A Academia Amazonense de Letras, reunida em sessão solene na noite de sexta-feira, 28/04/2017, comemorou a entrega da Medalha do Mérito Cultural Péricles Moraes aos eleitos do corrente ano. O galardão acadêmico, criado pela Resolução nº 02/04, de 12 de maio de 2004, que evoca um dos luminares da Casa, seu fundador e presidente Péricles Moraes, é conferido anualmente e se destina a expressar o reconhecimento a personalidades que se tenham destacado nos estudos e na interpretação da Amazônia, contemplando três modalidades. Nesta sua décima terceira versão foram agraciados: no campo das Letras, os escritores Marcos Frederico Krüger Aleixo e Aluísio Sampaio, in memorian; no campo das Artes, a Orquestra Barroca do Amazonas (OBA); no campo da Benemerência ou Mecenato Cultural, o escritor Ildefonso Pinheiro, in memorian, e a instituição Serviço Social do Comércio (SESC).
A sessão foi presidida pela acadêmica Rosa Mendonça de Brito, o escritor Marcos Frederico Krüger Aleixo falou pelos agraciados e o discurso de saudação coube ao acadêmico historiador Francisco Gomes da Silva. Ao tempo em que releva a trajetória dos homenageados, o documento laudatório evoca interessantes passagens da História do Amazonas. Ei-lo em seu inteiro teor:
Senhora Presidente Rosa Mendonça de Brito, na pessoa de quem saúdo os demais membros da Mesa; Senhoras acadêmicas; Senhores acadêmicos; Minhas Senhoras e meus Senhores:
Este é um momento simbólico e de celebração, em que homenageamos o saber e distinguimos a ação criadora do espírito. A Academia Amazonense de Letras reabre suas portas e disponibiliza suas instalações para expressar o seu reconhecimento a personalidades e instituições que se tenham destacado nos domínios das Letras, das Artes e de Benemerência ou Mecenato Cultural e, em consequência, conferir-lhes a Medalha do Mérito Cultural Péricles Moraes. É a décima terceira versão do prêmio, criado em 2004. O galardão anual, além de relevar a trajetória e/ou a performance dos eleitos, oportuniza-lhes a inclusão na lembrança popular.
Os primados da premiação são a reverência e o combate ao processo de desconstrução da memória coletiva. Portanto, a Casa de Adriano Jorge coloca em prática a lição do teórico espanhol Adolfo Sanchez: “Literatura e sociedade não podem se ignorar, já que a própria literatura é um fenômeno social. O artista é um ser social. Sua obra é sempre um traço de união, uma ponte entre o criador e outros membros da sociedade”.
Na sessão solene desta noite cinco agraciados se apresentam: três intelectuais e duas instituições escolhidos democraticamente, em escrutínio secreto. Para mim é motivo de honra descrevê-los. São eles:
No domínio das Letras
- Marcos Frederico Krüger Aleixo
Nascido em Manaus, aos 7 de abril de 1949, é professor de Literatura Brasileira, Literatura Amazonense e Teoria da Literatura. Mestre em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde em 1982 defendeu a dissertação intitulada Introdução à Poesia no Amazonas. Na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUCRJ) concluiu em 1997 o Doutorado com tese sobre a mitologia do Alto Rio Negro e seu reaproveitamento por escritores do Amazonas. Esse trabalho, originariamente intitulado de Recriando a Criação, mais tarde comporia o livro Amazônia, Mito e Literatura. Aposentado pela UFAM, onde militou por mais de três décadas, Marcos Frederico compõe atualmente o corpo docente da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).
Aludindo vagamente sobre a naturalidade do professor Marcos Frederico, descobrimos que ele resultou do cruzamento de imigrantes que vieram para o Amazonas, atraídos pelo ciclo da borracha. O Aleixo de seu nome é patronímico. O prenome Frederico e o segundo sobrenome Krüger, herdou-os de seu avô materno.
Seu pai, o paraibano João Aleixo do Nascimento, nascido no dia 23 de novembro de 1904 na zona rural de Campina Grande, chegou a Manaus ainda muito criança, trazido pela genitora, a então viúva Guilhermina da Conceição Aleixo. A família estabeleceu-se no antigo bairro dos Tócos, hoje Aparecida, no Beco Carolina das Neves, número 41. Nesse local, o pioneiro João Aleixo viveu até o fim de sua vida, cujo termo ocorreu em 26 de março de 1970. Foi empregado na Casa Higson, estabelecimento comercial inglês de exportação de produtos regionais (borracha, balata, piaçaba, etc.). Foi notável sua coragem durante toda a existência. Um herói anônimo que transmitiu aos seus descendentes belos exemplos de humildade e inteireza de caráter.
