Manaus, 4 de dezembro de 2024

A Capitania de São José do Rio Negro

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*Mario Ypiranga Monteiro

Continuação…

A Função dos Grupos Humanos

Vejamos agora, a matéria que diz respeito exclusivamente ao índio, isto é, à sua situação como escravo em face da sociedade como coisa alienável. A princípio o contato entre as duas raças branca e amarela foi suave, sem violência, mas à proporção que o colono português ganhava ascendência e tomava posição no litoral, começou de menosprezar o direito de liberdade de loco- moção, do silvícola, impondo-lhe a sobrecarga dos trabalhos a que não estava absolutamente acostumado, pelas suas relações com a terra dadivosa. Daí deve ter nascido o germe das primeiras nativistas. Acresce a necessidade da cultura de subsistência, da pesca, da colheita de drogas e de outros misteres a que não estava avezado o bronco saloio ou o soldado, digamos: o ofício de remeiro, de batedor dos sertões agrestes. A nada disto estava afeito o branco: ignorava as manobras atrevidas no labirinto do delta amazônico; as manhas para reter a caça; os processos de obtenção do pescado; tudo quanto se referisse ao meio dessa necessidade imperiosa de tudo obter sem esforço deve ter surgido a forma de escravidão, que já existia entre as próprias tribos. Naturalmente nem todas as gentilidades eram submetidas. Aos aliados, os índios de flecha ou flecheiros, que muito concorreram para a expugnação dos estrangeiros, era dado diverso tratamento. Nas próprias aldeias chegavam os padres a extremos, não raro, como se conta de Anchieta. Ignora-se a data precisa desse sucesso” mas se ele não nasceu imediatamente como consequência da própria força, deve ter sido originado pela chicana, pois é nos documentos vários e contínuos dessa época de tribulações que encontramos as torcidelas no direito para a aplicação dos processos cruéis.” Entretanto, descobre-se algo nesse início de escravização, quando da luta pela mantença da administração dos índios, que os padres disputavam com sério desgosto para os colonos, os quais decidiam a seu modo como empregar os escravos, adquiridos por compra ou resgate. Quando ainda não corria a moeda na Capitania,” as transações faziam-se por intermédio de dixes, insignificâncias de que muito gostavam os selvagens, e às vezes facas e machados. O escravo índio àqueles primeiros dias da conquista era taxado em quatro e cinco mil-réis per capita. Mas tenderia a aumentar, quando fossem adversas as possibilidades de conquista do braço, já pela mortandade das populações sujeitas às epidemias, ou por outras causas como a transumância de nações inteiras e a destruição de indivíduos na região do litoral e do delta. Chegou o índio a ser vendido a seis mil-réis, cabendo três mil-réis para a coroa e o restante para as missões. Anos mais tarde, em 1732, de passo que se aproximava a hora da manumissão, ou com a introdução de negros da Guiné, era de três mil cruzados a despesa anual dos resgates. Os que pagavam impostos, isto é, os verdadeiros índios escravizados nas chamadas justas guerras, ou nas expedições punitivas, eram ferrados no peito com a marca do proprietário ou, pior ainda, mutilados como as bestas.61 Os demais, os resgatados, ou índio de corda62 e os descidos63 estes obtinham diverso tratamento, mas os últimos eram considerados libertos, recebendo salário equivalente ao trabalho e que vigorava em um tostão por dia com a comida,64 por tempo de serviço nunca superior a seis meses, durante os quais se empregavam nos árduos misteres da lavoura, da caça e da pesca ou nas galés como remeiros. O restante do tempo era distraído na procura da subsistência própria, ficando livres, podendo cultivar as roças, vender os produtos, de que pagavam dízimos à coroa. A organização que os defendia dos abusos era ótima, não padece dúvida, mas os abusos, esses predominavam sempre, constituindo a própria característica do colono. Diz João Lúcio de Azevedo que no

princípio do ano, se afixava na porta da Câmara uma lista de índios, que cabiam a cada morador, com a designação dos meses em que tinham de servir. Mas primeiramente ia o repartidor informar- se com o governador e mais autoridades sobre o número de índios precisos para o serviço do Estado e estes iam em primeiro lugar na lista, todos os meses, absorvendo frequentemente quantos havia para o serviço.65

