
*Mário Adolfo
Sobreviver do cacau não é fácil. Os ribeirinhos da comunidade de “Zé João” sabem disso.
Rio Madeira (AM) – o extrativismo de cacau e uma maneira de os ribeirinhos conseguirem dinheiro, já que a maioria deles se dedica apenas à pesca e à agricultura de subsistência.
Mas a colheita do cacau não é tarefa fácil. Ela começa por vota das 5h, quando a acauã começa a cantar e se o Waldenor Queiroz Pinto, 57, mete a cabeça para fora da janela para conferir como vai ser o tempo. Sorve mais um gole de café na caneca de esmalte e se anima com o ‘prenúncio de dia ensolarado, para compensar a chuva que caiu na véspera. Estamos na Comunidade de “Zé João” – a 45 metros de Novo Aripuanã, de voadeira -, que virou Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) e onde seis famílias sobrevivem do extrativismo do cacau, preservando a atividade em áreas de várzea no Baixo Amazonas.
Waldenor veste sua camisa azul de mangas compridas para se proteger dos mosquitos e caminha para a barcaça onde estão sendo secadas as amêndoas de cacau colhido na semana passada. Barcaça é uma espécie de tabuleiro de quatro metros ou mais, com um telhado móvel, de zinco, que é movimentado pelos ribeirinhos de acordo com o clima. Se ameaça chuva, eles fecham o tabuleiro empurrando o telhado. Se vem o sol, empurram a cobertura para trás, descobrindo as amêndoas de cacau. Esse processo de secagem leva de quatro a cinco dias no sol. Com chuva, se estende entre oito e dez dias.
Waldenor nasceu, se criou e pretende viver o resto de seus dias nesse pedaço de chão, entre o rio Madeira e a floresta. O pai, Edmundo Pinto de França, e a mãe, Marina Queiroz Pinto, também nasceram ali.
Não tem porque eu sair daqui. Não me acostumaria ao barulho da cidade, ao furdunço. Aqui é meu paraíso, tenho paz, trabalho, planto e não tenho patrão.
O que ganho depende do meu braço diz o homem, que ri pouco, fala pausadamente e tem o hábito de refletir demoradamente antes de dar respostas aos questionamentos do jornalista.
Waldenor tem seis filhos, e com o fruto do cacau está educando todos eles, que estudam em Manicoré (a 330.47 quilômetros de Manaus em linha reta). O mais velho, Alciraine França, 23, já está na faculdade.’
– Eles passam as férias comigo, mas não é moleza. Passam o mês inteiro ajudando na colheita, na quebra e na secagem do cacau -, avisa o ribeirinho.
Enquanto seca na barcaça, o cacau tem que ser revolvido de três a quatro vezes por dia, para não secar apenas de um lado. Essa tarefa é feita com o auxílio do rodo. Depois de pegar a ferramenta, ele tira as botas e enrola a barra da calça para subir sobre o tabuleiro, onde estão secando 200 quilos de amêndoas de cacau. Cotado a R$ 7,50 o quilo, isto significa dizer que Waldenor está pisando sobre R$ 1.800.
Enquanto revolve as amêndoas com o rodo, o agricultor vai contando que, se não fosse a cheia violenta de 2014 – a maior da história do rio Madeira -, ele hoje estaria produzindo em torno de 12 toneladas. Antes, a sua colheita recorde tinha sido de 8 toneladas, em 2013.
– Tinha 7 mil pés de cacau em 10 hectares. Isso me daria unia safra de 12 toneladas. Mas a água levou tudo. Hoje está reduzido a 4 mil pés, se tiver isso aí. O rio me levou 8 toneladas e tive um prejuízo de R$ 8 mil.
Depois de revolver as sementes, seu Waldenor salta da barcaça, pega o paneiro e o “podão” – uma foice presa na ponta de uma vara de 8 metros ou mais – e se embrenha ria floresta. Está na hora de colher mais cacau, O “podão” é usado nas plantações de Cacau da Amazônia porque os cacaueiros nativos da região não quanto os pés plantados pelo homem.
Olhando por entre as folhas longas dos cacaueiros, Waldenor vai descobrindo frutos amarelos “como Ouro” no meio do verde escuro. Basta um corte no caule – movimentando a lâmina da foice para baixo -, e o cacau cai sobre o chão úmido de folhas secas, fazendo um barulho abafado. Horas depois, o ribeirinho faz o caminho contrário, reunindo os frutos em um só lote, para depois encher o paneiro.
Como já foi citado, sobreviver do extrativismo do cacau não é parada fácil. Depois de carregar o pesado paneiro, sustentado pela cabeça através de uma tira larga de pano, os frutos são descascados e colocados para fermentação, só depois é que são espalhados sobre a barcaça para a secagem.
*Jornalista amazonense. Texto publicado no Caderno Especial do Jornal Amazonas Em Tempo, de 29/05/2016.
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