Sua mãe, Consuelo de Moraes Krüger Aleixo nasceu no dia 17 de maio de 1917. Ficou órfã de mãe muito cedo e foi criada pelas tias. Casou-se com João Aleixo e foi funcionária da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, por onde se aposentou. Faleceu em 28 de outubro de 2002. Tinha o curso de parteira e exerceu, em paralelo, essa profissão. Era filha da amazonense Delfina de Moraes e do alemão Frederico Carlos Guilherme Krüger – este, procedente de Santa Catarina, também veio para Manaus em busca do Eldorado da borracha.
Senhoras e Senhores:
O convívio humano deixa fundas marcas no nosso ser. “Toda a vida me há de lembrar o passado”, dizia o poeta português Fialho d’Almeida. O professor Marcos Frederico teve uma infância triste. Há cerca de uma semana, instei-o para que discorresse sobre a sua trajetória. Ao ouvi-lo e ao ler o resumo escrito que gentilmente me cedera, percebi tratar-se de um homem marcado pela nostalgia, um ser introvertido, voltado para o universo interior. Discorreu assim:
Minha mãe casou com meu pai em 1936, quando tinha 19 anos. Ele tinha 31, indo completar 32. Ela passou treze anos sem ter filhos, quando eu nascí. Três anos depois viria outro, mas ela abortou aos seis meses de gravidez. Sempre quis ter muitos filhos, mas não conseguiu. (…) O nome de mamãe é sugestivo. Como o pai, Frederico Carlos Guilherme, abandonou a mulher quando ela ainda estava grávida, Delfina batizou a filha com o nome de Consuelo (consolo em espanhol). Mamãe era o consolo de minha avó…
Reiterou que após o casamento de sua avó Delfina, seu avô Frederico Carlos “abandonou-a por motivos que minha mãe [Dolores] nunca soube. Depois de casar com meu pai [João Aleixo], ela tentou estabelecer contato com ele, mas jamais conseguiu”. E completou: “Eu jamais soube de meu avô materno”.
Reservado em suas palavras e seus atos, Marcos Frederico é um intelectual que se mantém relevante na Literatura Amazonense. Na lição do amigo e confrade Zé Maria Pinto, “como escritor, nos últimos 20 anos, Marcos tem sido constante. Foram 10 livros originais e duas organizações, em trabalhos solos e parcerias”.
Realmente. Como dito antes, sua estréia no mundo das letras deu-se com Introdução à Poesia no Amazonas, um precioso levantamento histórico sobre a produção lírica em nosso Estado. Já decorreram trinta e cinco anos e esse primeiro trabalho de Marcos Frederico prossegue inexplicavelmente inédito. Aguardamos sua publicação ansiadamente. Quando isso acontecer, tal obra será alçada a uma posição de destaque na bibliografia amazonense, certamente nas mesmas dimensões de Recriando a Criação.
É de registrar e insistir que o trabalho Recriando a Criação pautou, em 1997, o doutorado de Marcos Frederico na PUCRJ. Publicado em 2003 pela Editora Valer, sob o título Amazônia, Mito e Literatura, atualmente encontra-se em terceira edição.
Indiscutivelmente, Amazônia, Mito e Literatura é o maior legado do escritor que agora homenageamos. Nele, segundo a expressão do esgrimista das letras Zé Maria Pinto, em correspondência que a mim dirigiu dias atrás, “Marcos Frederico desvela a magia por trás dos mitos que perduram na Amazônia, relacionando-a com a literatura e mostrando que a Amazônia é privilegiada por ter uma mitologia própria. Inventariando criticamente tudo o que se produziu desde Poranduba amazonense (1890), de João Barbosa Rodrigues, até Antes o mundo não existia (1980), de Feliciano e Luís Lana, passando pelos geniaisMacunaíma (1928), de Mário de Andrade, e Moronguetá, um Decameron indígena (1967), do nosso confrade Nunes Pereira, (…) Marcos Frederico Krüger produziu um livro que já nasceu indispensável e clássico”.
Mas, o celebrado escritor amazonense não parou aí.
Em 1997 publicou Resumos & Comentários, sobre as obras que seriam estudadas no vestibular do ano seguinte. Em 1998, em parceira com o falecido professor Antônio Paulo Graça, trouxe a lume Análise das obras do Vestibular 1999. Com o confrade Zemaria Pinto, escreveu Análise das obras do Vestibular 2000 e Análise das obras do Vestibular 2001. Em 2009 organizou o livro Os melhores poemas de Thiago de Mello, para a Global Editora. Em 2013, em parceria com o professor Allison Leão, organizou o livro O mostrador da derrota, sobre o teatro e a ficção de Márcio Souza.
