“O problema não está na produção de conhecimento, mas na sua aplicação. Falta um esforço coordenado para transformar essas pesquisas em soluções práticas”. N.H.
Niro Higuchi é um dos maiores especialistas em manejo florestal sustentável da Amazônia, que dedica sua carreira a mostrar que o desenvolvimento econômico pode andar de mãos dadas com a preservação ambiental. Sua contribuição se estende por diversas áreas, desde a pesquisa científica até a formulação de políticas públicas, sempre com foco em transformar a floresta em um ativo produtivo sem comprometer sua integridade.
Como pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Higuchi liderou estudos que provaram na prática a viabilidade do manejo florestal sustentável (MFS). Suas pesquisas demonstraram que, 37 anos após a exploração seletiva de madeira, a floresta manejada não apenas recompôs suas reservas de carbono, mas também gerou um saldo positivo de captura de CO₂. Esse dado, aliado ao desenvolvimento de produtos inovadores, como o painel de lamelas cruzadas com cavilhas (PLCC) – um material de construção sustentável feito a partir da madeira amazônica -, reforçou a ideia de que a floresta em pé pode ser uma fonte econômica sustentável.
Higuchi também critica a falta de coerência entre discursos e ações na bioeconomia. Para ele, a verdadeira transição para um modelo sustentável na Amazônia exigia menos retórica e mais práticas concretas, superando o medo e a burocracia que frequentemente travam iniciativas inovadoras. Suas ideias continuam sendo referência para a formulação de estratégias que buscam conciliar a conservação da biodiversidade com o desenvolvimento econômico, garantindo que a Amazônia permaneça um patrimônio vivo para as futuras gerações.
O professor Niro Higuchi – foto: Erico Xavier
Segue o bate-papo EXCLUSIVO com Niro Higuchi MCTI /INPA, um dos fundadores do Portal BrasilAmazoniaAgora – BAA
BAA – Desenvolvimento Sustentável – Como a Amazônia pode conciliar crescimento econômico e preservação da floresta, considerando o histórico de desmatamento?
Niro – O projeto INCT-Madeiras da Amazônia (financiado pelo consórcio CNPq, Capes e Fapeam), do laboratório de manejo florestal (LMF) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), tem demonstrado, experimentalmente, que: (i) 37 anos depois da exploração seletiva de madeira, a floresta manejada repôs 46 tCO2eq./ha explorados e adicionou mais 14 tCO2eq. por hectare à floresta original; (ii) o painel de lamelas cruzadas com cavilhas (PLCC), por exemplo, como um produto da floresta manejada pode manter, na biosfera, ~5 toneladas de CO2eq. (de cada hectare manejado) na forma de matéria-prima para a construção civil. Só isso é suficiente para garantir que o manejo florestal sustentável (MFS) é uma alternativa econômica sustentável para o uso da terra da Amazônia.
Niro Higuchi – BAA – Bioeconomia como alternativa – Quais os principais entraves para que a bioeconomia se torne um motor real da economia amazônica?
Niro –: O principal entrave é a distância entre os discursos (saudáveis) sobre o tema e as práticas no mundo real. Está faltando a práxis, que vem a ser a união entre o discurso (teoria) e a prática, onde a ação é informada e guiada por uma compreensão mais profunda das realidades sociais; pensamento de Aristóteles, que foi popularizado no Brasil por Paulo Freire.
Há também discursos não saudáveis, que são predominantes, confundem as pessoas e acabam influenciando os tomadores de decisão e a própria interpretação da legislação vigente. No caso do MFS, por exemplo, o medo tem tomado conta do proponente, do licenciador, do executor e, até do consumidor. Desse jeito, em breve o termo “bioeconomia” será mais um clichê que não se tornou realidade, para o setor florestal.
BAA – Ciência e inovação – Qual o papel da pesquisa científica no avanço da economia sustentável da Amazônia? O que falta para que o Brasil aproveite melhor sua biodiversidade?
Niro – É muito comum ouvir “isso ou aquilo não acontece no Amazonas por falta de conhecimento”. Meia-verdade? Num levantamento bem expedito e incompleto, eu notei que há mais de 4 mil artigos científicos publicados, mais de 2,5 mil dissertações de mestrado e mais de 800 teses de doutorado. Isso apenas na área ambiental do INPA e associados. Se juntarmos com outras áreas do conhecimento, nós vamos ter certeza de que a falta de conhecimento não pode ser utilizada para justificar a ausência de alternativa concreta ao Polo Industrial de Manaus, por exemplo. Pesquisador pesquisa e escreve.
Na minha opinião, os órgãos que financiam essas pesquisas não cobram e nem avaliam, adequadamente, os resultados. Aqui no Amazonas, a Fapeam, por exemplo, poderia montar um painel de notáveis para produzir uma síntese de resultados para o aproveitamento dos recursos florestais e da biodiversidade; ao mesmo tempo, para descobrir lacunas (de conhecimento) importantes para o desenvolvimento do Amazonas.
BAA – Amazônia e a geopolítica global – O que a crescente atenção internacional sobre a Amazônia significa para sua economia? Como o Brasil pode liderar essa agenda?
Niro – Antecipar-se à escassez é preciso. Na Amazônia brasileira ainda há mais de 320 milhões de hectares de florestas virgens. Tanto do ponto de vista de biodiversidade, como do de serviços ecossistêmicos (ciclagens d’água, carbono e energia solar) prestados, essas florestas são importantes para o Brasil e para o planeta Terra. O Brasil tem liderado há muito tempo as agendas das Convenções do Clima e da Biodiversidade, sem resultados práticos. O Brasil (MMA, MCTI etc.) pode continuar liderando, desde que seja com menos discursos e mais práticas ou com a práxis do Paulo Freire.
foto: Michael Dantas
BAA – Infraestrutura e impactos ambientais – Como garantir o desenvolvimento da Amazônia sem repetir os erros do passado?
Niro – No ano passado, como nos cinco anos anteriores, o INPA distribuiu R$ 5 mil para cada grupo de pesquisas (o grupo que eu lidero conta com 4 pesquisadores). No governo FHC, o INPA contava com 265 pesquisadores; hoje, o INPA conta com ~100 pesquisadores (~75% deles em abono de permanência). Quando se fala em recursos financeiros para pesquisas, a gente só escuta “milhões de dólares” e, em alguns casos, em “bilhões de dólares” (Fundo Amazônia, Fundo da Informática etc.). De novo, discursos maduros interessantes e práticas verdes sem consequências.
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