Manaus, 27 de julho de 2024

A Capitania de São José do Rio Negro

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mario ypiranga monteiro

*Mário Ypiranga Monteiro

 

Em 1757 Francisco Xavier de Mendonça Furtado recebia a carta régia de 3 de março de 1755 que o nomeava governador da Capitania de São José do Rio Negro. Ele estava à testa do governo unido do Pará e Maranhão, e mantinha-se, naquela administração, com verdadeiro espírito de patriota e de homem público, zelando pelos interesses da colônia, talvez com mais puridade que o próprio monarca.

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Somente em janeiro de 1758 movimentou-se o titular para assumir o posto de grande responsabilidade que lhe era confiado como um prêmio à sua capacidade de trabalho. A expedição da carta régia, com a declaração das fronteiras, é um belo documento em que repousa a sólida desconfiança do monarca quanto à marcha que tomavam os acontecimentos na colônia. As terras situadas nos confins ocidentais do Estado português da América constituíam, ninguém nega, excelente presa para quem acariciasse veleidades imperialistas. É sintomática a expedição da carta régia num momento delicado em que se iam chantar as pirâmides astronômicas entre as terras de Portugal e Espanha. A política do rei é de desconfiança e de ação. Que houve, na criação da Capitania do setentrião, um cálculo político, isso houve. O sofisma transparece naqueles itens em que os interesses do rei pelos seus fiéis vassalos são declarados de modo peremptório. E que homem melhor indicado para o exercício de representante de Dom José I, nos confins do mundo, que Mendonça Furtado, como de fato provaria? Ele sobe a correnteza, acompanhado do Ouvidor-corregedor Pascoal Abranches Madeira. Vem tomar posse do vasto domínio português da Amazônia, exercer ao mesmo tempo a função diplomática de executor dos interesses reais. Aqui deve encontrar-se com o plenipotenciário espanhol Dom José Iturriaga.

A vinda de Mendonça Furtado ao Rio Negro, mais que a própria criação do governo separado, foi de grande utilidade para a bacia. Homem de espírito talhado para o mando, capaz dos mais atrevidos atos em defesa dos altos objetivos da administração, sua posição prestigiosa encheu de possibilidades a nossa Capitania, cujo governo passou a ser exercido pelo coronel Joaquim de Mello e Póvoas nomeado em 18 de julho de 1757.

Um dos atos argutos do grande administrador foi elevar à categoria de vila de Barcelos a aldeia de Nossa Senhora da Conceição de Mariuá. Pessoalmente presidiu o ato de instalação e ali mesmo empossou o primeiro governador colonial que o Amazonas teve. O seu segundo ato foi a delimitação entre as duas capitanias nascentes, de São José do Rio Negro e do Grão-Pará, para tanto autorizando-lhe a letra da carta régia de 3 de março de 1755, citada:

 e pelas outras duas partes do Oriente e do Meyo-dia lhe determinareis os Limites que vos parecerem justos, e competentes para os fins acima declarados.

 

 

 

 

 

 

 

O assentamento dessas fronteiras vem referido em documento passado a Mello e Póvoas, e que porta a data de 10 de maio de 1758:

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            Pella parte do Oriente dever servir de balizas, pella parte septentrional do Rio das Amazonas o Rio Nhemundás;   ficando a sua margem oriental pertencendo à Capitania geral do Grão-Pará e a Occidental à Capitania de São José do Rio Negro.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Com os limites da nova Capitania de São José do Rio Negro traçados e reconhecidos, ficam igualmente estabelecidos os limites comarcanos, estes em forma oficial pelo decreto de 30 de junho de 1759, que instituía a Ouvidoria e Provedoria. Compreenda-se que o governo estabelecido na Capitania era subalterno ao Pará. Entramos, contudo, numa fase de incorporação oficial administrativa, já bem definida ainda nos seus arcabouços e que estaria completada com o advento da independência brasileira, não fossem os azares da sorte, que nos impediriam obter a predicação de Província, em 1822. Entretanto, inquirimos as causas da súbita reforma no setentrião. Qualquer a causa, a origem daquele manifesto interesse de Dom José pela longínqua região da colônia? Era o pacífico resultado de anteriores experiências, começadas com a distribuição das capitanias menores do Grão-Pará? Ou se esteavam antes as reformas em causas mais complexas e de caráter fundamentalmente político? O certo é que atrás vimos como os missionários espanhóis se estendiam na sua catequese pelo sertão do Amazonas, dirigindo as pisadas por toda aquela região onde cerca de quarenta e seis aldeias, em 1751, sustentavam uma população de cem mil habitantes distribuídos por trinta mil fogos! Compreende-se que a situação era de fato delicada, impressionante a marcha conquistadora dos espanhóis no alto Amazonas. Visível, escandalizante mesmo, essa expansão no oeste, capaz de abalar no futuro os alicerces do edifício colonial português.

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A 1º de janeiro de 1756, durante a ausência do comissário espanhol cuja viagem estava demorando, Mendonça Furtado inaugurou no Madeira a Vila de Borba a nova, ex-aldeia de Trocano, criada pela carta régia de 3 de março de 1755.

A sucessão do governo da Capitania por Mello e Póvoas é digna de comentários. Este quase nada fez, senão seguir a política do predecessor, alimentando as mesmas honestas intenções principalmente na parte referente às fronteiras. A ele deve-se contudo o predicamento das vilas de Abacaxis (Serpa), Saracá (Silves), Ega (Tefé), São Paulo de Cambebas (São Paulo de Olivença), antigas aldeias. Transformou em lugares as aldeias de Jaú (Airão), Caboquena (Moreira), Aracari (Carvoeiro), Cumaru (Poiares), Dari (Lamalonga), Coari (Alvelos), Parauari (Nogueira), Caiçara (Alvarães), Taracotéua (Fonte Boa), Enviratéua (Castro de Avelães).

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Entretanto, nem todos os nomes lusitanos prevaleceram. Serpa voltou a ser Itaquatiara, Ega (Tefé), Alvelos é hoje Coari, e muitos outros lugares ficaram com os primitivos nomes provenientes das fundações das aldeias jesuíticas, mercedárias, carmelitas, etc.

 

*Historiador amazonense. Nasceu em Manaus aos 23/jan/1909 e faleceu em 08/jul/2004. Texto retirado de seu livro “A Capitania de São José do Rio Negro (antecedentes históricos e fundação)”, 4ª edição, Editora Valer, Manaus, 2002.

 

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Uma resposta

  1. Pesquiso aldeias que viraram vila e foram governada por índios como é o caso de são josé dos campos-sp na qual não existe mais as atas da câmara. Quero saber quais aldeias no rio negro e para foram elevados a vila seguindo o decreto de 1755 e 1767.
    e quais ainda tem eventualmente as atas.
    e quando e como foi extinta o rio negro e anexado ao para. não achei ainda.

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