*Bertino de Miranda
V
Baptista Campos – Luta dos partidos. – Lord Cochrane. – Grenfeel. – A Independência. – Adesão em Manáos.
Nas vésperas da Independência se exibe um partido intransigente, composto de brasileiros natos, que procuram espalhar a sizania entre os moderados e os europeus. Os moderados são os que repelem a proposta da Regência de nomear a Provincia Procuradores a um Congresso no Rio, e impedem que os emissários do Principe Regente subam o Amazonas a fazer prosélitos em Manáos. Esses emissários, além dos ofícios e das proclamações de D. Pedro, espalham vários jornais contendo artigos de propaganda em favor de um Governo autônomo no Brasil. Alguns chegam a Manáos, obtidos pelos Moradores que costumam empreender excursões periódicas a Belém, foco donde irradia tudo, e a Cidade que dá o tom, na época, a vida social provinciana.
A chefia dos intransigentes cabe a Baptista Campos. E’ outra figura que enche logo a cena politica até os pródromos da Cabanagem. Falta ao partido, porém, um órgão na imprensa, veículo mais homogêneo e mais rápido de atrair os indecisos. A prisão de Patroni interrompe a saída d’O Paraense, que é escrito, como toda a imprensa do tempo, n’um estilo confuso e agressivo. Antes de convidar a seu emulo para substitui-lo na redacção, se dirige, com esse mesmo fim, a diversas pessoas, que se escusam por motivos fúteis. A escusa de Baena é um fraseado irônico. «Esquivou-se a isso, diz ele, porque não se considerava um benemérito das letras. Baptista Campos assume então o encargo, em hora difícil, e sob ameaça, de incorrer na mesma pena que seu antecessor expia na Fortaleza do Castello.
A esta segunda fase do jornalismo jabocino acompanha a ruptura de orientação. Baptista Campos não se limita a escrever com veemência e a atacar com desassombro. Prega. Allicia. Discute, e quer convencer os amigos, que receiam acompanhá-lo. ou supõem temerária sua atitude. A um deles responde que o partido é maior do que se pensa. Seus adeptos, replica, não se parecem aos pernambucanos. Obram e não faltam. Com outro amigo é mais incisivo. Os discursos impressos em Lisboa preparam o advento da Constituição Portuguesa no Pará. Pois os papelinhos do Rio irão, pouco a pouco, preparando o Systema do Sul. Por isso os insere em seu jornal. São como as mulheres: fazem sempre cocegas.
Nota-se, com efeito, que a Junta se modifica sensivelmente. Os Jurados relaxam a primeira prisão de Baptista Campos. O Ouvidor e o Comandante das Armas rompem desabridamente um com outro. Entre o segundo e a Junta a polemica chega a ser tão áspera. que a Junta conclui um de seus ofícios nestes termos: Nenhum membro desta Junta, mesmo em separado. troca a sua rubrica pôr a de V. Exc.ª.»
Já nessa atmosfera pesada efetua-se a segunda prisão de Baptista Campos, que deixara de imprimir n’uma folhinha o aniversário de D. João VI, e lhe produzira n’O Paraense o Manifesto do Principe Regente. Os Jurados decidem que não é abuso de liberdade de imprensa omitir o aniversário do
Soberano, nem há crime na reprodução do Manifesto, extraído de um jornal português, que andava de mão em mão. Baptista Campos é conduzido à casa em triunfo.
Convulsionado o Sul, a Metrópole trata com brevidade de segurar o Norte. A Revolução vem se estendendo com força. Sabe-se que Filgueiras acaba de sublevar o Ceará; suas tropas penetram o Piauí e tomam Oeiras com o fim de invadir o Maranhão.
Em Belém a guarnição portuguesa depõe a Junta, deporta seus Membros e outros brasileiros partidários da causa nacional. Em seu lugar elege outra, adesão à facção ante separatista. Baptista Campos pôde se evadir a tempo. Depois, os intransigentes, mesmo sem chefe, fazem um outro motim, destinado a restabelecer a Junta exilada. Pela primeira vez se ouvem nas ruas os gritos de «Viva o Imperador!>> e «Viva a Independência!». Parece que se conseguia, enfim, romper a muralha chinesa que havia corrido. A sorte foi ainda adversa aos patriotas. Mais de duzentos são empilhados no porão d’um navio e deportados para Lisboa. Baena, que foi quem lembrou, com Elvas Portugal, essa remessa de carne humana, declara, muito ancho, que a propusera «para subtrair os parti distas da Confederação Brasilica das penas que no Pará se anelava infligir». Uma nota mss. ao exemplar das Eras que temos à vista diz que os presos foram detidos a ferros e a 15 de setembro avistam Lisboa «os que escapam á grande mortandade que sofreram em viagem». Esta durou sessenta dias! (18 de julho de 1823).
