O antigo Lugar da Barra se transformara num dos mais importantes centros do mundo tropical, graças à vitalidade econômica da borracha, que lhe deu vida, riqueza e encantos…
Se a arquitetura é o símbolo mais visível de uma sociedade, a fisionomia urbana de Manaus reflete bem o espírito da sociedade que aqui floresceu em fins de 1800 e início de 1900. Na verdade a arquitetura de Manaus, a arquitetura mais antiga, exprime uma atitude emocional e estética do apogeu de um período do látex e da burguesia enriquecida pelo processo produtivo. A cidade que despertou a admiração de tantos estrangeiros imigrantes ou visitantes, nas primeiras décadas de 1900, surgiu como por “encantamento”.
De uma aldeia dos indígenas Manaós, o antigo Lugar da Barra se transformara num dos mais importantes centros do mundo tropical, graças à vitalidade econômica da borracha, que lhe deu vida, riqueza e encantos, como na antiguidade o comércio intenso no Mediterrâneo e no Adriático possibilitou a Roma, Florença e Veneza papel preponderante na economia, nas artes, nas letras e na arquitetura da Velha Europa.
Tal como Veneza, por meio de seu comércio de longo alcance com povos europeus e extras europeus, Manaus veio conhecer o gosto e a experiência de países extras americanos onde sua burguesia procurava inspirações de vida e de ação. O passeio de férias à Europa era ocorrência de rotina para as famílias de Manaus que, por sua vez, de lá traziam ideias e sugestões transformados em valores culturais, às vezes um tanto invulgar de uma sociedade desejosa de crescer e firmar-se como força civilizadora.
Beneficente Portuguesa. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal
Cidade de suaves colinas, Manaus desdobrava-se em vistas múltiplas para quem a cruzasse nas avenidas e ruas de um lúcido urbanismo. E não deixa de impressionar a obra urbanizadora da capital, creditada ao governo de Eduardo Gonçalves Ribeiro. A topografia da cidade, antes do governo dele, deslumbrava-se em cortes hidrográficos: era o Igarapé do Salgado, o Igarapé da Castelhana, o Igarapé da Bica, o Igarapé do Espírito Santo, Igarapé de Manaus, Igarapé da Cachoeirinha, Igarapé de São Raimundo, Igarapé dos Educandos, etc.
Eduardo Gonçalves Ribeiro aterrou os caudais em benefício de um urbanismo funcional, que lutou contra a natureza até fazer secar os pequenos cursos d’água, transformando-a em amplas avenidas.
[…] Avenida Eduardo Ribeiro, com sua imponência, resultado do aterro do Igarapé do Espírito Santo. Outros tantos igarapés atravessados por sólidas pontes de ferro, em disposições geométricas artisticamente apresentadas. O Teatro Amazonas erigido no topo de uma colina, como se fosse a Acrópole dos Deuses da Floresta, marca a capital no espaço e no tempo, inaugurado em 1896.
Fonte: TOCANTINS, Leandro. O rio comanda a vida: uma interpretação da Amazônia. Manaus: Valer, 2000. Pág.: 188-189.
Rua Lobo D´Almada. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal
Cidade rica, progressista e alegre, calçadas com granito e pedra de liós, trazida de Portugal, sombreadas por frondosas mangueiras e de praças e jardins bem cuidados, com belas fontes e monumentos. Tinha todos os requisitos de uma cidade grande urbe moderna: água encanada e telefonias; energia elétrica, rede de esgoto e bondes elétricos deslizando em linhas de aço espalhadas por toda malha urbana e penetrando na floresta até os arredores mais distantes do Bairro de Flores. O seu porto flutuante, obra-prima da engenharia inglesa, construído a partir de 1900, recebia navios de todos os lados e das mais diversas bandeiras.
O movimentar do centro comercial regurgitava gente de todas as raças; nordestinos, ingleses, peruanos, franceses, judeus, norte-africanos, norte-americanos, alemães, italianos, libaneses, portugueses, caboclos e indígenas.
A Avenida Eduardo Ribeiro concentrava um número expressivo de casas comerciais. Nas proximidades, o Mercado Municipal Adolpho Lisboa, Ruas Marcílio Dias, Guilherme Moreira, Quintino Bocaiúva, 7 de Setembro, Henrique Martins, Instalação, Praça XV de Novembro. Tudo o que o comércio internacional oferecia à época poderia ser encontrado nesta longínqua cidade, plantada a milhares de quilômetros dos principais centros capitalistas.
Ideal Clube. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal
Atividades comerciais bem constituídas abrigavam, no andar inferior, o comércio, e no andar superior a residência do proprietário, instalado próximo ao seu trabalho, o que ocorria normalmente das 7h às 21h da noite.
Esse espaço residencial era o que predominava em nosso centro comercial. Mas, afastadas como a Praça dos Remédios ao longo da Joaquim Nabuco, Largo de São Sebastião, Avenida 7 de Setembro, Rua Barroso, 24 de Maio, Saldanha Marinho e outras ruas circunvizinhas, dispunha-se as residências mais ricas, magníficos palacetes construídos no melhor estilo da época, assoalhos de acapu e pau amarelo, pinho-de-riga, onde o sol vazava as janelas e vitrais europeus. As salas normalmente iluminadas de belíssimos lustres europeus, paredes e tetos decorados de pinturas e telas ou de ar frescos.
Seus salões amplos exibiam luxuosíssimos móveis, porcelanas, cristais, pratarias e que permaneciam sempre abertos para receber visitas e festas de aniversários, banquetes e saraus, as diversões familiares da Belle Époque.
Casas de alvenaria com porões habitáveis, com fachada de painéis de azulejos europeus, com suas entradas de escadas em degraus de pedra de liós, ou madeira, sala de visita, alcova, sala de jantar, o grande corredor, ladeados de dois três quartos, cozinha, e mais dependências.
Palácio da Justiça. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal
[…] As famílias de menores recursos habitavam as extensas vilas de casas populares, o que ainda encontramos hoje nas ruas 24 de maio, Lauro Cavalcante e Joaquim Nabuco e as chamadas estâncias, extensas construções de meia-água divididas em pequenos quartos para aluguel. Entre os hotéis destacavam-se o Casina, na Praça Dom Pedro II e o Grande Hotel na Rua Municipal número 70, belíssimo edifício de dois andares, com quarenta e dois quartos, cujos cômodos eram decentemente mobiliados.
Fonte: LOUREIRO, Antônio José Souto. A Grande Crise. Pág.: 33 e 34. In. BAZE, Abrahim. Luso Sporting Clube: A Sociedade Portuguesa no Amazonas. Manaus: Valer, 2007.
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