Manaus, 19 de junho de 2025

Os poderes em conflito

Compartilhe nas redes:

Houve divergências entre os poderes Legislativo e Judiciário sobre o projeto de Lei de Abuso de Autoridade, para atualizar a lei de 1965, e definir crimes cometidos por membros e servidores do Poder Público.

A Câmara dos Deputados não examinou a matéria como complexa nem relevante, tratou-a com açodamento suas alterações através das emendas da meia-noite, para intimidar magistrados e membros do MP.

A ideia principal era, como autoproteção e represália por não ter dado certo a anistia ao Caixa 2, criminalizar condutas de autoridades responsáveis pela Lava Jato, defendida por 96% dos brasileiros segundo pesquisa do Instituto Ipsos, antes da publicação da lista dos beneficiados com a propina da Odebrecht.

O mais grave é que a tipificação dos delitos é subjetiva e imprecisa para impor limitações a juízes e promotores, como crimes de responsabilidade por “atuação incompatível com a dignidade e o decoro”, ou com “motivação político-partidária”, ou “maneira temerária”, ou “finalidade de promoção pessoal”.

O povo foi às ruas e mostrou não aceitar a intenção de amordaçar a Justiça e o Ministério Público, para impossibilitar o combate ao crime.

Não se deve generalizar como desonesta toda a classe política, por existir idôneos e comprometidos com o interesse público, e a aprovação das leis é de competência exclusiva do Congresso Nacional, com o qual, aliás, deverá ser buscado um diálogo necessário e ajuizado, apesar das dificuldades de ordem fisiológica ou de interesses pessoais.

O desacordo na interpretação da lei e na avaliação de fatos e provas não pode ser crime. A denúncia do MP se respalda em indícios e no processo se busca prova para condenação. Se não conseguir provar, pede absolvição, mas estão propondo punição. Se o juiz condenar e o Tribunal absolver, também será penalizado. A incoerência precisa ser corrigida.

Querem fazer ressurgir o detestável Crime de Hermenêutica, reprovado por Rui Barbosa: “Esta hipérbole do absurdo não tem linhagem conhecida: nasceu entre nós por geração espontânea. E, se passar, fará da toga a mais humilde das profissões servis, estabelecendo para o aplicador judicial das leis, uma subalternidade. Se o julgador, cuja opinião não condiga com a dos seus julgadores na análise do direito escrito, incorrer, por essa dissidência, em sanção criminal, a hierarquia judiciária, em vez de ser a garantia da justiça contra os erros individuais dos juízes, pelo sistema de recursos, ter-se-á convertido, a benefício dos interesses poderosos, em mecanismo de pressão, para substituir a consciência pessoal do magistrado, base de toda a confiança na judicatura, pela ação cominatória do terror, que dissolve o homem em escravo”.

Caberá ao STF reconhecer a inconstitucionalidade da proposta do Crime de Hermenêutica.

A atual Lei de Abuso de Autoridade está realmente defasada, mas esta não é a melhor oportunidade para atualizá-la. Não há como atentar contra a independência funcional e a liberdade de interpretação dos membros do MP e dos magistrados. Cabe ao Senado considerar e sopesar, por ser esta sua atribuição, cada uma das medidas propostas e apoiar o combate à corrupção dentro dos padrões da legalidade.

A culpa pela legislação em detrimento do interesse público não é só dos políticos, mas dos eleitores que os elegem e os reelegem, e todos sofremos as consequências, quando não escolhemos candidatos honestos.

Views: 14

Compartilhe nas redes:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

COLUNISTAS

COLABORADORES

Abrahim Baze

Alírio Marques