio, 1890), “Viagem ao Amazonas, Macapá, Tabatinga e São Joaquim” (Rio, 1893), “Limites do Estado do Amazonas” (Rio, 1895), “Limites do Amazonas e Mato Grosso” (São Paulo, 1896) e “Salubridade do Estado do Amazonas” (Rio, 1897). Escreveu também, pouco antes de falecer, um relatório não publicado propondo a construção de uma ferrovia entre Itacoatiara e a capital do Estado. Coube, portanto, a ele a primeira ideia de ligação terrestre entre as duas mais importantes cidades do Amazonas. Esse documento, manuscrito com a grafia do próprio autor, acha-se entre os papeis do Arquivo Público de Manaus. A rodovia Manaus-Itacoatiara (Atual “Vital de Mendonça”), quando inaugurada em 5/09/1965, recebeu o nome desse grande amazonense (decreto nº 274, de 5/09/1965). O trecho da principal avenida de Itacoatiara compreendido da fazenda Puranga até a rua 5 do Conjunto Iraci, leva o nome de Torquato Tapajós [atualmente Avenida Parque]. Ressalte-se que, no fim do século passado, o governo estadual celebrou contrato com o engenheiro civil Jacintho Estelita Jorge para construir a estrada de ferro idealizada por Torquato Tapajós. Porém, segundo noticiário da imprensa, esse contrato foi extinto, porque considerado caduco, em fevereiro de 1913. Seis anos mais tarde (1919), o acadêmico de Direito Dornellas Câmara levantou a questão da construção de uma ferrovia ou rodovia entre as duas cidades, colocando-a como forma plausível de agasalhar os imigrantes nordestinos expulsos de sua região pela seca inclemente. Dizia ele: “Pensemos numa estrada de rodagem de Manaus à cidade de Itacoatiara, aproximando-nos, através de terras de excepcionais qualidades para a agricultura, de uma população de doze mil almas, cuja valia, até hoje, em nada temos aproveitado (…) Depois de Manaus, é Itacoatiara a mais importante cidade do Amazonas e a mais próxima da capital: encravada à margem esquerda do rio Amazonas, em terreno alto, numa planície bela e vasta, de excelente clima, recomendável pela sua salubridade, podendo abastecer-se da mais fina água potável, captada do rio Urubu, que lhe fica próximo (…) Com as picadas remotamente feitas de Manaus à cidade de Itacoatiara, ora para telégrafo, ora para a estrada de ferro, pelos conscienciosos estudos técnicos nesse sentido elaborados, sabemos ser vantajosamente realizável ali uma via férrea. Dada, porém, a situação financeira do país, nos não permitindo pensar nessa grande obra, e atendendo-se às vantagens consideráveis do autocaminhão nos longos e pesados transportes, cogita-se de uma estrada de rodagem, passo decisivo, de certo, para o futuro caminho de ferro”. Entretanto, até à realização do sonho de unir, em 1950/1960, através de uma rodovia, as cidades de Manaus e Itacoatiara, muitas coisas aconteceram. E elas serão contadas mais adiante.
Engº Torquato Tapajós (imagem Google)
Igualmente, à página 77 do mesmo livro, anotei:
1899: o governador [José Cardoso] Ramalho Júnior [1866-1952] manda abrir a chamada “Estrada do Telégrafo”, entre Manaus, Itacoatiara e Parintins. Segundo José Lins, “No ano de 1899 o coronel Ramalho Júnior, então governador do Estado, determinou que se abrisse uma picada que tinha o seu marco inicial no atual cruzamento das ruas Paraíba e São Salvador, no bairro de Adrianópolis (Manaus) e passava pelo Município de Itacoatiara, estendendo-se até o Paraná do Boto, no Município de Parintins”. Visando à realização do empreendimento, foi firmado contrato entre o Estado e o empreiteiro Sebastião José Diniz, sendo o serviço de desmatamento supervisionado pelo engenheiro A. de Paiva Mello. Os trabalhos foram concretizados em 9/07/1901. Esse contrato foi um dos pioneiros documentos a ilustrar a história da (então) futura rodovia.
Governador Ramalho Júnior (imagem Google)
Também registrei, às páginas 81 e 83, na mesma obra:
1901: 9 de Julho – Inaugurada a linha telegráfica entre Manaus, Itacoatiara e Parintins. A inauguração dos serviços de comunicação telegráfica foi feita com enorme aparato no governo de Silvério José Nery [1858-1934]. A ligação por terra, prevista no contrato de empreitada datado de agosto de 1899, celebrado entre o governo do Estado do Amazonas e Sebastião José Diniz, para a abertura da picada, fora concluída quase dois anos depois. O caminho aberto na floresta tinha o seu marco inicial no bairro de Adrianópolis, em Manaus, passava por Itacoatiara e se estendia até o Paraná do Boto, no Município de Parintins. (N. R. – A abertura desse ramal remete aos antecedentes da Estrada Manaus-Itacoatiara).
