Manaus, 19 de junho de 2025

Uma quarta epidemia

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Artur Timermam
*Artur Timermam

A velocidade na disseminação de casos de febre amarela pede atenção. Um país que já sofre com dengue, zika e chikungunya não pode mais correr risco de doenças causadas por insetos. 

Para frear o avanço das infecções, é imperativo que a resposta seja ágil – o que não foi visto até agora. 

É preocupante a avalanche de notícias que revela o ressurgimento da febre amarela no Brasil. Na semana passada, o Ministério da Saúde anunciou 206 casos suspeitos da doença em 29 cidades brasileiras. Notificou S4 mortes supostamente associadas a ela – 23 já confirmadas. O governo de Minas Gerais, o estado mais afetado, havia decretado situação de emergência em saúde pública devido ao surto. O decreto contempla lS2 cidades ao redor de Coronel Fabriciano, Governador Valadares, Manhumirim, Teófilo Otoni e Mucuri. Há poucos dias, a doença chegou ao Espírito Santo. A velocidade na disseminação de ocorrências pede atenção urgente. Ainda que os registros até agora relatados tenham ocorrido em regiões com densidade populacional inferior à das metrópoles, sabemos da facilidade de deslocamento populacional nos dias de hoje. E, caso pessoas infectadas nessas áreas menos povoadas venham à metrópole, elas encontrarão, infelizmente, um ambiente totalmente favorável à disseminação do vírus da febre amarela.

Lembre-se do que ocorreu com outras arboviroses, transmitidas por mosquitos – dengue, zika e chikungunya. Elas também se originaram em ambientes rurais e atingiram a dimensão e as consequências que conhecemos. Essas doenças são resultado em grande parte do modelo econômico, caracterizado pelo crescimento desordenado dos centros urbanos. Hoje, o Brasil concentra mais de 80% de sua população em áreas urbanas, com relevantes lacunas no setor de infraestrutura, tais como dificuldades para garantir o abastecimento regular e contínuo de água e deficiência no sistema de coleta e destinação de lixo. Somam-se a isso a acelerada expansão da indústria de materiais não biodegradáveis e condições climáticas favoráveis à proliferação de criadouros, agravadas ainda pelo aquecimento global. Um cenário que impede, pelo menos em curto prazo, a erradicação do vetor transmissor.

Há ainda risco de subnotificação. O número real de casos de febre amarela pode ser de dez a 250 vezes maior que o reportado. As próprias características da doença favorecem esse cenário. Calcula-se que 40% das pessoas que tenham contato com a doença não manifestem sintomas. Uma pequena parcela pode vir a apresentar a forma clínica mais leve, com febre e mal-estar, por dois a cinco dias. Entre 40% e 50% têm a forma mais grave, com febre de mais de 40 graus, pele e olhos amarelados – daí seu nome. Se a doença evoluir, pode haver sangramento pelos órgãos, insuficiência hepática e renal. Nesses casos, ela se torna letal para metade dos pacientes.

Para frear o avanço da febre amarela, é imperativo que a resposta seja ágil – o que não foi visto até agora, num governo caracterizado por respostas ruins e lentas. É preciso uma rápida detecção dos casos e a realização de campanhas de vacinação emergenciais para controlar os surtos. Desenvolvida em 1937, a vacina é o meio mais adequado de combate à febre amarela; é produto seguro, eficaz e relativamente barato, sendo uma única dose suficiente para induzir imunidade de longo prazo. Para a prevenção de surtos em regiões afetadas, a cobertura vacinal deve alcançar ao menos 80% da população sob risco. Recomenda-se, por exemplo, que sejam imunizados aqueles que estejam a pelo menos SO quilômetros de distância de um caso. Toda a população com idade acima de 9 meses não previamente imunizada precisa ser vacinada (em regiões epidêmicas há recomendação de vacinação acima dos 6 meses, quando então o risco da doença é superior àquele do evento adverso da vacina).

No Brasil, vem sendo empregada a estratégia de “vacinação de contenção”, isto é, a vacinação de toda a população em regiões onde foram descritos casos suspeitos ou confirmados de febre amarela. Trata-se de estratégia indevida, que deixa de lado a prevenção. É decisiva, também, a cooperação com serviços que monitorem de perto a mortalidade de macacos e outros animais silvestres em regiões próximas aos centros urbanos. Essas áreas funcionam como uma sentinela – se há casos de febre amarela ali, é enorme a possibilidade de ela estar chegando às cidades maiores.

A primeira epidemia de febre amarela descrita no Brasil ocorreu em 1685, no Recife. O vírus teria chegado à capital de Pernambuco em um barco procedente de São Tomé, na África, com escala em Santo Domingo, nas Antilhas. A doença foi erradicada definitivamente das cidades brasileiras em 1942, mas o vírus continuou circulando, embora apenas nas florestas. O esforço para a eliminação deu-se graças às brigadas mata-mosquitos, criadas pelo sanitarista Oswaldo Cruz, no início do século XX. Os grupos de agentes sanitários vasculhavam regiões munidos com inseticidas para acabar com os focos de insetos. Uma ação nesses moldes, agora, seria insuficiente para frear a proliferação do onipresente Aedes aegypti. Nas florestas, os mosquitos dos gêneros Haemagogus e Sabethes e o Aedes albopictus preservam o vírus da doença entre os macacos. No fim, sobram aqueles com resistência ao vírus, que, ao morrer, são substituídos por outros, vulneráveis, e, dessa forma, a febre amarela volta a atacar.

A fórmula para o início de uma epidemia é simples: pessoas infectadas introduzem o vírus em áreas fortemente povoadas onde exista elevada densidade de mosquitos transmissores e onde a maioria da população apresente pouca ou nenhuma imunidade. Ou seja, um cenário perfeitamente possível nos dias atuais. Não podemos menosprezar o problema da febre amarela. Silenciosamente, ela avança. O Brasil não precisa de mais um problema de saúde pública, que já parecia superado. Mal entendemos e enfrentamos a circulação do vírus zika, e podemos ter pela frente um novo e colossal desafio. O drama da microcefalia, visto no Nordeste, não desapareceu. A previsão é que o vírus zika agora preocupe as mães das regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul. Conviveremos ainda por muitos anos com essa tríplice epidemia: zika, dengue e chikungunya. É primordial não deixarmos chegar uma quarta onda, a da febre amarela.

* Médico Infectologista. Articulista da Revista Veja. Artigo na Edição nº 2514, de 25/01/2017.

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