Continuação…
*Padre Celestino Ceretta
O Papa Paulo VI criou a Prelazia de Itacoatiara a 13 de julho de 1963, e como sede Catedral foi eleita a Igreja de N. Senhora do Rosário. A criação foi conjunta com as prelazias de Coari e de Borba, também no Amazonas. A Prelazia de Itacoatiara abrange os municípios de Itapiranga, Silves, Urucará e Urucurituba, cujas paróquias correspondentes são dedicadas a N. S. de Nazaré, N. S. da Conceição, Sant’Ana e Cristo Ressuscitado. A Prelazia de Itacoatiara recebeu inicialmente como administrador Dom João de Souza Lima.
Em 1964 chegaram mais dois missionários canadenses Pe. Guilherme Smith e Patrício Ryan. Em dezembro daquele ano as Irmãs Adoradoras do Sangue de Cristo assumiram a escola paroquial mista e o colégio feminino Instituto Nossa Senhora do Rosário de Fátima em substituição às irmãs de Santa Dorotéia. Segundo consta a substituição da congregação orientadora foi para formar uma escola mista, alunos e alunas; as Dorotéias não tinham permissão congregacional para isto enquanto que as Adoradoras praticavam este trabalho e o novo pároco Mc Hugh orientou para esta direção.
No dia 24 de julho de 1965 chegou a nomeação do Pe. Francisco Paulo Mc Hugh na função de Prelado de Itacoatiara. A celebração de posse aconteceu no dia 30 de agosto, foi presidida por Dom João de Souza Lima e contou com a participação de numeroso clero regional, da Guiana e Canadá. Na ocasião foi enfatizado que o prelado, mesmo não sendo bispo, é o pai e pastor da Prelazia com todas as prerrogativas necessárias para este fim. Itacoatiara se revestiu de júbilo e dignidade, após o jantar houve noite teatral. No mesmo ano de 1965 chegaram do Canadá as Irmãs da Ordem de São José, vieram para assumir a maternidade “Senador Cunha Melo”. Para sua residência foi construído o convento São José, em frente à maternidade, com verbas do exterior.
O Curso Pedagógico em Itacoatiara passou a funcionar em 1966 por conta da prelazia, pois o Estado havia aprovado a instalação, mas não concretizado; a igreja assumiu a iniciativa.
A nomeação episcopal ao Pe. Francisco Mc Hugh chegou a 20 de julho de 1967 e a sagração foi no dia 03 de outubro do mesmo ano contando outra vez com a presença de numerosa representação da Igreja oficial e do povo em geral.
Os primeiros tempos da Prelazia de Itacoatiara foram marcados por atenção especial ao evangelho e assistencialismo. Mc Hugh celebrou convênios com o Estado do Amazonas e da Prefeitura para cuidar da saúde e educação, em toda a área da Prelazia. Distribuía alimentos e roupas recebidas dos E. Unidos através da “Aliança para o Progresso”. Na época o próprio Estado do Amazonas estava despreparado para manter os serviços básicos, além disso, a moeda corrente no Brasil estava desvalorizada frente ao Dólar, por isto os recursos vindos de fora produziam muitos frutos onde o pouco era muito. Grande parte da população brasileira vivia na miséria, era precário o acesso aos cuidados médicos, o analfabetismo elevado, poucos brasileiros tinham acesso ao curso “ginasial”.
A miséria maior era a falta de instrução pública. A falta de conhecimentos gerava baixos salários que mantinha baixa a nutrição. Os baixos salários mantinham baixa a arrecadação governamental; sem recursos o Governo não podia prestar os serviços básicos de educação e saúde. Sem contar que os desvios de recursos públicos eram considerados normais, a população pensava que os administradores públicos podiam destinar o dinheiro para os fins que julgassem oportunos.
Para a formação popular a Prelazia instalou um Centro de Treinamento em Urucará, era lá que repassava a formação e as instruções pastorais e sociais.
A população de Itacoatiara era estimada em 31.809 habitantes. Esta população contava com 146 professores para 4.896 alunos no curso primário e o curso ginasial contava com 24 professores para 660 alunos além da Escola Normal Rural N. S. do Rosário com 50 alunos e 10 professores.
A Prelazia também contribuiu para a organização dos trabalhadores rurais que receberam instruções e orientações com as quais fundaram uma cooperativa mista para gerir seus próprios negócios.
O dinamismo das atividades religiosas e sociais provocou reação dos vereadores regionais que, reunidos em Itacoatiara, aprovaram uma moção de suspeição contra os missionários de Scarboro; era o tempo forte da ditadura militar e havia interessados em retirar os missionários. O pároco de Itacoatiara Jorge Marskell respondeu, com dignidade, que os canadenses ali estavam para “servir e não ser servidos”. Muitos políticos regionais normalmente disputavam os cargos eletivos para usufruto próprio, como já vimos em outros casos. Neste caso queriam jogar os missionários contra os militares para favorecer grileiros contra os moradores do interior.
