O grau de ocupação humana na Amazônia pré-colombiana é um assunto muito debatido. Os registros mais antigos da região atribuem aos seus pioneiros habitantes datações acima de 12 mil anos. Uma descoberta relatada pela antropóloga norte-americana Anna Roosevelt, em 1996, na revista “Science”, dá conta de uma ocupação humana em plena floresta amazônica aos 11,3 mil anos. De 1990 a 1992, Anna fez oito viagens a um sítio arqueológico no município paraense de Monte Alegre e, porque já havia pesquisado as cerâmicas do Museu Paraense Emilio Goeldi, em Belém, estava convencida da passagem do homem pré-histórico por aquelas bandas.
Com uma equipe de estrangeiros e brasileiros, a renomada pesquisadora chegou à Caverna Pedra Pintada onde encontrou vestígios provando que o homem viveu ali há pelo menos 11.200 anos, ocupando a caverna em quatro períodos ao longo de 1.200 anos – datação, aliás, feita por cinco laboratórios diferentes. Mais tarde ela explicaria que a descoberta mostra que o desenvolvimento humano em florestas tropicais não apenas era possível como natural. Que os paleoíndios fizeram mais do que sobreviver; manifestaram seu conhecimento em pinturas rupestres grandiosas.
A tese de Anna Roosevelt, dentre outras, sepulta de vez as hipóteses imaginosas e as especulações religioso-filosóficas atribuindo às viagens dos fenícios, hebreus e árabes os primeiros contatos humanos na região e/ou conferindo a origem hebraica aos índios brasileiros. Tais teorias advogam: que a posse das terras do Brasil pertencera a Jobal, um descendente de Noé; que nos anos 993 a 960 a. C. as frotas do rei mítico Hiran, da cidade fenícia de Tiro, e do judeu Salomão navegaram através do rio Amazonas; que em 499 d. C. por aqui passou uma expedição chinesa; e que os habitantes da desaparecida Atlântida intercambiaram mercadorias com os primeiros amazônidas.
Esse tipo de literatura sensacionalista empanou, por um largo período, a realidade da ocupação humana da Amazônia. Os principais expoentes de tais teorias foram o etnólogo Henrique Onfroy de Thoron – cujo tratado sobre o suposto País de Ophir foi, em 1876, publicado em Manaus – e o professor austríaco Ludwig Schwennhagen (1900-1928). Suas ideias foram abraçadas pelo arqueólogo amazonense Bernardo Azevedo da Silva Ramos (1858-1932) – um dos fundadores e primeiro presidente do IGHA.
Remontam a 11.000 a. C. os primeiros sinais de ocupação no alto Amazonas. O grande corredor cultural por onde teriam circulado grupos de primeiros amazônidas foi o fabuloso rio Amazonas. Vestígios com datação entre 9.200 a. C. e 6.000 a. C. sugerem que nesse largo período grupos de caçadores-coletores começam a se espraiar por toda a Amazônia.
Desde 5.000 a. C., grupos de agricultores do alto rio Madeira e do noroeste amazonense faziam o manuseio de vários tipos de plantas tropicais. É possível que, entre 4.000 a. C. e 2.000 a. C., tenha ocorrido na Amazônia a transição da caça e da coleta para a agricultura.
A área do rio Madeira, mais precisamente a faixa que atualmente separa os estados do Amazonas e Rondônia, seria, por volta de 3.000 a. C., o centro de dispersão inicial dos grupos Tupi, que daí teriam emigrado para outras regiões do Brasil e da América do Sul. O alto rio Madeira teria sido lugar de domesticação da mandioca e da pupunha. A introdução do cultivo da mandioca na várzea e a chegada da cultura do milho na mesma área propiciaram às primeiras populações ribeirinhas um maior excedente de alimentos para a estocagem e o comércio intertribal.
Em 3.000 a. C. grupos de horticultores já se faziam presentes no baixo e médio rio Amazonas. Achados com essa datação sugerem que os povos ribeirinhos eram fartamente supridos de alimentos, aí incluídos frutos, grãos, peixes, mamíferos e quelônios. Criativos, eles fabricavam, para uso interno ou permutar entre tribos, instrumentos destinados ao lazer, à caça e à pesca, e peças domésticas, funerárias e para conservar alimentos. Mais tarde se especializariam em criar e construir artefatos de pedra e materiais cerâmicos.
Descobertas de terraplenagens gigantescas e estradas antigas sugerem que a Amazônia foi densamente povoada com centros de longa duração, sobretudo perto dos rios. As agriculturas pré-colombianas enriqueceram o solo, criando o que os arqueólogos chamam de terra preta – a maior parte criada entre 2.500 e 500 anos atrás.
