Manaus, 18 de outubro de 2024

A Cidade de Manaus – Sua história e seus motins políticos

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*Bertino de Miranda

IX

Preliminares da Cabanagem. – Regularidade de correspondência com os Presidentes da Provincia. – A moeda de cobre. – Primeiro comício em Manáos. – Notícia da fuga de Felix Malcher e seus partidários do rio Acará.

Machado de Oliveira despede-se da Câmara n’uma carta cheia de frases sonoras. Deixa saudoso o Pará, mas vae convicto de que procurou sempre seu bem-estar. Se, entretanto, nada conseguiu nesse sentido, a culpa foi dos elementos com que teve de lutar e que tornaram tempestuosa a sua administração. (Carta de 3 de dezembro de 1833). Esses elementos, ele é que os provoca com o seu orgulho e a sua vaidade. Era uma presunção sulista em quintessência!

Imbuídos de preferencias, irreligiosas para a época, cabe-lhe se alastrarem com celeridade os conflitos que explodiram barbaramente nas mãos de seu in- feliz Sucessor. Sua perversidade chega talvez ao extremo de instilar neste, como já vimos, as prevenções e os rancores que deixava na Provincia. (Motins Políticos, III, 84). A arma mais poderosa que ele manejou para acirrar com maior intensidade os ódios entre portugueses e brasileiros, foi propor n’uma sociedade patriótica Presidente da Provincia, por- tanto não devia reacender rivalidades! -fazer-se crua guerra de morte e extermínio ao Duque de

Bragança e ás forças com que empreender a invasão do Brasil ou a sua intrusão no trono do seu Augusto Filho. Baptista Campos se recusou assignar o Auto. A ele e a seus amigos se refere este fecho da proposta: e bem assim a essa infame facção que se dispõem a insurgir o povo para a restauração que premedita. Ora, com a morte de Jalles, o mais influente de todos os adeptos de D. Pedro de Bragança, a Restauração sofrera no Pará o golpe de misericórdia.

Lobo de Souza participa do mesmo erro, ou, quem sabe? arrastado pelos conselhos pérfidos de Machado de Oliveira, alimenta também os mesmos ódios. Nos papeis da Câmara existe a fórmula do Bando que se correu nas ruas de Manáos, de ordem dele, ameaçando com penas severas quem se pronunciasse pelo ex-Imperador. Comunica a sua posse no dia 5 de dezembro (1833). A boa opinião que tenho dos honrados Paraenses, é como se dirige á Câmara, me assegura o mais feliz dos trabalhos a que venho dar princípio: cumpre-me recomendar a vmcs. que empreguem todos os meios legais para que nesse lugar e distrito se mantenha a mais perfeita tranquilidade e boa ordem… (Carta autografa.)

A Lei de 7 de outubro de 1833 criara os Guardas Policiais nos distritos dos Municípios, sustentados à custa dos Moradores. Silves declarou logo que o Povo não os queria manter, nem os reditos comportavam essa despesa. Em Manáos houve certa repulsa, que não foi adiante para não se supor um levantamento generalizado contra a Lei. Lembra que os Guardas se destaquem da gente comum por um trajo especial, simples e sem ornatos muito flamantes. Talvez bastasse uma legenda no chapéu» – insinua com grande interesse. Em tom de censura pede que se lhe diga a razão por que tardaram em executar o Código do Processo (Off. de 8 de Janeiro de 1831).. Noutro ofício junta alguns exemplares do Ato

Adicional á Constituição. Grande Lei lhe chama ele, sem pressentir que não lograria assistir sua entrada turbulenta na vida política do Brasil. O Ato Adicional suprimia os Conselhos Provinciais, substituídos pelas Assembleias Legislativas, fonte e origem da demagogia localista que obrigará a República decretar em 1889 a Federação. Estabelece diversos quesitos, cujas respostas devem ser presentes aos Deputados que se vão reunir pela primeira vez; povoações em que há escolas primarias, modo mais prático de taxar os contribuintes e o mais fácil de cobrar os impostos; dados exatos sobre obras públicas, sobre navegação de rios, sobre estradas de rodagem, sobre colonização e indústrias extrativas.

