Manaus, 9 de dezembro de 2023

A Cidade de Manaus – Sua história e seus motins políticos

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*Bertino de Miranda

XVI

Gregorio Naziazeno restabelece a Legalidade. – Os bararoenses. – Segunda invasão dos Cabanos. – Bararoá e aceito Comandante Militar.

Na madrugada de 31 de Agosto (1836) os Patriotas e os Guardas Nacionais apoderam-se do Quartel e restauram a Legalidade, sem derramar uma gota de sangue, cousa aliás de importância secundaria, se recordarmos quão exíguo já era o elemento rebelde dentro da Villa. Gregorio Naziazeno, o novo Caudilho, relembra á Câmara a coação em que viveram os amigos da Ordem, sob o império anárquico dos emissários de Icuipiranga. Declara que Bernardo de Sena fôra um degradado, que «todos suportaram para evitar derramamento de sangue. Pacheco celebra um Te Deum pela vitória da Lei. É certo que meses atrás, n’um outro Te Deum, ele também agradecera a Deus, em presença de Maparajuba, a vitória dos Cabanos. Mas estes louvores não podiam ser sinceros, é claro; segundo Naziazeno, “esperou-se sempre ocasião formal para obter-se a Legalidade» (ibid).

Naziazeno eclipsa por algum tempo predomínio de Taqueirinha. É um outro enigma da História do Amazonas nessa época. Não morava na Villa. Não se sabe quando, porém é ponto averiguado que nascera no Solimões. Vivia, como agricultor, em Caiçara. Depois fixa residencia em Teffé. D’aqui parte, logo que lhe consta o assassinato de Sena, para coadjuvar, em Manáos, os «defensores do Throno e do Altar. Já vimos que soube se impor aos outros. Em todo o caso, há exagero nos elogios que lhe prodigalizam.

A verdade é que os Cabanos se preparam para retomar as posições perdidas. Já ocupam Serpa. E até supõe que combatem sob o comando de Maparajuba! Felizmente, e quando talvez o desanimo era maior, surgem no porto Ambrósio Ayres e duzentos companheiros. A princípio, com a escuridão da noite, houve certo pânico. Imaginam que são os Cabanos, que é Maparajuba, sedento de vindicta, e prestes a interná-los a ferro e a fogo. Bararoá destina-se ao Baixo Amazonas, para continuar, com Sanches de Brito, a ofensiva de 1835. Vem primeiro a Manáos pedir um auxílio pecuniário. Espera que não lh’o neguem, uma vez que periga a defesa de todos.

A Câmara formula diversas dúvidas. Parece-lhe que não será lícito distrair os reditos municipais n’uma expedição que não possui investidura legitima. Bararoá atalha logo, escrevendo de seu punho, na Acta, esta ressalva: «Quando o governo não aprove a despesa feita, obrigo-me com os meus bens». Antes de partir, bate os Cabanos em Moura. Promete que fará a mesma cousa em Serpa.

Manáos dispõe somente d’uma força de quatrocentos homens válidos. Fora da Villa, um terço acompanha Taqueirinha no seu empenho belicoso de «encarar o furor dos malvados de Serpa». Parece que esse desejo nunca se realiza. Pelo menos, em pleno dia, os Rebeldes desembarcam no Igarapé da Cachoeirinha (13 de Novembro) e tomam conta do bairro dos Remédios. Entrincheirados nas casas, que os moradores abandonam espavoridos, rompem as hostilidades.

N’outro bairro (São Vicente) a população era mais densa. Aí aquartela a Força. Pelo Igarapé da Cachoeira Grande há uma retirada livre. O inimigo reluta, portanto, em atravessar a ponte de madeira que divide os dois bairros. Prefere ir ganhando aos poucos o terreno até poder dar um assalto definitivo.

Por fim, os Legais tomam uma decisão desesperadora. Os mais audazes enchem-se de coragem e galgam a margem oposta do Igarapé. Intrometem-se pelo mato e começam a pôr fogo às casas. Acossados deste modo, os Cabanos debandam. O grosso de legais atravessa então a ponte e leva-os de vencida até a Cachoeirinha, onde reembarcam e alcançam, a todo o remo, o meio do rio.

Mais para adiante, regressam os bararoenses. Novos sustos. Presumem que são outra vez os Cabanos. Ambrósio Ayres concluirá brilhantemente a sua empresa. Arrasara os principais redutos de Icuipiranga: todas as Villas até Gurupá obedeciam a Maparajuba. Sanches de Brito, que era agora a única autoridade de facto, envia á Câmara três ofícios. N’um deles pede que confirmem a nomeação de Bararoá no posto de Comandante Militar da Comarca. A Câmara faz-lhe a vontade, e desde aí começa o novo governo, que devia epilogar d’um modo tão trágico. O terceiro Caudilho de Manáos não precisava, entretanto, do beneplácito da Câmara para dominar a situação. Esta lhe pertencia pelo direito do mais forte. Para suavizar, acaso, essa influência, que talvez não agradasse a todos, dividiu o Comando com Freire Taqueirinha, visto «sua ascendência sobre o povo», e ficar assim mais livre e atender melhor á sua flotilha de guerra (Acta de 18 de Novembro) (1). Segundo uma das versões posteriores a 1840, Bararoá orgulhava-se de ter visto Maparajuba cair morto n’um dos seus encontros com as forças dos Legais. Exceptuado Angelim, foi a figura de maior relevo da Cabanagem e cuja tradição de bravura perdurou com intenso brilho no Baixo Amazonas.

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1) Eram quatro escunas: Cabanos, Guajará, Agarra-Cabanos e raroense.

*Bertino de Miranda (1864-1919). Jornalista e historiador paraense. No final do século XIX para início do século XX participou ativamente da vida social, política e cultural do Amazonas. O livro de sua autoria, que em partes levamos ao conhecimento do nosso público ledor, é um importante e esclarecedor documento sobre a História amazonense.

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