Ainda, em 2004, em parceria com o confrade Tenório Telles, Marcos escreveu dois livros fundamentais para o entendimento da literatura que se produz no Amazonas: Poesia e poetas do Amazonas, e em 2009, a Antologia do conto do Amazonas. Com o mesmo Tenório Telles lançou, em 2003, Introdução à Literatura Brasileira, e, em 2010, Poesia e poetas do Parnasianismo, Simbolismo e Pré-Modernismo.
Em 2006, venceu o Prêmio L. Ruas, da Prefeitura de Manaus, com o ensaio A sensibilidade dos punhais, publicado no ano seguinte – na opinião de Zé Maria Pinto “uma inédita visão das imagens do mar na poesia do Amazonas, tendo por referência a lírica de Violeta Branca e Luiz Bacellar, além de Sebastião Norões”.
- Aluísio Sampaio Barbosa, in memorian
Amazonense do Município de Borba, o jornalista e escritor Aluísio Sampaio nasceu em 25 de outubro de 1929. Depois de concluir o ensino primário, mudou-se para Manaus onde cursou o ginasial e o colegial clássico. Graduado em Direito e na sequência nomeado promotor de Justiça, durante vários anos serviu nas comarcas de Humaitá, Borba e São Paulo de Olivença. Nesta capital exerceu a advocacia e secretariou o Juizado de Menores, por onde se aposentou.
Quando cheguei a Manaus, em 1965, encontrei Aluísio Sampaio exercendo o cargo de redator-chefe do jornal A Crítica. Esse matutino, longe de ser a potência que é hoje, tinha sua redação e oficinas sediadas no andar térreo do prédio onde morava a família de Umberto Calderaro Filho, na Rua Lobo d’Almada. Experimentei alí, em 1966/1967, sob o comando do grande Aluísio Sampaio, a atividade de repórter policial ganhando alguns trocados para ajudar-me na subsistência. Diariamente, cedo da manhã, eu me deslocava do bairro da Matinha à Central de Polícia, na Rua Marechal Deodoro, para tirar anotações de seu livro de ocorrências e transformá-las em notícias, textos que antes de irem à publicação no dia seguinte tinham que passar pelo crivo do carismático, dinâmico e às vezes agitado jornalista.
A despeito do semblante fechado, Aluísio Sampaio aparentava um ar professoral, gostava de orientar os mais jovens. Além do porte atlético, destacava-se pela enorme cabeleira que lembrava o ‘tuxaua’ Álvaro Maia. Soube que se tratava de um leitor voraz, que tinha predileção pelos livros de Dostoiévsky, Kafka, Garcia Marques, Machado de Assis e Jorge Amado, evidentemente sem excluir os autores da terra. Gostava de declamar. Escreveu novelas, poesias e contos. Faleceu em 29 de outubro de 2003.
Aluísio Sampaio integrou e presidiu o Clube da Madrugada e, por haver realizado ali um excelente trabalho, deixou o seu nome gravado na História da Cultura do Amazonas. O surgimento do Clube, em novembro de 1954, coincidiu com o desejo de renovação estética vivida por um seleto grupo de intelectuais que estavam cansados do isolamento cultural proporcionado por dificuldades econômicas e geográficas. Nasceu sob o signo da informalidade, embaixo de um mulateiro da Praça Heliodoro Balbi. Entre seus fundadores estavam: Saul Benchimol, Luiz Bacelar, Farias de Carvalho, Teodoro Botinely, Fernando Collyer, José Trindade, Francisco Baptista, João Bosco Araújo, Antônio Gurgel, Celso Mello, Camilo Souza e Humberto Paiva. Posteriormente, a estes se juntariam: Aluísio Sampaio, Jorge Tufic, Guimarães de Paula, Luís Ruas, Francisco Vasconcelos, Astrid Cabral, Carlos Gomes, Jefferson Peres, Elson Farias, Arthur Engrácio, Antístenes Pinto, Max Carphentier, Sebastião Norões, Anísio Melo, Evandro Carreira, Fábio Lucena, Moacir Andrade, Adrino Aragão, Afrâneo de Castro, Oscar Ramos Filho e outros mais.