Em certas circunstâncias, quando da crise da lavoura, o índio chegou a ser vendido a oitenta mil-réis!66 Nem os próprios descidos escapavam à angustiosa situação. Envolvidos na avalancha das compressões, acabavam mecanizados na escravidão, O único recurso era a fuga.67 Ou a libertação pela morte, quando ela visitava de rasoura em riste os aldeamentos, como informa Berredo.68 Tanta e tão grande era a perseguição ao índio, que no governo de Rui Vaz de Siqueira em toda a costa do Maranhão até o Gurupá já rareavam as peças escravizáveis.69

Esta, portanto, a situação do selvagem, que a força dos regulamentos protegia, enquanto a força dos eufemismos ia tornando sujeito sempre à condição humilhante de besta passiva,70 não raro contribuindo para essa situação o próprio sacerdote. Amparado, desde as origens, pela igreja, foi pela igreja, ou melhor, pelos maus sacerdotes, e às vezes pelos bons também, obrigado à existência servil. Desde o breve de Paulo III, datado de 28 de maio de 1537, que ao selvagem americano foram garantidos os direitos de liberdade. Depois o poder civil ratificou esse direito, na parte referente ao Brasil, com a carta régia de 22 de agosto de 1587, seguida de outros diplomas importantes, respectivamente datados de 11 de novembro de 1595, provisão de 26 de julho de 1596, de 5 de julho de 1605, do regimento de 7 de março de 1609 e da lei de 30 de julho do mesmo ano. Ainda obteve o selvagem em seu benefício a lei de 10 de setembro de 1611 e os alvarás de 15 de março de 1624 e de 8 de junho de 1625.71 Nada, entretanto, era avocado na defesa do selvagem, porque a ambição de lucro primeiro, depois a preguiça, a inanição, a malandrice, traziam os brancos numa completa atonia no que contende com o trabalho manual. Nesse ponto as invectivas de Vieira eram candentes e justas. E esse era o móvel da grande afronta sofrida pelo gentio no sertão, afronta que devia corar de vergonha as faces reais, tantas e tão contínuas eram as notícias das violências praticadas. Até o capitão-mor Bento Maciel Parente, inimigo acérrimo do selvagem, se escandalizava com as carnificinas praticadas.72 Foi quando apareceu frei Cristóvão de Lisboa, com o alvará de 15 de maio, a que nos referimos atrás.73 Vimos como aquele especioso documento agastou a população de Belém, chegada ao doce prazer de não fazer nada para si.

Com a entrada dos Jesuítas no cenário da conquista espiritual, os indígenas ficaram mais ou menos ao abrigo das violências. Não que estas desaparecessem. O Regimento das Missões, dado a 21 de dezembro de 1686, colocava os Jesuítas como protetores do selvagem, passando os aldeamentos ao seu governo.74 Além disso, o mesmo regimento criara um Procurador dos Índios a quem estava afeto tudo quanto se referisse às suas pessoas.

Iniciativas na verdade tentadoras para aqueles que desejavam de fato e de direito a liberdade do aborígene. Mas irritas para uma região imensa, onde a população branca se acostumara a nada fazer por si mesma e para si mesma, sem o braço do escravo. É embalde que Vieira luta contra a Câmara de Belém e contra a população, agitando nas mãos o volumoso cartapácio das ordens régias, dos alvarás, das provisões, e empolgando com a eloquência ciceroniana os adeptos da liberdade do selvagem. A verdade é que o -o civil e o militar – não queria, não aspirava outra coisa mais que não se preocupar com o dia de amanhã, com respeito à subsistência.75 E possuir um escravo era o ideal de todos, custasse embora os olhos da cara. É triste saber-se como obravam os homens bons nos seus famosos requerimentos, defendendo os interesses gerais: colono

Está este povo, e os moradores delle em estado o mais miserável, que se pode considerar, razão porque alguns homens nobres, conquistadores, e povoadores, que derramarão o seu sangue, e tem gastado a sua vida em serviço de Sua Magestade, e ajudarão a conquistar esta Conquista, não trazem seus filhos, e familia a esta Cidade, por não terem remeiros, que lhe comboyem canoas para virem, sendo cousa infallivel, e certa ser a navegação por mar, a qual se não pode conseguir sem escravos; tanto, que esta festa passada do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, não vierão a esta Cidade as famílias de alguns homens nobres, por causa de suas filhas donzellas não terem, que vestir para irem ouvir Missa, nem seus pays possuem cabedal para o comprarem, e tudo procedido de não resgatarem escravos; e muitos vivem nesta Cidade, que não tem quem lhe vá buscar hum feixe de lenha, nem hum pote de água; e assim estão perecendo muitos, por não terem com que lavrarem fazendas, para comprarem o que lhes he necessário, tudo procedido da falta de escravos, havendo tantos em muitos Certões em quantidade, aonde se podem resgatar.76

