Em junho de 1980, há 45 anos, Manaus se preparava para um dos momentos mais emblemáticos de sua história: a visita do Papa João Paulo II. O clima na cidade era de expectativa e reverência. A procissão de São Pedro, anualmente celebrada no dia 29 de junho, foi adiada para julho. O governador do Amazonas, José Lindoso, católico fervoroso, e o prefeito de Manaus, José Fernandes, evangélico, uniram-se em um gesto de respeito e acolhimento. Ambos prepararam a cidade, com a significativa colaboração do Vice-governador, Dr. Paulo Nery, para a chegada do Papa á Manaus.
Na procissão, a baía do Rio Negro se transformou em um mar de barcos, todos com um único destino: o Encontro das Águas, onde as correntes de dois rios se entrelaçam em um abraço simbólico. O Papa, em uma das três fragatas da Marinha, navegava lentamente pelo Rio Negro, cercado por autoridades e fiéis. As pessoas acenavam dos barcos com fervor e alegria. No barco em que me encontrava, com familiares, incluindo minha querida irmã Liliana, então noviça salesiana. Naquele dia pude testemunhar a sua fé junto com outras companheiras dedicadas á missão preconizada por Dom Bosco. A cena era de uma beleza indescritível: a silhueta do Papa contra o céu amazônico, as águas refletindo a luz do sol, e as vozes em uníssono entoando cânticos de louvor.
É preciso que se destaque um gesto de respeito e ética. O prefeito José Fernandes, ao receber um terço de presente do Papa, decidiu que aquele símbolo de fé deveria ser oferecido a quem realmente mereceria. Com um coração generoso, ele entregou o terço a uma senhora católica, pobre e anônima, que representava a simplicidade e a devoção do povo. Esse ato, reforça a ideia de que a fé não se mede por títulos ou posições, mas pela capacidade de respeitar e entender a fé do outro.
A missa campal na Bola da Suframa, testemunhava um amazónico céu azul. O povo, num respeitoso e contrito silêncio se unia em oração. As palavras do Papa reverberavam nas almas, e a conexão entre os presentes se tornava palpável. A fé, como as águas do Rio Negro, fluía livre e poderosa, unindo todos em um só espírito. Aquela manhã mágica não era apenas uma celebração religiosa; era um testemunho da força da comunidade, da esperança e da beleza que reside na diversidade na alegria do povo amazonense.
Assim, o Encontro das Águas não era apenas um fenômeno natural, mas um símbolo da união de diferentes crenças e culturas, refletindo a riqueza da Amazônia e a profundidade da fé que habita em cada coração. E enquanto a fragata do Papa se afastava, a cidade de Manaus sabia que aquele dia ficaria gravado para sempre na memória coletiva, como um momento em que a fé e a beleza se entrelaçaram nas águas do Rio Negro.
As novas gerações precisam saber da fé que fluiu naquele dia. Da bênção papal dada no meio do nosso Encontro das Águas reverbera até hoje nessa cidade que um dia se chamou Lugar da Barra de São José do Rio Negro.
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