Segundo a afirmativa de Luciane Páscoa (2009), o Clube “foi influenciado na literatura pela Geração de 1945 e imbuído de todas as aspirações políticas do pós-guerra”. O acadêmico Tenório Telles (2006) diz que ele “surgiu como uma reação à estagnação cultural, ao provincianismo, ao conservadorismo dos artistas e dos intelectuais comprometidos com a velha ordem política e econômica”. O revolucionário acontecimento esbarrou na resistência e incompreensão dos representantes da elite conservadora local, e a respeito assim se manifestou o confrade Márcio Souza (1977): “Os artistas foram considerados loucos, inveterados alcoólatras, perigosos contestadores da inércia”.
Reportando sobre a trajetória do Clube, nosso saudoso confrade Alencar e Silva (2011) lembra que “os presidentes foram muitos e que todos o terão conduzido com o acerto esperado, dando cumprimento à pauta do seu ideário e ao intercâmbio de conhecimentos e experiências em que os madrugadenses mutuamente se enriqueciam, como que ao clima de um centro de estudos superiores. A partir, porém, dos anos 60 e princípios dos 70, houve notável mudança de ritmo. E Aluísio Sampaio viria como que a encarnar a alma do Clube como força coesiva e dinâmica que lhe comunicaria novo ânimo (…). O período presidencial de Aluísio Sampaio estendeu-se praticamente por toda uma década – o quanto durou a página dominical do Clube – tempo durante o qual só se assinalaria um breve hiato, no biênio 1965/66, com a presidência de Francisco Vasconcelos”.
À época, o Clube ganhou novos membros, e sua atuação na imprensa periódica aconteceu através da página dominical Caderno Madrugada, em O Jornal, da empresa Archer Pinto, entre 1961 e 1972, na qual foi reunida e divulgada grande parte da produção literária e artística do grupo, cujo trabalho de diagramação era feito pelo próprio presidente Sampaio. Entre os novos madrugadores estavam os escritores Márcio Souza, Ernesto Pinho, João Bosco Evangelista, Alcides Werk, Ernesto Penafort; os artistas plásticos Álvaro Páscoa, Getúlio Alho, José Coelho Maciel, Hanemann Bacelar; e os cineastas Cosme Alves Neto, Ivens Lima e José Gaspar.
Aluísio Sampaio era um obstinado. Foi o iniciador da Coleção Madrugada, que lançou no mercado editorial vários títulos, inclusive Lunamarga, de Alencar e Silva. O Clube apoiou diversas atividades culturais em intercâmbio com outros grupos independentes (Grupo de Estudos Cinematográficos) e institucionais (Fundação Cultural do Amazonas, Pinacoteca do Estado, União Brasileira de Escitores do Amazonas). Ofereceu um grande apoio às artes visuais, patrocinando inúmeras exposições, coletivas e individuais, inclusive de artistas estranhos aos quadros da instituição. Graças à sua intervenção, o halldo edifício do Jornal do Comércio, na Avenida Eduardo Ribeiro, transformou-se numa galeria de arte, onde foram realizadas muitas exposições. Releva lembrar que foi um membro do Clube, o pintor Moacir Andrade, o primeiro artista brasileiro a expor em Brasilia. Outros movimentos inovadores promovidos pelo Clube foram feiras de arte e os festivais de cultura. Enfim, um vasto programa incluindo exposição e lançamento de livros, poesia de muro, festa do violão, exibição de filmes, recitais de poesia, apresentação de grupos musicais populares, etc. – envolvendo grande número de participantes e consequentemente causando um impacto enorme na Manaus da época.
Para ilustrar esta parte do discurso, pedi ao meu amigo e confrade Elson Farias sua opinião sobre Aluísio Sampaio. Generoso como sempre, o poeta nascido em Itacoatiara atendeu-me de pronto, e escreveu:
Convivi um bom tempo com Aluísio Sampaio no tempo do Clube da Madrugada. Ele foi presidente da instituição e um dos seus mais vibrantes animadores. Seu maior interesse intelectual concentrava-se na área do ensaísmo literário e da prosa de ficção. Sua obra, no entanto, não foi reunida em livro. Tudo ficou disperso nos jornais da época, em particular na página literária que o Clube manteve por mais de 10 anos em O Jornal, de Manaus. Destacou-se como um especialista no jornalismo literário, principalmente na diagramação desse suplemento que marcou época, ainda por isso, na imprensa amazonense de então. Sua prosa era intensa e sóbria, demonstrando pleno conhecimento da matéria no ensaio, e muita autenticidade na ficção. Foi um incansável trabalhador intelectual.