 

Por diante segue a jeremiada. O refrão é sempre o mesmo, Sempre a necessidade, a miséria sempre: as grandes necessidades, as infinitas fomes. Quando a densa floresta oferecia caça grossa e os rios diversidade de peixes. Padeciam à mingua d’água debruçados sobre os igarapés fartos. Mas o colono que vinha de um país burguês e agrário, havia esquecido os processos rudimentares de cultura, entregando-se àquele estado de incapacidade produtora. Vieira dizia bem, quando levantava a premissa de que que todo aquele desespero estava nos gastos desordenados, que se não mediam pelas posses, mas pelo apetite77

Vão neste seguimento as coisas da Capitania até que se desse o golpe na escravidão vermelha. Mas antes que tal acontecesse, o índio teria de passar pelas últimas vicissitudes. A perda do poder temporal conferido aos missionários sobre as aldeias, parecia alojá-los na situação infame dos primórdios da conquista. Não é propriamente Pombal quem vai dizer a última palavra sobre o assunto, cassando, por alvará de 6 de junho, aquele poder, mas evidentemente foi ele o inspirador do golpe.78 Para justificar o gesto típico pombalino, é criado o Diretório, na verdade um organismo estatuído em bases sólidas e capaz portanto de trazer ao selvagem as garantias da independência e liberdade asseguradas pelo direito natural e humano. Esse regimento, datado de 3 de maio de 1757, foi aprovado a 17 de agosto de 1758. A matéria compósita, disposta em forma de regulamentação nada mais era, efetivamente, do que a experiência de longos anos de sofrimento por parte do índio e de exploração inominável da parte do branco. Em verdade o famoso Diretório não veio solucionar tão agravado problema. Convenhamos, entretanto, que minorou a desgraça do selvagem. Minorou, apenas. O que se observa no estudo acurado dessas disposições todas é uma deficiência de força nas colônias onde a anarquia parecia reinar mais que o próprio rei. Daí a expedição tumultuaria de alvarás, resoluções, cartas régias, leis, provisões, que tão logo eram expedidas ficavam derrogadas. Claudicante, a matéria legal protegia o índio, mas apenas proporcionando-lhe pequenas concessões, que nada representavam diante do desinteresse do colono e da absoluta necessidade do escravo. Entretanto, justo é concluir-se que essa proteção se foi arrastando até 1798, quase às portas do século XIX, quando uma carta régia79 ratificava as últimas disposições, acabando com o Diretório.80 De direito, aqui acaba a escravidão perniciosa do selvagem, quando a do negro estava no apogeu, alimentada e defendida, na parte concernente à Amazônia, por Vieira, mas de fato, é doloroso escrever-se que essa escravidão continuou, já corroída pela força da lei, mas ainda assim sustentada, pela da exploração. 81

Justo é que se termine este histórico 82 da influência do índio na conquista da Amazônia, como escravo ou como liberto, com a mesma legislação de 1798, expedida por Dona Maria I, a 12 de maio, a qual extinguiu o Diretório. Naquele documento declarava-se a liberdade

para que os mesmos índios fiquem sem diferença dos outros meus vassalos, sendo dirigidos e governados pelas mesmas leis que regem todos aqueles dos diferentes Estados que compõem a Monarquia, restituindo aos índios os direitos que lhes pertencem, igualmente aos meus outros vassalos livres.83

De todo este longo rosário de incidentes que atestam a posição social do índio na Amazônia, deve concluir-se apressadamente que ele não entrou com o seu contingente étnico à obra de civilização? Não. Felizmente para nós nem todos os selvagens. eram escravizados. Havia os aliados, os aldeados, aqueles que forneciam o elemento para o processo da fusão das raças. Com estes permitiam-se os colonos aventuras amorosas que aumentavam, ano a ano, a estatística assombrosa dos mamelucos. Chegando a este ponto da nossa expansão, isto é, estudado o problema do índio como base das manifestações de progresso, resta-nos dizer alguma coisa sobre o surgimento dos núcleos de povoamento que originaram as modernas capitais do setentrião e as cidades mais ou menos florescentes disseminadas pelas duas margens do grande rio e dos seus afluentes84 Já vimos que Belém foi fundada como consequência da expugnação dos “herejes” e os tupinambá serviram de alicerces étnicos ao seu desenvolvimento,85 mesclados com açorianos vindos diretamente, uns para a milícia, outros para a lavoura.86 As povoações