Pe. Jorge Marskell passou a compor o conselho diretor dos padres canadenses e por isto retornou a seu país, lá foi designado a acompanhar os exilados brasileiros do regime militar e com eles tomou conhecimento do processo político brasileiro daquele momento delicado.
Em 1970 a Igreja de Itacoatiara aumentou a inclusão popular e dinamizou suas ações, reformou a Igreja matriz e a organização pastoral, foram iniciadas as Comunidades Eclesiais de Base estimuladas pelo Concílio Vaticano II. Como diz Francisco Gomes da Silva:
“movimento participativo de envergadura copiado do Vaticano II, que foi um grande concílio de renovação e atualização da Igreja Católica. Através dele, a Igreja proclama o homem participante do poder criador de Deus e por ele encarregado de utilizar as riquezas da terra e de transformá-la. O católico deverá participar da construção da sociedade e não viver alienado num mundo puramente espiritual. Assim, é proposto o empenho na luta contra o egoísmo e as estruturas anticristãs da sociedade”. (SILVA, 1999, pg. 223).
Em julho de 1972, Dom Francisco Paulo Mc Hugh pediu seu afastamento da direção da Prelazia por motivos de saúde no que foi atendido por Roma. A Prelazia foi entregue à administração de Dom João de Souza Lima.
Em setembro de 1972 a Prelazia de Itacoatiara junto com a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura fundou o Sindicato dos Trabalhadores Rurais; estiveram diretamente envolvidos na preparação e organização o Pe. Raimundo O’Toole e o sindicalista Francisco Augusto Marques Garcia. Foi o primeiro passo para fortalecer os agricultores da região que estavam abandonados à sua própria sorte. Este sindicado viria também ser importante instrumento de resgate do povo interiorano e por isto combatido por pretensos fazendeiros e madeireiros que passaram a acusar os padres de se intrometerem nos assuntos nacionais.
Neste período já era sentida fortemente a falta de padres para atender as diversas comunidades; do Canadá os padres que chegaram não eram em número suficiente para a demanda na Prelazia. Diante dessa situação, Dom João de Souza Lima contatou com o Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns para desenvolver um programa conjunto entre as duas igrejas. Deste contato sucedeu a visita do Cardeal Arns a Itacoatiara em julho de 1973, juntamente com o Pe. Celso Pedro da Silva. Desta visita resultou uma reunião entre Dom João de Souza Lima, o Núncio Apostólico e o Cardeal Arns em São Paulo no mês de agosto; estavam presentes também o superior da missão Pe. Raul D. Querele e o vigário de Itacoatiara Pe. Douglas Mackinnon. Naquela oportunidade foi aprovado o projeto “Igrejas-Irmãs”. O referido projeto abria espaços e oportunidades aos cristãos padres, religiosos, religiosas e leigos, que desejassem inserir-se na evangelização e na promoção humana.
O projeto “Igrejas-Irmãs” começou a ser executado em janeiro de 1974 quando chegaram os primeiros participantes do projeto que foi executado conforme as diretrizes da Prelazia de Itacoatiara e as orientações da CNBB. Foram distribuídos os agentes conforme as necessidades locais, em Silves, Itacoatiara, Itapiranga, São Sebastião do Uatumã, Urucará e Urucurituba. Eram diversas as participações e profissões; Padres vieram Celso Pedro da Silva, Antônio Haddad, Gabriel Fortier, José Lui, José Maria Pinheiro, Martin Segu Girona, Antonio Macedo e Tiago Thorlby. Irmãs, eram Nadir de Assis Oliveira e Maria José Ribeiro. Assistente Social, Lúcia Mendonça Leite; psicóloga Terezinha Zola; economista, Gilberto Zuppo, e professores Edith Rojo, Pedro Luiz e Sylvia Aranha Ribeiro. Irmã Henriqueta Barbosa Spínola veio como autônoma.
O trabalho consistiu na formação religiosa e civil e mesmo de cunho técnico e cultural para que todos pudessem usufruir da cidadania com seus direitos e obrigações. Foram montadas escolas de teatro, defensoria do cidadão, justiça trabalhista e conciliação, defesa dos lagos contra a invasão de barcos pesqueiros predatórios que deixavam os pescadores e as famílias locais sem peixe.
Para maior e mais segura comunicação fundou-se um folheto informativo denominado “Cipó” pelo qual as comunidades se informavam entre si e as orientações gerais eram passadas. Este folheto foi muito importante para a unidade e eficiência do trabalho. Até porque entre os voluntários se encontravam pessoas preparadas e que também vieram para aprender com as comunidades. Daquela equipe foram publicados diversos trabalhos a nível científico-populares como “Itacoatiara, sua história e seus bairros”, de Henriqueta Barbosa Spíndola. As dissertações de mestrado “O ribeirinho, ontem e hoje na defesa do peixe no Amazonas”, “O caboclo amazônico amigo e defensor da natureza”, da U.E. Campinas. “Vida e morte no Amazonas” e “Encontro das águas” são obras de Sylvia Aranha Ribeiro, “A cabanagem na fala do povo” é do Pe. Tiago Thorlby; todos frutos desta parceria.