No domínio das Artes
Osquestra Barroca do Amazonas (OBA)
A Música é um segmento da Arte capaz de nos deixar felizes quando estamos tristes. Funciona como uma distração para certos problemas, um modo de expressar o que sentimos. Segundo a abordagem funcional, artística e espiritual, a Música é a arte de manifestar os afetos da alma, através do som. Para os adeptos dessa abordagem, ela só existe como uma manifestação humana. É atividade artística por excelência e possibilita ao compositor ou executante compartilhar suas emoções e sentimentos.
A história da Orquestra Barroca do Amazonas (OBA) releva o papel de seus participantes, excelentes artistas, que dignificam a Cultura do nosso Estado. Criada em 2009 por professores e alunos de graduação e pós-graduação em Música da UEA, interessados na recuperação e interpretação do patrimônio musical luso-brasileiro do século XVIII e começo do XIX. O grupo usa cópias fiéis de instrumentos de época e leitura historicamente inspirada das fontes musicais. Atualmente desenvolve projeto de formação de plateia em parceria com esta Academia Amazonense.
Desde sua criação, a OBA já esteve em diversas cidades do Brasil, inclusas todas as capitais da Amazônia Legal, além de ter se apresentado em Portugal, Itália e Espanha. Os concertos acontecem em festivais de ópera e música sacra, tanto em igrejas e teatros históricos quanto em modernas salas de concerto.
Em 2013, a Orquestra gravou o CD Dei Duo Mondi, com obras de autores italianos e ibéricos que influenciaram a formação do repertório luso-brasileiro. No mesmo ano, percorreu 25 cidades brasileiras com o projeto Ópera do Brasil Colonial em que executou árias de óperas como Capitão Belizário, A Mulher Amorosa, As Variedades de Proteu, Precipício de Faetone, Dido Desamparada, Guerras do Alecrim e Mangerona e Demetrio. Em novembro de 2015 abriu em Juiz de Fora (MG) o Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga. Em 2017, participou dos saraus desta Academia, realizando quatro apresentações trazendo, em algumas delas, músicas inéditas.
A OBA é regida pelo maestro e flautista amazonense Márcio Páscoa. Natural de Manaus formou-se em Direito, mas a sua vocação é a Música. Fez carreira acadêmica em importantes centros de convivência cultural como a Universidade de Coimbra. Assim, converteu-se em pesquisador da produção musical da Amazônia, tendo recuperado partituras inteiras de obras de mestres do passado.
No domínio da Benemerência ou Mecenato Cultural
- Ildefonso da Silva Pinheiro, in memorian
Inicio esta resenha com a frase lapidar da senhora Assunção Pinheiro, a respeito do saudoso Ildefonso Pinheiro, na introdução à carta que me enviou recentemente, propiciando-me elucidar alguns pontos deste pronunciamento: “Meu avô, meu ídolo, nasceu em 21 de janeiro de 1900, na Serra de Baturité – Ceará. Era um homem extraordinário, quase único, que viveu e se doou ao Estado do Amazonas e tanto fez pelos desvalidos”. E, agora, digo eu: sua história, que começou trágica e findou rotulada de virtudes, é um poema de longo fôlego. O sofrimento deixou-lhe profundos traços, mas transformou-o em um ser possuído pelo sentimento de caridade e de amor ao próximo. Esse homem manso e humilde de coração faleceu a 7 de novembro de 1978.
Seu contemporâneo Francisco Bacellar, que o auxiliou na feitura do livro “Uma vida” (Manaus, 1963), registra: “Do menino criado de favor ao homem de negócios de hoje, soube Ildefonso Pinheiro sempre fazer-se respeitar. Exerceu todos os seus variados misteres desde o mais humilde, com dignidade elevada – jamais foi humilhado, aviltado ou vilipendiado. A sua personalidade sem arrogância, o seu procedimento comedido impunha o respeito e mantinha a simpatia”. O genitor do nosso antigo confrade Luiz Bacellar completa: “Ildefonso, criança ainda, aqui chega acompanhado dos pais e de sua irmãzinha. Não vieram tangidos pelos flagelos nem em busca de melhoria de vida – prestigiosa família cearense, os Pinheiro de Fortaleza – nos seus pagos gozavam de todo o conforto. Vieram a chamado de um parente, o doutor Solon Pinheiro, irmão do pai de Ildefonso, advogado de nomeada. (…) Segue a família para o Rio Javari onde lugar de confiança espera o pai”.