chantadas nas margens do Amazonas foram diretamente criadas e desenvolvidas umas pelas missões, de passo que outras nasceram espontaneamente das cabildas indígenas ou são consequência da fundação dos redutos, com que Portugal procurava defender dos espanhóis os seus privilégios na Amazônia. O padre Serafim Leite disse que as tropas de resgates dificultaram a catequese. Até certo ponto está certo o ilustre historiador, mas é conveniente discutirmos o interesse que teve para este rincão as entradas com caráter escravagista, porque, de qualquer modo, essas entradas alargaram a expansão portuguesa, dilataram o domínio pacífico do território, preparando para mais tarde os fundamentos sólidos com que a diplomacia iria discutir os nossos privilégios políticos. Esses entreveros assinalam com efeito a marca do pé conquistador pelas bacias secundárias do Negro, Madeira e Tapajós.

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57 João Lúcio de Azevedo, Épocas de Portugal Econômico.

58 A escravidão do índio, com caráter legal, aparece em 1537, quando uma carta régia permitiu o prea- mento dos Caeté.

59 Referimo-nos implicitamente à Amazônia.

60 A introdução da moeda nesta parte da América resultou em confusão seríssima, de que Berredo dá- nos conta. Martins Júnior, diz na História do Direito Nacional, 231, 233: “Em fins do século 17 já muitas reclamações se faziam do Maranhão contra a falta absoluta de dinheiro cunhado, e disso dá testemunho a carta régia de 2 de setembro de 1684 pela qual se ordenou aos assentistas do estanco que “todos os annos mettessem alli mil cruzados, a maior parte em cobre, e o resto em moeda de prata miúda das novas, não excedentes a 200 reis”. E mais: “no Maranhão nem o humilde cobre apparecia para facilitar as trocas dos produtos entre os moradores!” O mesmo se diz na América Abreviada do padre João de Souza Ferreira. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, LVII, 1894.

61 Vd. Perdigão Malheiros, A Escravidão no Brasil, 1, 26-27, sobre torturas infligidas aos escravos. Edição de 1944.

62. Eram os índios destinados ao sacrifício entre tribos rivais. Vd. Martins Júnior, op. cit., 152.

63 Índios que vinham, sponte sua, para as aldeias, ou eram trazidos mansamente pelos missionários.

64 Ração de farinha e peixe, ou apenas sal e farinha, como se informa na América Abreviada. Esse sistema de pagamento ainda era usual em Manaus, para com os trabalhadores, índios e negros, recrutados pelo Corpo de Trabalhadores. Mais tarde Dom João V mandaria aumentar o soldo.

65 Quadro da Vida Paraense, in Revista de Estudos Paraenses, citada. Isto concorda com o que diz João de Sousa Ferreira, autor do Noticiário Maranhense, 312. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 81, 1918.

66 “é que se vendem por tão grande preço, que não tem os moradores cabedal para os comprar”. Vieira, carta de 12 de fevereiro de 1661, apud Berredo, op. cit., II, 116.

67 Berredo, op. cit., II, 115.

68 Idem, passim.

69 João Lúcio de Azevedo, Revista da Sociedade de Estudos Paraenses, 118.

70 Foi o padre irlandês Ricardo Flecknoe o autor da triste tese que Deus havia presidido a escravidão dos Índios por não existir no país bestas para a carga!

71 Vd. Martins Júnior, op. cit., 225, 226, 227, nota.

72 Propôs o “regime da encomenda que o espanhol usava nas suas Índias com louvores gerais”. Arthur Reis, A Política de Portugal no Vale Amazônico, 49.

73 Arthur Reis fala em frei Custódio, repetindo Berredo, mas Custódio não era o apelido do bravo padre. senão uma referência à sua função eclesiástica, isto é, aquele que conduz ou guarda a custódia, ou custodia alguma coisa, como se infere deste passo do próprio Berredo: “Além do lugar de Custodio levava elle o de Comissário do Santo Officio, etc.” 1, 205. A citação de Arthur Reis vem na obra A Política de Portugal no Vale Amazônico, 49.

74 Antes, Dom Afonso VI expedirá a lei de 12 de setembro de 1663, retirando a jurisdição eclesiástica

dos índios. Vd. frei Francisco dos Prazeres Maranhão, Poranduba Maranhense, L, 89. São Luís, 1946.

75 A riqueza individual chegou a ser avaliada pelo número de escravos índios que o colono possuísse. Identicamente à riqueza agrícola com a escravidão negra.