O Império se vê a braços com a dificuldade de implantar no território todo a nova forma de Governo. Possui alguns vasos de guerra, mas falta o Almirante que os dirija, e tome á sua conta submeter os dyscolos. Nesta incerteza o Ministro Brazileiro em Londres convida o Lord Cochrane. Milord, declalhe o Ministro a glória vos espera. Podeis confiar tranquilo na gratidão dos brasileiros, na munificência de nosso Principe e na probidade de seu Governos. (Dundowaldby the J. W. Forkescue, cap. IX, 144). A 13 de Março de 1823 Cochrane é recebido no Rio pelo Imperador e conferência com José Bonifácio, acompanhado de outros oficiais ingleses, que se alistam sob sua bandeira. Dous, Greenfeel e Taylor, vão ligar seus nomes a vários sucessos posteriores (ibid. 145).
Lord Cochrane exerce então um domínio absoluto no Norte. Decreta, legisla, prende, deporta, aclama e depõe a seu talante. E’ o mesmo insubmisso da divisão libertadora do Chile e do Perú. Em S. Luiz se mete nas discórdias que desunem os Maranhenses. A Belém envia apenas um navio sob as ordens de Greenfeel. Este funda perto da Barra e manda a terra um emissário exigir que se submetam ao Imperador.
Como por encanto, os intransigentes reaparecem de todos os lados! Baptista Campos reaparece também, e corta logo todas as avenidas aos adversários. Estes tentam ainda provar que não existe nenhuma esquadra na baia do Sol nem Cochrane a comanda. Um dos mais exaltados, o Brigadeiro Moura, ad- verte que Cochrane é fértil em ardis. Ninguém o atende. O povo, apinhado á porta da Junta, vocifera; quer que se oficie a Greenfeel para vir ancorar em frente a Cidade. No dia seguinte os patriotas invadem o navio. Baena assinala o fato com estas frases contrafeitas: «é grande o concurso de indivíduos a seu Greenfell se vê assim arbitro e centro do movimento todo. A 15, presos o Coronel Villaça e o Brigadeiro Moura, a Junta reúne e desentranha de uma das gavetas da mesa de despacho os avisos e decretos do Governo Imperial, que aí dormiam, desde 1822, o sono do silêncio. Foi fácil a Baptista Campos eleger um governo ultraradical, auxiliado por Felix Malcher, que os paraenses aclamam em 1835 Presidente da Provincia.
Manáos ocupa ainda um lugar obscuro nas contendas e nos motins. Ao Governador Manuel do Paço sucede a Junta interina de Joaquim José Gusmão, Ouvidor Ramos Ferreira e, segundo Araújo Amazonas (Dicc. Top. e Hist., 266), o Juiz Ordinário João da Silva e Cunha. Nesse ano exerce o cargo Antonio Macedo Portuguez; Cunha assigna, como primeiro Vereador, nas Actas. Gusmão viera do Pará anunciar a Constituição de 1820. Borralho, substituto de Paço, não chega a tomar conta do governo da Capitania. Em 1822 (3 de junho) é eleita Junta Provisória de Antônio da Silva Craveiro, Bonifácio João de Azevedo, Manuel Joaquim da Silva Pinheiro e João Lucas da Cruz (Decreto das Côrtes de 1 de Outubro de 1821). Em 1823 sai de Cametá uma força expedicionária para repelir correrias de castelhanos no Solimões. Quando alcança Monte Alegre, já está colocada em Villa Nova da Rainha (Parintins) uma guarnição; receia-se não fosse aquela força pretexto para insinuar a Junta as ideias absolutistas que predominam em Belém. Os portadores da notícia da Independência escalam, sem dúvida, em Villa Nova, e ai começa o regozijo público. Avistam Manáos em dia indeterminado. Pelo menos não descobrimos a data precisa da chegada. O alvoroço deve ser grande, mas, como observa um cronista, a sistemática moderação dos amazonenses se patenteia logo no bom senso de aproveitarem Craveiro e os outros colegas, com excepção de Silva Pinheiro, na Junta Provisória. A Câmara vem de Serpa e se instala em Manáos no dia 19 de novembro. A 21 a Junta lhe comunica que a 22, ás 9 horas da manhã, terá lugar o juramento de fidelidade ao Imperador. Os Moradores têm de iluminar suas casas durante três noites. Juram primeiro os Vereadores, sobre um livro dos Evangelhos, neste teor; Juro obediência, fidelidade e adesão á pessoa de S. M Imperial o Senhor D. Pedro de Alcantara, primeiro Imperador Constitucional do Império do Brasil». Na mesma forma, logo depois, juram a Junta e as autoridades civis e militares. No dia 23 realiza-se a eleição da Junta definitiva. São efeitos, por maioria de votos, Bonifácio João de Azevedo, Raymundo Barroso de Bastos, Placido Moreira de Carvalho, Luiz Ferreira da Cunha e João da Silva Cunha.