Porém, em menos de um mês, a família é destroçada pelo beribéri, à excessão do menino Ildefonso com apenas 4 anos de idade, que se viu despojado de tudo que representava meio de sobrevivência. Vencendo as maiores dificuldades, sem possibilidade de distração que custasse dinheiro, procurou se instruir e, trabalhando duro, foi consolidando sua vida profissional. De estivador do Porto de Manaus, pracista, mordomo do Ideal Clube, chegou a promissor comerciante, proprietário da LeiteriaA Tropicana, situada na Rua Marechal Deodoro. Extinta esta, em 1943, associou-se a outros homens de negócios daí nascendo a firma Eletro-Ferro Construções. Encerrada essa sociedade, no imóvel foi construído o Edifício Brasil, onde Ildefonso possuia 16 apartamentos, dos quais dez foram destinados aos seus familiares e os seis restantes doou-os à Academia Amazonense de Letras, ao Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, ao Ginásio Álvaro Botelho Maia, ao Hospital Alan Kardec, ao Hospital-Colônia Antônio Aleixo e ao Centro de Irradiação Mental Tattwa Nirvana.
Posteriormente, – segundo informações da neta Assunção – Ildefonso fundou a Loja Ferragens Pinheiro, “onde efetivamente deu início ao mais importante e marcante objetivo de sua vida: servir ao seu semelhante. A filantropia, em forma discreta, era um dos traços mais marcantes de seu caráter, e sua bússola a Bíblia, onde buscava orientações para a prática do bem e assim cumpriu sua missão, desprendido dos tesouros deste mundo. Um dia, vovô resolveu construir um edifício de apartamentos, que o denominou de Fortaleza, em homenagem à capital do seu Estado natal – um prédio de 4 andares, com 16 confortáveis apartamentos, à Rua dos Barés. Despreendido, como sempre, doou sete apartamentos aos descendentes e distribuiu os demais entre instituições como: Educandário Gustavo Capanema, Instituto Montessoriano, Casa da Criança, Hospital Dr. Fajardo, Santa Casa de Misericórdia de Manaus, Fundação Dr. Thomas e um para um grande amigo, que me reservo o direito de não citá-lo”.
Sempre cercado por pessoas de todas as classes sociais, sobretudo as de origem humilde, Ildefonso foi reverenciado e manteve estreita ligação com personalidades de alta estirpe, como: André e Rui Araújo, Álvaro Botelho Maia, Deoclídes Carvalho Leal, Henock da Silva Reis, João Rebelo Corrêa e muitas mais.
Grande incentivador da Cultura Amazonense, além de lançar o livro “Uma vida”, prestou colaboração ao Jornal do Comércio, órgão dos Diários Associados, onde durante anos publicou artigos sobre política, história e economia. Além de membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, que o presidiu, atuou fortemente no Instituto Cultural Brasil Estados Unidos. Dentre várias láureas recebidas, foi contemplado com o título de Cidadão Benemérito do Amazonas.
Outras inumeráveis ações de benemerência desse homem incomum ficaram ocultas, por sua vontade, aliás, como é próprio dos seres virtuosos, inclinados à prática do bem. Ildefonso casou-se no dia 6 de março de 1924, com Lucia Coëlho, de saudosa memória. Dos seus filhos, sobrevive apenas Maria Augusta. Jorge e Izabel já partiram: foram com ele se encontrar. Sua descendência é composta de 10 netos, 19 bisnetos e 23 tetranetos.
Laborou bem a Academia Amazonense ao distinguir a memória desse grande brasileiro E eu, que tratei com ele assim que cheguei da Velha Serpa, além de extremamente honrado, sinto-me feliz pela oportunidade de fazer-lhe o elogio. Devo a Ildefonso Pinheiro e ao desembargador João Rebelo Corrêa a minha introdução no círculo de sócios do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, isso no distante ano de 1969.
- Serviço Social do Comércio (SESC)
O SESC é uma instituição privada que há mais de 60 anos representa a expressão legítima do exercício da cidadania e da responsabilidade social. Tem como foco de atuação o bem-estar e a qualidade de vida dos trabalhadores do setor do comércio de bens, serviços e turismo. Suas ações propagam princípios humanísticos e universais, promovendo melhor condição de vida para os comerciários e seus familiares, e, em caráter complementar, à sociedade de maneira geral. No Estado do Amazonas está presente em oito municípios: Manaus, Manacapuru, Itacoatiara, Presidente Figueiredo, Maués, Tefé, Coari e Parintins, onde desenvolve atividades relacionadas aos programas Cultura, Educação, Saúde, Assistência e Lazer.