76 Berredo, op. cit., II, 111-112.

77 Deixamos explicado já que àquela época não havia flutuação monetária. O dinheiro que corria, quando corria, era graúdo demais para que se o pudesse trocar e fazê-lo correr. Vieira queixava-se acertadamente de tudo quanto fazia falta na colônia, desde a vergonha dos colonos, aos açougues. vendas, dinheiro, etc.

78 Aliás o grande marquês legislou sobre a bula de Benedito XIV, expedida a 20 de dezembro de 1741, a Immensa Pastorum, confirmando as anteriores de Paulo III e Urbano VII, a qual excomungava, lotoe sentenciae, a todo aquele que reduzisse a escravos os índios, ou os possuíssem.

79 Martins Júnior fala em carta régia, Arthur Reis em alvará, Rodrigo Otávio em carta régia, em Os Sel- vagens Americanos perante o Direito, 111, Brasiliana, 1946.

80 Sobre a questão do Diretório, Arthur Reis, A Política de Portugal no Vale Amazônico, 54; Arquivos do Amazonas, 22, vol. 1, n. 4.

81 Diz Martins Junior que ainda em 1808 e 1809, as cartas régias, respectivamente de 13 de maio e 5 de novembro, e a de 1.º de abril, autorizavam o cativeiro periódico (10 a 15 anos) dos “botocudos e bugres aprisionados em guerra”. E que essas “disposições sofism adoras da liberdade dos índios só foram definitivamente revogadas no período regencial por Lei de 27 de outubro de 1831”. Op. cit., 227.

82 Longe estou de admitir que se trate aqui de um histórico perfeito, que seria impossível realizar no limite de uma tese deste feitio. A matéria é muita e está regiamente dispersa, pronta a ser trabalhada em volume de maior fôlego.

83 Arthur Reis, A Política de Portugal no Vale Amazónico, 57.

84 “Este era o método ordinário, com que os missionários convertiam à fé os selvagens, e aumentavam o número das povoações, de sorte que se pode dizer com fundamento de verdade que o aumento do Brasil se deve pela maior parte aos missionários. Só no Pará os Jesuítas em 1758 regiam 19 aldeias ou missões; os capuchos de S. Antonio de Portugal e os da Conceição de Portugal 15; os Carmelitas calçados 12; e os mercedários 5”. Frei Francisco dos Prazeres Maranhão, Poranduba Maranhense, 104, nota.

85 Vieira, em 1662 dizia-a “quatro choupanas que com o nome de cidade de Belém poderam ser pátria do Anti-Christo”.

86 A crônica da época é farta de referências à vinda dos açoreanos. É mesmo lícito dizer-se que esses casais ou individuos isolados, não podiam regressar ao reino, a não ser em casos especiais, com auto- rização do rei. “E quanto aos casados menão descuido de praticar com elles do mesmo modo, q.e S. Mag. me recommenda p’ em virtude de minha persuação officiosa se reduzam voluntários a ser moradores neste Estado contemplando-lhes as mesmas conveniências, que podem fazer interessantes a si, e aos seus descendentes”. Correspondência dos Governadores do Pará com a Metrópole, in Anais da Biblioteca e Arquivo Público do Pará X, 279, Belém, 1926.

Parece que era praxe prover-se aos casais do estritamente necessário para um ano de estada, consoante se lê do ofício n. 25, de 23 de outubro de 1760 dirigido a Francisco Xavier de Mendonça Furtado por Manuel Bernardo de Melo de Castro: “Fornecendo a ambos estes povoadores de todos aquelles petrechos com q.e S. Mag. e os manda socorrer, na mesma conformidade da Real Ordem, em virtude da qual mandei dar ao Armenio as ferramentas em dobro das que se dão aos Portuguêses, a excepção da es- pingarda que deve ser uma só, mandei lhe dar seis mil-réis cada mez, q.e receberá som.e por tempo de um anno, q.e principiou da sua chegada a este Estado”. Idem, idem, 278. No reinado de Dom João V, por sugestão do general Silva Pais, foram transportados para o Brasil quatro mil famílias não somente dos Açores mas também da Madeira.

*Mário Ypiranga Monteiro (1909-2004). Amazonense de Manaus, historiador, folclorista, geógrafo, professor jornalista e escritor. Pesquisador do INPA, membro da Academia Amazonense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas. É o autor que mais escreveu livros sobre História do Amazonas, com quase 50 títulos.

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