A harmonia esteve prestes a se partir com o negócio da moeda de cobre, cujas falsificações já não tinham mais conta. Havia diversas fabricas clandestinas dentro da Provincia, algumas até manejadas por pessoas ricas que privavam na intimidade dos Presidentes. Devido a isso, mandou-se retirar da circulação todas as moedas fraccionadas e recolhê-las á Tesouraria de Fazenda. (Lei de 3 de outubro de 1833). Nesse sentido o Conselho Provincial (9 de dezembro) despacha com toda presteza as instruções necessárias às Comarcas do interior.

Em Manáos o alvoroço foi enorme. A Câmara, apesar de todo o seu prestígio, não pôde de forma alguma fazer cumpri-las. Os Moradores reuniram em comício público e obrigaram os Vereadores a celebrar uma sessão extraordinária. Nesta, o Juiz de Direito Henrique Cordeiro se colocou do lado dos protestantes e fez ver a Câmara a desgraça em que ficava a pobreza com o recolhimento dessas moedas, uma vez que não faziam circular outras.

Cordeiro era a primeira autoridade policial do Distrito. Alvitra-se então nomear o Juiz de Paz Dias Guerreiro para ir se entender a esse respeito com o Presidente da Provincia. Encerrado o ato cívico, surgem os desacordos inevitáveis. Dias Guerreiro zanga-se com os Vereadores e declina da incumbência. Cordeiro se desavém igualmente com aqueles, e o tumulto recomeça até a Câmara se reunir em sessões ordinárias. Como sucede sempre, os Vendeiros, para evitar prejuízos e na incerteza do que se deliberaria em definitivo, recusam a pé firme receber mais as moedas de cobre. Nem verdadeiras, nem falsas, dizia um deles com muita graça.

O primeiro que se vem queixar dessa repulsa é Fr. José dos Inocentes, Vigário da Villa e o emissário que em 1832 realiza a terrível viagem pelo Madeira para defender os interesses dos manauenses junto a Pedro I. Tendo mandado fazer algumas compras, todas as vendas lhe rejeitaram o dinheiro em cobre, inclusive a de Dias Guerreiro. Na estreia de Fr. José dos Inocentes comparece a população quase em peso, que reforça as queixas de seu Pároco, e exige que se corte o mal pela raiz. Esta frase pertence a Paula Cavalcante, que não podia deixar de interferir, com a eloquência costumada, em favor dos munícipes. O Vereador Souza Pinho trouxe a tela outra dúvida; não se poderia distinguir a boa moeda da falsificada, si a Câmara não achasse um meio engenhoso para isso. Jungida de todos os lados, ela resolve publicar um edital suspendendo a execução da Lei; declara que se considere verdadeira toda a moeda que vergando nos dedos não quebre. O edital não é cumprido pelos Vendeiros. Novas reclamações. Os Moradores se amotinam outra vez. Um segundo edital intima que todo aquele que desobedecer a ordem publicada pagará a multa de cem réis.

Por fim, em janeiro de 1835 o Juiz de Paz diz & Câmara que o Presidente da Provincia lhe ordena abrir um sumário de culpa aos Vereadores e mais cidadãos que tomaram parte no comício em 1834. A Câmara se submete e enumera as pessoas que assinaram a Ata, e os funcionários que aderiram a esta manifestação de solidariedade popular. Si nesse interim não se dá o assassinato de Lobo de Souza, fatalmente o seu dogmatismo teria feito explosão sabe Deus como, provavelmente sob a forma de uma outra expedição militar, cujo nome era bastante para alar- mar e produzir o êxodo das populações ribeirinhas.

Um dos últimos ofícios de Lobo de Souza (29 de outubro) noticia por alto a primeira investida dos Cabanos. Fora uma simples escaramuça, a que não parece ligar importância. Os rebeldes haviam sido batidos no rio Acará, na fazenda de Felix Malcher; este e muitos de seus comparsas fugiam perseguidos pelas forças governistas.

*Bertino de Miranda (1864-1919). Jornalista e historiador paraense. No final do século XIX para início do século XX participou ativamente da vida social, política e cultural do Amazonas. O livro de sua autoria, que em partes levamos ao conhecimento do nosso público ledor, é um importante e esclarecedor documento sobre a História amazonense.

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