Seus espaços, tanto na capital quanto no interior, propõem o resgate das tradições e sonhos de crianças, jovens e adultos por meio da Arte e da Cultura – razões pelas quais essa paradigmática entidade foi indicada para receber a Medalha Péricles Moraes, na categoria Benemerência ou Mecenato Cultural.
Em nosso Estado nenhum outro ente paraestatal é comparável ao SESC como instituição incentivadora da Cultura e das Artes – áreas sensíveis em que o próprio governo não consegue atuar de forma eficiente. Sua luta é obstinada e permanente. É no sentido de democratizar o acesso dos cidadãos ao cinema, teatro, concertos e bibliotecas, abrangendo um leque diversificado de atividades, as quais seguem modelos de ação que convergem às diversas linguagens culturais, como artes plásticas, música, danças, literatura. Entrelaça entretenimento e diversão com educação para promover cultura de qualidade e ajudar na formação lúdica de milhares de amazonenses.
Entre os múltiplos projetos do seu Programa Cultural, destacamos:
Amazônia das Artes (difusão, valorização e estímulo da produção artística e cultural dos estados da nossa região); Canção da Mata (mostra a diversidade musical do Estado e evidencia a produção dos artistas locais); BiblioSesc (incentivo à leitura, ampliação do acesso ao livro e melhoria da qualidade de vida através do acesso à informação). Festival de Talentos (descoberta de novos intérpretes e revelação de talentos na área musical. Dentre os que já foram revelados estão: Arlindo Júnior, Serginho Queiroz, Liz Araújo, Salomão Rossy, Nely Miranda, Cris Silva, Eduardo Branco e Henrique Cardoso). Cine SESC (incentiva o gosto pela sétima arte, contribui para a valorização do cinema nacional, promove lazer e educação através do cinema. Atende escolas e comunidades periféricas de Manaus com sessões de cinema para os públicos infantil e adulto). Exposições (mostras mensais de artes plásticas, envolvendo renomados artistas e até iniciantes. O foco central é a galeria Moacir de Andrade, na sede da instituição, no centro de Manaus). Feira de Livros (estimula o desenvolvimento da prática da leitura junto aos públicos infanto-juvenil e adulto por meio de atividades que propiciem o prazer de ler e dialogar com outras linguagens artísticas. Não se restringe apenas à comercialização de livros, porém, oferece uma série de atividades ligadas à literatura).
Entre as atividades relacionadas à Educação, Saúde, Assistência e Lazer estão: Escola SESC (oferece do ensino infantil ao médio, cursos de Libras, Idiomas – Inglês e Espanhol – e Educação de Jovens e Adultos – EJA -, a última, para adolescentes e adultos que desejam regularizar os estudos ou a certificação de conclusão do ensino básico); SescLer (desenvolve, além do EJA, habilidades de Estudo – uma atividade gratuita, destinada a crianças das séries iniciais do Ensino Fundamental – 2º ao 5º ano – e tem a finalidade de incentivar a curiosidade científica, pesquisa, reflexão crítica e a construção do saber). OdontoSesc (disponibiliza tratamentos odontológicos básicos, restaurações, educação sobre saúde bucal e modificação de hábitos);Programa Lazer (direcionado à promoção e ao incentivo de campanhas para praticantes de atividades físicas visando a tirar as pessoas do sedentarismo); Mesa Brasil (programa de segurança alimentar e nutricional, visa à melhoria da qualidade de vida de pessoas em situação de pobreza com uma perspectiva de inclusão social); Trabalho Social com Idosos (estimula o aprendizado de trabalhos manuais: artesanato, pintura em tecido, crochê, além de aulas de relaxamento e outros assuntos alusivos à terceira idade);
Em 2016 foram 36.121.534 atendimentos, em todo o Estado do Amazonas, abrangendo os programas Educação, Saúde, Cultura, Lazer e Assistência – o que corresponde a quase 100.000 pessoas atendidas diariamente.
O número total de atendimentos na área de Educação (capital + interior) foi da ordem de 2.248.150. Em relação a 2015, houve um crescimento de 103,5%.
Número total de Atendimentos na área de Cultura (capital + interior): 341.236 pessoas.
No interior do Estado, ou mais precisamente, nos sete municípios onde o SESC atua – na área de Educação foram 523.973 atendimentos, isto é, mais de meio milhão de pessoas atendidas!
Na mesma área o total de Atendimentos em Saúde foi de 758.616 pessoas. Ainda no interior, no setor Cultural foram computados 54.408 pessoas, número infinitamente inferior aos encontrados nos setores de Educação e Saúde.
