*Bertino de Miranda
XVII
Presidência de Andréa. – Restauração da Capital. – Desavenças da Câmara com Bararoá. – Seu assassinato.
O General Soares de Andréa fora anteriormente Comandante das Armas na Presidência de Itapicurú-mirim. Com a Abdicação, tornou-se suspeito pela circunstância de ser português. Nessa ojeriza dos jacobinos entrava por muito o seu gênio irascível. Já então revelaria as tendencias despóticas que celebrizaram o seu nome.
Em 1831 estala um pequeno motim que exige do Presidente a retirada de Andréa. A tropa tentou fazer-lhe fogo. Foi neste transe que Tenreiro Aranha, coadjuvado por um grupo de amigos, interpôs-se entre os soldados e lhe salvou a vida. Investido agora de poderes extraordinários, compreende-se que se olvidasse desse episódio, que lhe recordava um revés na sua vida militar. Olvidou também o favor que lhe prestara Tenreiro Aranha. Logo que apareceu ensejo, mandou-o preso para a Fortaleza da Barra e depois para a Corte (1). Nas prisões do Sul recrutara alguma tropa. Dentre os Oficiais de Marinha que o acompanharam, um, Barroso, mais tarde o vencedor de Riachuelo, vinha
ganhar o seu primeiro acesso de merecimento guerrilhando com os Cabanos nos labirintos da bacia do Guamá (Ordem do dia n. 17, Motins Políticos cit., V, págs… 352-353). Marques Lisboa, o futuro Almirante Tamandaré, viera antes, no Estado Maior de Jorge Rodrigues, e dirigira o bloqueio do Tocantins e da costa inferior de Marajó.
A correspondência de Eduardo Angelim com o novo Delegado da Regência revela que este se arreceava dos ardis d’aquele. «Desde que Eduardo estabeleceu correspondência comigo, escreve ao Presidente do Maranhão, foi talvez seu único fim ter ocasião de reconhecer as minhas forças; porém nunca o pode fazer, nem veio da cidade pessoa alguma a meu campo, que eu deixasse voltar a ela» (ibid. 354). Frustrado isto, o desanimo começa a lavrar em terra. Angelim já perdera o prestígio doutora. As intervenções do Bispo Romualdo não surtiam mais nenhum efeito. Foi-lhe preciso um grande esforço para obstar que os Cabanos ateassem fogo á Cidade. Do lado da baia, sobretudo Barroso com a sua escuna e os caçadores de Pernambuco, arvorados em maruja, cortam todos os recursos. Varrem os ajuntamentos da Pedreira e d’outros pontos circunvizinhos e apressam destarte a queda da Capital.
Angelim abandona a cidade depois de ter entregado ao Bispo os dinheiros públicos que estavam sob a sua guarda. Perseguido pelas avançadas da Esquadrilha, pôde, entretanto, escapar, a toda vela, para o Acará e aí homiziar-se por alguns meses nas cabeceiras d’um lago que lhe pareceu inaccessível ás perseguições do inimigo. Mas lá o foram prender, curtido de fome e coberto de andrajos. A mulher mumificava-se a um dos cantos da palhoça (out. de 1836). Angelim desembarca no meio d’uma escolta numerosa e atravessa algumas ruas até chegar ao Palacio, de cujas janelas costumava eletrizar o povo e fazer executar as sentenças de morte contra os insubmissos às suas ordens. Segundo Raiol, Andréa dirigiu-lhe algumas palavras. Outra versão assevera que se limitou a dizer secamente que o recolhessem incomunicável a bordo d’uma das corvetas de guerra.
Em Manáos a restauração da Capital foi festejada com três noites de luminárias, bem assim a entrada solene de Andréa (2). A Câmara o reconhece como Presidente e renova a sua celebre advertência de que não tiveram outro remédio senão suportar os seis meses de opressão eduardista (Actas de 22-29 de Novembro).
A 7 de Janeiro (1837) realiza-se a posse dos novos Vereadores. Com os anteriores, Bararoá vivera na mais perfeita harmonia de vistas. Haviam conhecido tantos mandões e sabido levá-los com tanto jeito, que não era de admirar saíssem amigos do último e de todos eles o mais voluntarioso. Do mesmo modo, porém, não pensava o Presidente da Câmara, recém-empossado, o Padre João Antônio da Silva, uma antítese completa do Vigário Geral Pacheco em matéria de oportunismo.