Segundo relato de Márcio Souza, durante os milênios que antecederam à vinda dos europeus os primeiros amazônidas desenvolveram o padrão cultural denominado de Cultura da Selva Tropical, um acontecimento histórico de longa duração permitindo a integração social, econômica e cultural de caçadores-coletores aos recursos florestais. Esses grupos, em razão de seus saberes, de seu elevado nível populacional e do seu poder de organização, logo ganhariam claras feições de sociedades hierarquizadas, dotadas de uma ordem social bem definida.
O trabalho dos primeiros amazônidas era de caráter essencialmente comunitário, que lhes permitia não somente a satisfação de necessidades fundamentais com um mínimo de esforço como ainda o faziam em harmonia com o restante do ecossistema. Sua ocupação diária nunca ia além das quatro horas, dedicando ao lazer o resto da jornada. Sua base alimentar constituía-se de bens naturais ou os que resultavam de culturas agrícolas. Os primeiros representados por animais e vegetais e os segundos, pela mandioca e o milho principalmente. Programavam a partir do ciclo dos rios a semeadura e a colheita, daí resultando uma diversificada produção de bebidas, farinhas, grãos e tabaco. Conheciam fundamente as propriedades nutritivas e medicinais das plantas, ervas e frutos Desinteressados em acumular riqueza, utilizavam os produtos excedentes de suas necessidades de consumo na troca ou no comércio intertribal, feito através de expedições. A canoa era o seu principal meio de transporte e suas habitações amplas e arejadas.
O acadêmico Antônio Loureiro ensina que há pelo menos 5.000 anos do tempo atual os Arwak introduziram na Amazônia a técnica do consorciamento de três produtos agrícolas capazes de produzir mais de 20 toneladas de amido por hectare: mandioca-batata doce-jerimum.
Entre 3.000 a. C. e 1.450 d. C., as margens do rio Amazonas teriam sido continua e densamente povoadas. Tal hipótese conduziu os experts em Demografia Histórica a valorar as teorias ‘maximalistas’ que atestavam populações maiores para a América em 1492, jogando por terra a ideia de um ‘vazio demográfico’ em regiões como a Amazônia. A propósito, o geógrafo norte-americano William Denevan, partindo de uma avaliação da disponibilidade de recursos nesses espaços, defendeu um número superior a 6 milhões de habitantes para o conjunto da região, antes do início da colonização.
Porém, essa estimativa é desmontada por números mais recentes. Segundo pesquisas publicadas em 22 de julho de 2015 na revista científica britânica “Proceedings B”, a Amazônia pré-cabralina abrigou pelo menos 8 milhões de habitantes – mais ou menos a população do Brasil inteiro no século XIX. Uma equipe de pesquisadores brasileiros e norte-americanos liderados por Charles Clement, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, reuniu um conjunto coerente de dados e concluiu que, antes de 1.500, esta imensa região já estava fortemente “domesticada”, e não intocada, como muita gente acredita.
Conforme aqueles cientistas, dados mais recentes apontam que mais de 80 espécies de plantas selvagens foram transformadas em cultivos agrícolas pelos nativos da região, como o cacau, a batata-doce, a mandioca, o tabaco e o abacaxi, além das que ainda são tipicamente amazônicas, como o açaí e o cupuaçu. Porém, a enorme lista de lavouras “inventadas” pelos indígenas conta só uma parte dessa história. Em certo sentido, os habitantes originais da Amazônia parecem ter domesticado até as florestas aparentemente não habitadas por seres humanos. Isso acontece porque esses povos manejavam a distribuição natural de espécies da mata, favorecendo a predominância daquelas que consideravam mais úteis como as castanheiras, da espécie Bertholletia excelsa.
Esse processo de progressiva domesticação da mata teria ganhado impulso a partir de uns 4.000 anos atrás e, com o tempo, encheu a região com uma população respeitável. Nesse largo espaço tropical, os rios e a floresta, representantes máximos das paisagens poéticas e arrebatadoras, supriam as necessidades de milhares de pessoas que viviam na fartura e em tranquilidade. Quadro que seria violentamente alterado após a chegada do estrangeiro invasor e em que imperaria o sistema de apartação e preconceito. Graças ao genocídio sistemático que ainda hoje continua a destroçar vidas, a população nativa foi drasticamente reduzida em nosso País. De acordo com o censo do IBGE, referente a 2010, no Brasil há somente 817.963 índios. O site da FUNAI indicava no final de 2009, para a Amazônia Legal, um total de apenas 206.686 deles. Segundo anotações da Fundação Estadual de Política Indigenista, atualmente, o Estado do Amazonas possui cerca de 120.000 indivíduos de 66 etnias.
