*Roberto Pompeu de Toledo
E que bom que secou. Pior era quando o dinheiro corria a rodo nas campanhas eleitorais.
Um dos mistérios que rondam a República é o amor do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, pelo financiamento empresarial das campanhas eleitorais. Na lição imortal do primus inter pares dos delatores da Operação Lava-Jato, Paulo Roberto Costa, a doação empresarial equivale a um “empréstimo”, a ser cobrado “a juros altos”. Quando se constituiu no STF uma maioria por sua inconstitucionalidade, porém, Gilmar Mendes foi ao ponto de, com um pedido de vistas, reter o processo por um ano e cinco meses. Raras vezes, talvez nunca, se viu, da parte de um solitário membro da corte, a ousadia de congelar por tempo tão dilatado uma decisão já tomada pela maioria. Como explicar tamanho amor a semelhante causa? Mistério.
Uma vez feito presidente do Tribunal Superior Eleitoral, em maio, posição na qual lhe caberá velar pela lisura das eleições municipais, Gilmar Mendes alertou: “Temos o risco de dinheiro ilícito entrar nesta campanha”. À luz de tudo o que a Operação Lava-Jato nos revelou de campanhas anteriores, a declaração soa surrealista. Quer dizer que não havia então o risco do dinheiro ilícito? Segundo levantamento do jornal O Estado de S. Paulo, na edição da segunda-feira 19, 40% das doações aos três principais partidos, PMDB, PT e PSDB, entre 2007 e 2013, vieram das empreiteiras investigadas na Lava-Jato. O ministro disse, na mesma ocasião, que técnicos do TSE se aparelhavam para rastrear pessoas dispostas a ceder o CPF para disfarçar doações na verdade de outras origens que não delas próprias. Louve-se o empenho em identificar previamente as falcatruas; lamente-se que o mesmo cuidado não tenha sido observado no passado com as doações empresariais.
A presidência do TSE serve a Gilmar Mendes para renovar a campanha em favor do sistema anterior. Em entrevista na sexta-feira 16, ele disse que até doadores já mortos o tribunal tem identificado. “Em eleições anteriores víamos mortos votando. Doando é novidade”, acrescentou. Também tem sido observada a “generosidade dessa gente do Bolsa Família”, disse. Relevese a pouca delicadeza de referir-se a um frágil estrato da população como “essa gente do Bolsa Família”. Mais vale ressaltar que é bom, sim, o TSE conseguir apontar a presença de mortos e pobres entre supostos doadores. Pena que em eleições do passado propinas milionárias da Odebrecht, OAS ou Andrade Gutierrez, travestidas em doações, tenham passado incólumes. Na última quinta-feira, Gilmar Mendes voltou à carga, vindo a público para informar que já foram detectados 16 milhões de reais em doações de beneficiários do Bolsa Família.
A pregação do ministro faz eco ao esforço que se rearticula no Congresso em favor de uma emenda constitucional legalizando as doações empresariais. Na já citada edição do jornal O Estado de S. Paulo, o repórter Igor Gadelha revela que no comando de tal empreitada se encontra o pessoal do Centrão, com destaque para gente fina como o líder do governo na Câmara, André Moura, do PSC (aquele que até acusação de tentativa de homicídio tem no currículo), e Pau linho da Força, do Solidariedade. Segundo André Moura, é “generalizada” a preocupação com a falta de recursos na atual campanha; Paulinho contou ao repórter já ter falado a respeito com o senador Renan Calheiros e “o Renan considerou a situação gravíssima”,
Com a devida vênia dos Ínclitos Paulinho e Renan, gravíssima era a situação quando o dinheiro corria a rodo nas eleições. Que bom que a fonte secou. O ministro Gilmar Mendes afirma que antes se deveria mexer nas regras eleitorais, na direção de processos mais funcionais e menos custosos. Nesse caso esperaríamos até quando, se há três décadas a reforma política não anda? Se conseguir tornar mais baratas nossas campanhas eleitorais, a proibição das doações empresariais terá atingido o mais desejado de seus efeitos.
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O presidente Michel Temer disse ser “pessoalmente” contra a anistia tentada na semana passada no Congresso para os acusados do uso de caixa dois nas campanhas. Com todo o respeito, presidente, no cargo que o senhor ocupa não há “pessoalmente”. Sua pessoa foi revogada, engolida pelo cargo. Dizer-se “pessoalmente” contra equivale a indicar que o governo deixa. E se o governo deixa é porque é “institucionalmente” a favor.
*Jornalista. Colunista da Revista Veja. Artigo na Edição nº 2497, de 28/09/2016.
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