As hostilidades agravaram-se em Abril. As Actas deste período não foram redigidas com muita clareza, não fornecem uma ideia exata do conflito, nem salientam bem as suas causas. Sabe-se somente que a Câmara autoriza João Antônio trasladar-se a Belém para expor as arbitrariedades de Bararoá com os “cidadãos legais da Comarca». Isso foi considerado, já se vê, uma ofensa ao Comando Militar. João Antônio é preso e os outros Vereadores ficam sob a ameaça de igual pena (Acta de 15 de Abril). Conforme os ofícios de Bararoá, as cousas passaram-se de outra maneira. O Presidente da Câmara não cessava de pregar a desordem e aliciar os Moradores e a Força Voluntaria. Os pasquins, a imprensa da época, entraram também em cena e encheram mais depressa a medida. Temos visto que Bararoá não era homem para se deixar vencer em qualquer terreno. Que possuía maior valor junto a Andréa, basta o facto de este não ter providenciado a respeito, como esperavam os Vereadores, que compreendem, afinal, d’onde o vento sopra melhor e submetem-se ao rival preferido. Até Junho Bararoá governa discricionariamente. Não impera outra vontade senão a dele. João Antônio continua preso.
Entra aqui a última fase da vida de Ambrósio Ayres. N’uma das Actas (23 de Junho) encontramos que ele expõe a Rodrigues do Carmo os motivos de sua partida para fora da Villa. Conferenciaram largamente com a assistência da Câmara. Infelizmente não existem documentos para recompormos estes colóquios nem assentarmos n’um ponto de partida verdadeiro. Seria outra vez chamado por Sanches de Brito? ou, como parece ser a tradição mais uniforme, iria bater os Rebeldes no rio Urubu e nos Autazes? Araújo Amazonas (Dicc. do Alto Amaz. cit.) afirma que fora assassinado pelos Cabanos nos Autazes, com o acréscimo, a nosso entender inverosímil, de que regressava para Manáos com o fim de massacrar os seus Moradores.
Em 1839 a viúva de Bararoá pede á Câmara que lhe ateste os serviços prestados pelo marido. João Antônio, já em exercício na Presidência, aproveita o momento para um ajuste de contas ignóbil. Reduz-se a três pontos, diz ele no seu despacho, aquilo que a suplicante alega em sua petição: 1º. na qualidade de Capitão dos Guardas Nacionais o marido da suplicante em a freguesia de Bararoá, os seus serviços foram de tal natureza a bem d’aqueles povos que nem representarão contra as suas opressões, o que ele soube inteiramente escurecer; 2°. introduzido Comandante das Forças Legais contra o ato dos que conheciam o seu caráter vingativo e o seu gênio ambicioso, começou a prestar serviços ao Estado fuzilando ao Juiz Municipal de Mariuá, infringindo a outros o castigo de pau e até os mesmos membros desta corporação foram ameaçados em masmorras por não convierem com os seus perversos caprichos; 3°. finalmente, podendo com os muitos recursos que tinha á sua disposição dar fim ás duas reuniões dos Rebeldes nos Autazes e Urubu, ao contrário cuidava mais nos seus sórdidos interesses, até que por último d’eles foi pasto. É o quanto se nos oferece afirmar» (Acta de 3 de Outubro).
Este juízo, eivado de ódio, não repercutiu, porém, nos arraiais governistas. Ai o assassinato de Bararoá causou a mais profunda mágoa e foi considerado um acontecimento deplorável a causa da Pacificação. «Perdeu-se um dos maiores elementos, escreve o Chefe da Expedição ao Comandante Militar interino, com o qual contava o Governo para debelar a revolta. Seus serviços foram beneméritos e a sua morte uma perda irreparável».
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(1) Vid. Bento Aranha in ARCHIVO DO AMAZONAS, ano 1, vol. 1, n. 3, págs. 102-103. Tenreiro Aranha voltou do Rio nomeado pela Regência Inspector da Alfandega de Belém, prova evidente de que não se lhe achou culpa (ibid). Nas mesmas circunstâncias Andréa mandou também prender a Sanches de Brito, o chefe da Legalidade no Baixo Amazonas. Defendeu-se com toda a dignidade e foi absolvido pelo Juri.
(2) A Capital foi restaurada a 13 de Maio (1836); Andréa desembarcou, porém, no dia seguinte, 14.