Governador Silvério José Nery (imagem Google)
Ainda, fiz inserir, às páginas 169/170, do 2º volume de Cronografia de Itacoatiara:
1926: 27 de Maio – Expedição é mandada explorar o terreno da futura estrada Manaus Itacoatiara. O anúncio foi feito pelo presidente do Estado, Ephigênio Ferreira de Salles (1879-1939) em sua mensagem de abertura da primeira sessão ordinária da Assembleia Legislativa, de 14/06/1926. A expedição, composta de onze homens, iniciou a picada na Praça Benjamin Constant, no bairro de Cachoeirinha, e seguiu acompanhando os vales do rio Preto e do Urubu. O serviço foi contratado pela importância de onze contos de reis, da qual metade foi entregue imediatamente à comissão, e o restante foi prometido pagar depois de encerrada a exploração. Os mateiros foram orientados a abrir a picada na largura de dois metros, porém não chegaram a completar o serviço. Pelo menos é o que nos revela em 14/06/1927 o presidente da Assembleia Legislativa e governador substituto Antônio Monteiro de Souza (1872-1936), nestes termos: “Não tendo atingido o fim colimado a primeira expedição, já na referida Mensagem anterior (…) não desanimou o governo do seu objetivo, e nova expedição foi contratada, de acordo com a Portaria nº 65 do senhor Secretário de Estado, em obediência às instruções da Presidência com os senhores Luiz Ogden Collins e Aquino de Souza”. Referida expedição, composta de 17 homens, partiu de Manaus com destino ao rio Urubu, à procura da picada aberta pela primeira expedição. Retomado o roteiro inicial, a 4 de abril os mateiros atingiram o alto rio Uatumã e daí partiram em direção ao Jatapu para, daí, demandarem o rio Anauá. Entre os rios Urubu e Uatumã avaliaram a distância em 86 quilômetros em linha reta. Conforme relatório publicado no Diário Oficial de 28/10/1926, firmado pelo mateiro Pedro João de Deus, a picada atravessando somente os cursos d’água, alcançou 303 quilômetros de extensão, por dois metros de largura, tendo sido gastos 133 dias de trabalho. Ainda de acordo com esse relatório, esses 133 dias de trabalho foram assim distribuídos: 30 dias com 10 homens, de Manaus até o lago do Jatuarana e 103 dias com 18 homens divididos em duas turmas, das quais a primeira composta de 9 homens, seguiu do Jatuarana no rumo do rio Urubu, e da segunda, também de 9 homens, desse rio até Itacoatiara. Próximo do lago de Serpa os castanheiros silvestres se avolumavam em grande quantidade, “construindo verdadeiros castanhais”. No percurso, foram encontradas 57 ladeiras, atravessados 66 igarapés e 3 rios. Os rios estavam distantes de Manaus: o Preto, a 93 quilômetros; o Urubu, a 209 quilômetros; e o Caru, A 257 quilômetros. Entretanto, de concreto mesmo, até o final do governo de Ephigênio Ferreira de Salles (1929), aproveitando-se as picadas do Telégrafo e de Pedro João de Deus, da Estrada Manaus-Itacoatiara “ficaram prontos 8 quilômetros com 5 boeiros e 4 capeados de madeira”. Dessa forma, os trabalhos de construção da rodovia iam aos poucos ganhando terreno, embora mais tarde caíssem numa fase prolongada de esquecimento.