Havia milênios povos de língua Aruak, procedentes de Venezuela e Colômbia, se estabeleceram à margem esquerda do Amazonas, no trecho entre os rios Negro e Nhamundá. Entre o Negro e o rio Urubu predominavam os Tarumã; e na região intermédia Urubu-Uatumã, os Aroaqui. Dos primeiros, pouquíssimos remanescem ainda vivos e habilitados à dura vida de privações na periferia da cidade de Manaus. Dos segundos, só restam recordações. Além dos cerâmeos do antigo cemitério que construíram na Costa de Miracanguera, à margem esquerda do Amazonas, pouco acima da cidade de Itacoatiara, ficaram desenhos rupestres nas rochas do baixo Urubu, no Município de Silves, nas da orla do bairro Jauari, em Itacoatiara, e nas do lugar Puraquequara, nas cercanias de Manaus. Tais afloramentos rochosos compõem um universo de mais de 30 sítios arqueológicos. Datados de 2 mil a 7 mil anos antes do tempo atual, talvez denunciem uma forma de comunicação entre as populações pré-históricas dos três municípios.
Quanto aos primeiros humanos da margem direita do rio Amazonas abarcando os sertões do baixo Madeira, noticia-se que compunham mais de vinte nações das etnias Karib e Tupi. Lá se destacavam os Abacaxis e Tupinambarana – no final do século XVI os últimos haviam se fixado na enorme ilha homônima que se estende do Madeira ao baixo Amazonas. No século seguinte, no mesmo espaço geográfico, os índios mais conhecidos do grupo Karib eram os Arara; e do grupo Tupi, os Abacaxis, os Iruri, os Torori, Paranapixana, Aripuanã e Onicoré.
O navegador espanhol Vicente Yãnez Pinzón (1462-1514) foi o primeiro europeu a pisar na Amazônia. Em viagem autorizada pela Coroa, “descobriu” em fevereiro de 1500 o estuário do Amazonas. Antecedia, em dois meses, ao desembarque na costa brasileira do almirante português Pedro Álvares Cabral (1467-1520). Por alguns dias, iniciando a invasão progressiva das terras amazônicas, suas caravelas deslizaram pelo maior e mais caudaloso rio do planeta, que ele denominou de Santa Maria de La Mar Dulce. A seguir, desembarcou em certo trecho e abordou várias aldeias para abastecer-se de víveres. Usando da força bélica, capturou trinta e seis indígenas. Acreditando que havia chegado às Índias, tomou posse da região em nome do reino espanhol.
Depois da ‘descoberta’ de Pinzón, o mistério e a imensidão da Amazônia despertaram a cobiça e o desejo de possui-la. Apesar de logo visitada por navegantes, corsários e piratas de várias nacionalidades, Portugal se antecipou e venceu a concorrência. A região, pelo Tratado de Tordesilhas, era quase toda de Espanha, mas foi envolvida pela audácia dos portugueses para ser dominada politicamente e explorada em termos econômicos.
FONTES DE PESQUISA:
ACUÑA, Cristóbal de. Novo descobrimento do rio das Amazonas. Tradução de Helena Ferreira, Rio de Janeiro: Agir, 1994.
AMOROSO, Marta Rosa. Corsários no caminho fluvial: os Mura do rio Madeira. São Paulo, 1992.
FIELD Museum. Cf. http://www.bvis.uic.edu/museum.
FIGUEIREDO, Arthur Napoleão (Org). O Museu Paraense Emílio Goeldi. Vários autores. Banco Safra, São Paulo, 1986.
FONSECA, Ozório J. M., Pensando a Amazônia. Manaus, Valer, 2011.
LIMA, Murilo Rodolfo de. Fósseis do Brasil, Edusp, São Paulo, 1989.
LOUREIRO, Antônio. Cf. http://www.franciscogomesdasilva.com.br.
MENÉNDEZ, Miguel A, A áreas Madeira Tapajós: situação de contato e relações entre colonizadores e indígenas, São Paulo, 1992.
SOUZA, Márcio, História da Amazônia, Manaus: Valer, 2009.
SILVA, Francisco Gomes da. Fundação de Itacoatiara, 2ª Edição Revista e Ampliada. Governo do Estado do Amazonas. Secretaria de Estado de Cultura, Manaus, 2017.
Http://www.historiadomundo.com.br/prehistoria/america.
Http://google.com.br/#q=revistascience+primeiros…
Http://www.folha.vol.com.br/ciencia/2015/07/1658455.
Http://arqueologiaamericana.blogspot.com.br
Obs. Este artigo foi publicado anteriormente na página 96 da revista eletrônica numero 40, da Academia Amazonense de Letras. https://academiaamazonensedeletras.com/wp-content/uploads/2023/10/revista_40_AAL.pdf
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