Manaus, 20 de setembro de 2024

A Cidade de Manaus – Sua história e seus motins políticos

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*Bertino de Miranda

XVIII

A Expedição Militar do Alto e Baixo Amazonas. – Fim da Cabanagem. – Os últimos doze anos.

Em 1839 Souza Franco substitui Andréa na Presidência. Este saio do Governo sem ter podido pacificar o Alto Amazonas. Chega a dizer, na sua Fala de despedida, que no Amazonas só era possível viver em paz com «as armas na mão».

Era exato. Das cabeceiras do Tapajós, os Rebeldes passavam facilmente para a bacia de Maués. Isto não entraria, de certo, nos cálculos das forças legalistas. Haviam arrasado Icuipiranga, mas esqueceram que internando os Cabanos pelo Tapajós adentro, eles viriam engrossar as suas fileiras dentro da Comarca. Luzea viu-se assim presa de novas depredações e entregue a anarquia. No Madeira os Cabanos aliciavam de preferência os índios. Borba caíra em poder d’uma das hordas mais rapaces. Seus Moradores tiveram de salvar-se a nado, deixando as casas e as roças à mercê dos saqueadores. No Crato sucedera a mesma cousa.

Serpa e Silves mal resistiam às correrias e aos assaltos noturnos. Só no Rio Negro os bararoenses impediram que os Rebeldes ocupassem uma posição vantajosa. Em Thomar e Mariuá todos os seus ataques foram sempre repelidos. Vimos que os bararoenses ainda tiveram folga bastante para engrossar a resistência de Sanches de Brito no Baixo Amazonas.

Andréa organiza em 1837 uma Expedição Militar sob o comando do Tenente Coronel Joaquim Luiz de Souza. Todos deviam cumprir, sem replica, as suas ordens (4 de Julho). Uma das Actas faz referência a um ofício de Luiz de Souza (27 de Outubro) comunicando a sua chegada a Santarém com seis navios, o 2º. batalhão de Caçadores da Brigada de Pernambuco e o 5º. batalhão da Provincia. A morte de Bararoá foi o primeiro contratempo. N’um outro ofício Luiz de Souza confessa que esse facto transtornara os seus planos primitivos.

Esta concentração de forças não adianta muito. No Amazonas, dirá Souza Franco em 1839, continuam as operações, e difícil será concluir a guerra sem o emprego concorrente dos meios brandos e conciliatórios, atento a vastidão dos terrenos que têm de ser explorados. (apund. Motins Políticos, V). N’uma de suas sessões a Câmara decide representa a Regência (1839, 4 de Outubro) para que seja votada, sem demora, uma amnistia que exceptue apenas os cabeças. N’outra sessão amplia mais o seu pensamento anterior, informando que só uma força regular de novecentos homens, no máximo, poderá talvez cercar os «inúmeros e vastos lagos» em que os Cabanos ainda dominam. Insiste, portanto, na amnistia. Souza Franco só vê também esse recurso extremo para restabelecer a ordem. Bate-se igualmente pela amnistia. Pede-a com todo o empenho, reiteradamente, e logra vê-la uma realidade já nos fins de seu Governo.

Cabe, porém, a João Antônio de Miranda, seu sucessor, assistir á pacificação geral da Provincia. «Novecentos e oitenta rebeldes com as suas armas reúnas, arcos e flexas, diz ele na sua Fala de 1840 (15 de Agosto), apresentaram-se ás autoridades de Luzéa, e esse exemplo tem sido sucessivamente imitado por outros que, conhecendo a Boa fé com que o Governo lhes acena e os recebe, também se tem recolhido aos seus distritos» (ibid.) A submissão de Luzéa teve como mediador plástico um dos futuros Comandantes Militares da Comarca, J. Coelho de Miranda Leão. Era um militar brusco, e de que topamos, nos motins anteriores à Cabanagem, alguns traços característicos de bravura e mau humor habitual. Mas como a História tem os seus contrastes e os seus absurdos, esse de tocar a um homem áspero de maneiras, servir de diplomata numa capitulação de facínoras e selvagens, e sair-se airosamente, nos parece um dos casos sensacionais na espécie.

Manáos pôde refazer-se e readquirir em pouco tempo a sua preeminência perturbada pelos distúrbios e êxodos. Nos últimos doze anos, até á instalação da Provincia, o seu comercio e a sua população cresceram de maneira espantosa. Vista do rio, com as suas alamedas de coqueiros, era d’um aspecto encantador. Nolo assevera Osculati no seu livro de viagens (1). Três esplendidas pontes de madeira ligavam os dois bairros; muitas casas de pedra e tijolo, praças espaçosas e várias lojas de artefatos europeus. Sua posição geográfica lhe restituía o empório do comercio dos outros rios e das fronteiras neo-espanholas. Outro viajante conta que em fins de 1851 seus seis mil moradores aguardavam ansiosos a vinda do primeiro Presidente.

Até aí, todos os elementos se conspiram sempre contra a sua expansão econômica e politica. Nos princípios do século XVIII vira os índios oporem a mais formal resistência á entrada e instalação definitiva dos portugueses. Barcellos retarda de longos anos o seu desenvolvimento material. Sua primeira vitória sobre Barcellos fez uma vítima ilustre: Lobo de Almada. As rivalidades de Serpa reduziram-na a um povoado mesquinho. Mas agora, com a Provincia, outros horizontes se vão rasgar. Manáos prepara-se para assombrar o século XX com a sua hegemonia amazonica.

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(1) G. Osculati, Esplorazione Delle Regioni Equatoriali, 1850, pags. 244.

*Bertino de Miranda (1864-1919). Jornalista e historiador paraense. No final do século XIX para início do século XX participou ativamente da vida social, política e cultural do Amazonas. O livro de sua autoria, que em partes levamos ao conhecimento do nosso público ledor, é um importante e esclarecedor documento sobre a História amazonense.

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