Governador Efigênio Ferreira de Salles (imagem Google)
Prossigo às páginas 205/207:
1932: Comissão de senhoras itacoatiarenses entrega ao presidente Getúlio Vargas (…) um abaixo-assinado rogando pela construção da estrada Manaus-Itacoatiara. O presidente Getúlio Vargas acabara de chegar a Manaus. Na véspera, deslocou-se de Itacoatiara uma comissão de senhoras chefiadas pela professora Luiza Menezes de Vasconcellos Dias, com o objetivo de fazer chegar às mãos do Chefe da nação uma longa exposição assinada por centenas de itacoatiarenses, rogando o apoio financeiro da União no sentido de fazer construir a estrada. [N. R. – Os fatos realmente ocorreram: não em 1932, mas em setembro de 1933. O então chefe do governo provisório republicano, Getúlio Vargas, que em 27/09/1933 estava em Belém, interrompeu sua viagem ao extremo norte e da capital paraense retornou ao Rio Janeiro, via Recife. Em Palácio Rio Negro, as senhoras de Itacoatiara foram recebidas pelo interventor federal tenente Antônio Rogério Coimbra, ou por algum de seus prepostos]Apesar da simpatia com que foram recebidas e do prometido encaminhamento do pedido, o assunto permaneceu esquecido. Todavia, em 1953, o fenômeno da enchente do rio Amazonas fez ressurgir o debate em torno do problema da fixação do caboclo à terra firme; Ratificava-se, uma vez mais, a necessidade da abertura da floresta secular para fins de acesso e escoamento da produção agrícola. Um ano antes, o engenheiro José Edilson de Melo Távora, chefe do 1º Distrito Rodoviário Federal, em Manaus, havia levantado na IV Reunião das Administrações Rodoviárias, realizada em Recife-PE, a tese de que a estrada de rodagem era elemento indispensável de colonização do Amazonas. Depois dele, Cosme Ferreira Filho (1893-1969?), estudioso do setor primário e pioneiro em atividades de plantio de culturas permanentes suscetíveis de substituir o extrativismo, desencadeou uma campanha em prol da construção da rodovia. Em artigos publicados em jornais e boletins da época, disse ele: “Necessitamos de caminhos terrestres de função reparadora e imediata. E tais caminhos, para que tenham esse caráter e funcionem ativamente, precisam integrar algum sistema de comunicação (…) Sem que tenhamos atendido a esse imperativo, não nos parece razoável nem acertado correr em busca do desconhecido, ou agir na presunção de condições econômicas, cujo estabelecimento escapa à ação do governo e só se tornarão efetivas com o crescimento da população e sua expansão pioneira sobre regiões até agora desabitadas (…) devemos cogitar do estabelecimento de uma ligação por terra entre os dois maiores centros urbanos do Estado: Manaus e Itacoatiara. Essa estrada, cuja construção será suficiente para incorporar uma administração e um homem do governo à história do Amazonas, como um de seus maiores nomes, teria extraordinária missão de dar consistência e seguro apoio à economia do Estado. Provocaria e determinaria uma concentração econômica, no plano agrícola e industrial, que serviria de sólido e definitivo alicerce ao nosso futuro (…) Para que o Amazonas possa adquirir consistência , conformação e configuração em qualquer plano, necessário seria unir esses membros isolados, essas partes funcionais do seu corpo por meio daquela espinha dorsal, cujo primeiro lance seria constituído pela rodovia Manaus-Itacoatiara”. Após justificar os altos e significativos benefícios econômicos e sociais que adviriam da construção da estrada, o ilustre articulista conclama a opinião pública a cerra fileira em torno de sua brilhante ideia, nestes termos: “Feitas essas considerações, não haverá porque deixarem as administrações amazonenses de tomar a iniciativa da construção da rodovia Manaus-Itacoatiara, para a qual seria aconselhável se fizesse um movimento de opinião pública nas duas cidades, movimento de caráter permanente e ativo, sob a forma de clubes, que tomassem aos seus cuidados impulsionar, sem desfalecimentos, a ação do governo com essa finalidade. Aqui deixamos essa sugestão aos responsáveis pelos destinos do Estado e às populações das duas cidades”. O alerta de Cosme Ferreira Filho surtiu efeito: um clube foi fundado em Itacoatiara para manter acesa a chama da luta, panfletos foram distribuídos pelas casas residenciais e comerciais; em Manaus amiudaram-se as publicações de artigos em jornais e entrevistas nas rádios Baré e Difusora. Finalmente, em 1956, seriam iniciados os trabalhos de construção da rodovia. Anteriormente, o governo do presidente da República general Eurico Gaspar Dutra (1885-1974) havia criado o Fundo Rodoviário Nacional, exatamente para estimular e financiar os projetos rodoviários dos estados federados. Beneficiado com polpudos recursos, o governo do Estado do Amazonas, no período 1955/1956, entre construção propriamente dita, indenizações e desapropriações, gastou na estrada Manaus-Itacoatiara a soma total [em dinheiro da época] de Cr$ 3.711.592,60 (três milhões setecentos e onze mil quinhentos e noventa e dois cruzeiros e sessenta centavos. A CERA (Comissão de Estradas de Rodagem do Amazonas) tomou a dianteira dos serviços. Mas tarde, a CERA foi transformada sucessivamente em CAERA (Comissão Autônoma de Estradas de Rodagem do Amazonas) em DAERA (Departamento Autônomo de Estradas) – raízes do atual DER/Am (Departamento de Estradas de Rodagem do Amazonas).
Cosme Ferreira Filho (imagem Google)
E para finalizar a segunda parte deste registro histórico, transcrevo o que consta à página 265 de Cronografia de Itacoatiara, 2º volume:
1954: 7 de Maio – Intensificada campanha pró-construção da Estrada Manaus-Itacoatiara. Nessa data, é fundado em Itacoatiara o Clube Pró-construção da Estrada e são espalhados milhares de panfletos sob o título “Ajude na construção da AM-1”. Nesse sentido, são feitos apelos ao diretor-geral da SPVEA – Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia, professor Arthur Cézar Ferreira Reis, ao ministro da Viação e Obras Públicas, deputados federais e senadores da bancada da Amazônia.
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