Quanto às 523.973 pessoas do interior atendidas em Educação, estão assim distribuídas: Coari: 61.623; Itacoatiara: 79.450; Manacapuru: 66.004; Maués: 86.818; Parintins: 71.814; Presidente Figueiredo: 87.995; e Tefé: 70.269 – números altamente significativos, sem dúvida.
CONCLUSÃO
Senhoras e Senhores acadêmicos:
Curvamos a fronte em protesto de veneração à memória do amazonense Aluísio Sampaio, beneficiário da Medalha do Mérito Cultural Péricles Moraes 2017, na categoria Letras, e do imigrante nordestino Ildefonso Pinheiro, na categoria Benemerência ou Mecenato Cultural. Ambos deixaram um grande legado. Parodiando São Paulo, em sua Carta a Timóteo, eles combateram o bom combate, com fé e boa consciência. Por isso, repetimos aqui, em alto e bom som, a célebre frase de Rui Barbosa, na homenagem póstuma que prestou ao grande Alexandre Herculano: Aluísio Sampaio e Ildefonso Pinheiro não morreram: existem entre nós!
Idêntica promessa de respeito e consideração, prestamos ao celebrado escritor Marcos Frederico Krüger Aleixo e à fulgurosa Orquestra Barroca do Amazonas, que fizeram por merecer o mesmo Prêmio nas categorias Letras e Artes. Marcos Krüger ainda tem muita estrada para percorrer brandindo, como disse Camões, “numa mão sempre a espada, e noutra a pena”, em defesa das letras amazônicas. Quanto à Orquestra Barroca do Amazonas (OBA), prosseguirá empunhando a bandeira da alegria e multiplicando suas visitas ao mundo levando música, amor e poesia; sabido que suas apresentações é como se fossem viagens ao mais distante passado apenas com sons. Nesta noite inolvidável, a OBA enfeita esta Sala com as luzes da poesia, da beleza e do encantamento. É como se agradecesse a homenagem que ora lhe prestamos, com sua mistura de vozes, com seu cruzamento de sons, de gestos emotivos.
Por fim, num preito de honra, gratidão e fidelidade, regozijamo-nos com a justa inclusão do SESC-Amazonas na lista de beneficiários da Medalha Péricles Moraes, na categoria Mecenato. A motivação básica dos atuais mecenas institucionais não difere das encontradas por Caius Cilnius, mecenas do século I, para o qual as questões de poder e da cultura são indissociáveis. O mecenato seria o suporte à atividade artística feito de forma espontânea. Diferente do patrocínio que teria por trás de si, se não a aquisição de algum bem ou serviço, pelo menos a tentativa de reforçar ante o consumidor a marca ou a identidade do patrocinador.
O SESC, como foi descrito antes, é uma instituição responsável por conscientizar bem os problemas do Amazonas, especialmente os referentes à defesa e proteção dos patrimônios material e imaterial e os que reportam a produção artístico-cultural. Na aplicação dessa tarefa, árdua, difícil, digna de Hércules, o presidente José Roberto Tadros tem sido correto e sempre diligente. À frente de uma equipe dedicada e competente, tem vencido todos os obstáculos. Homem reconhecidamente letrado e culto, um empresário altamente qualificado – que, em 2007, também recebeu aqui o mesmo galardão – o acadêmico, comendador e historiador José Roberto Tadros pertence a uma linhagem admirável que nunca se deixou abater. Pertence a uma raça de vencedores, alicerçada nas virtudes familiais de David Tadros, um dos pioneiros da navegação e do comércio do Amazonas, que aqui aportou nos idos de 1870.
Diferente dos protetores das ciências, das letras e das artes que preferem investir somente na capital, e dos gestores de má índole que agem pensando fazer o bem derrubando o velho para em seu lugar construir o novo, o presidente José Roberto Tadros é um entusiasta da interiorização da Cultura e um preservacionista de mão-cheia, que pensa e age para garantir a integridade e a perenidade dos bens patrimoniais. Exemplos: o funcionamento de projetos culturais do SESC nos sete principais municípios do interior, – onde as visitas de seu gestor maior são amiudamente repetidas e para onde maiores investimentos acorrem prontamente – e a restauração de centenários prédios do centro histórico de Coari, Manacapuru e Itacoatiara, louváveis iniciativas que contam com o apoio irrestrito de José Roberto Tadros. Por tudo isso, em nome da Academia Amazonense de Letras, parabenizamos ao SESC-Amazonas, à sua Diretoria e à sua imensa legião de colaboradores.
Boa noite a todos.
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