Em 1974 as Irmãs Adoradoras do Sangue de Cristo entregaram a orientação da escola de Itacoatiara, percebendo que seu trabalho já não era contado com a colaboração pastoral naquela cidade onde prestaram um serviço fundamental na formação. As Adoradoras voltaram mais tarde exercendo função pastoral em comunidades mais carentes. No fim daquele ano retornou a Itacoatiara o Pe. Jorge Edward Marskell reassumindo suas atividades.
Em janeiro de 1975 foi dado a público a nomeação do Pe. Jorge Marskell como administrador apostólico da Prelazia de Itacoatiara. O novo Administrador convocou seus pares a fim de formar o Conselho Pastoral ao qual deveriam participar homens e mulheres, religiosas e padres, com igual assento, para gerir o caminho da Prelazia.
Na oportunidade a situação política brasileira era dominada pelo regime militar e constava de somente dois partidos: ARENA representando o Governo Federal e o MDB representando a oposição. O regime providenciava a eleição de arenistas para as principais cidades do país; em Itacoatiara a ARENA perdia terreno para o partido de oposição o qual se identificava mais com a posição defendida pela Igreja. Para reverter a situação os políticos da situação passaram a acusar a Igreja de envolvimento político obrigando o administrador da Prelazia a fazer esclarecimentos sérios. O ambiente ficou pesado mesclando sindicatos com Comunidades Eclesiais de Base contra grileiros de terras. Pe. Jorge Marskell manteve a postura e dignidade esclarecendo sobre a obrigação do cidadão ser honesto e não usar de seu cargo em benefício próprio ou de seu grupo.
Em 1978 o mau funcionamento do hospital José Mendes, de responsabilidade do Estado do Amazonas, fez com que a Prelazia fizesse um levantamento da situação constatando a má administração, denunciou o caso ao governo Henoch da Silva Reis, como não houve tomada de providências a Prelazia retirou as irmãs de São José que serviam de enfermeiras no dito hospital.
Em maio de 1978 o Pe. Jorge Marskell foi nomeado bispo-prelado de Itacoatiara, a sagração aconteceu no dia 30 de julho, em praça pública, na presença de aproximadamente oito mil pessoas. A Celebração foi presidida por Dom João de Souza Lima, Arcebispo de Manaus, além de seu auxiliar Dom Milton Correa Pereira, estavam presentes os bispos da região e representantes da Arquidiocese de São Paulo juntamente com padres e familiares de Dom Jorge.
Na oportunidade da sagração de Dom Jorge a Prelazia carecia de padres locais, contava com cinco padres dos quais um era paulista (igreja-irmã) e os outros quatro canadenses, três religiosas canadenses de São José, uma religiosa Agostiniana paulista e onze voluntários, dos quais seis eram paulistas e cinco italianos.
Em 1978 a Prelazia movimentou a pastoral da juventude, encorajando os novos talentos, entre as atividades se pode contar o festival da música cristã. Organizou a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, que passou a reclamar e publicar os desmandos praticados no hospital local e também nas questões de posse de terras, tanto na cidade como no interior, esta postura provocou reação de algumas pessoas já habituadas a usufruir dos bens destinados aos outros.
Em 1979 a Prelazia viu a necessidade de instalar em Itacoatiara alguns cursos de licenciatura curta, para isto contava com o apoio da Universidade Católica de São Paulo; as tratativas esbarraram nos órgãos federais que inviabilizaram o Campus Avançado da PUCSP em Itacoatiara. Na época o Teatro da PUC em São Paulo foi incendiado duas vezes por promover atos considerados “subversivos”. O regime militar considerava também Dom Paulo Evaristo Arns bem como Dom Hélder Câmara perigosos para o regime porque defendiam os direitos das pessoas, não foram presos porque a fama internacional de ambos era grande. Em outras palavras o povo do Amazonas podia continuar sem maior formação, contanto que não reclamasse das autoridades, mesmo com os desmandos; sem formação é mais difícil perceber os desmandos e os abusos do poder.
Mesmo assim, e até por isto, Dom Jorge foi seguindo cada vez com mais firmeza as orientações da CNBB e da conferência de Medelin em que a Igreja da América Latina optou por defender os mais necessitados. Por isto o Bispo de Itacoatiara escutava o seu povo e buscava possíveis soluções, mesmo que fossem em desacordo das autoridades civis comprometidas com interesses particulares. Trouxe para Itacoatiara homens ilustres de visão ampla tanto no campo político como religioso e social. Era necessário criar opinião pública favorável às mudanças necessárias.
Por causa da defesa dos direitos dos ribeirinhos na posse da terra aonde trabalhavam, sobretudo no Paraná da Eva, a Prelazia passou a ser perseguida por políticos da ARENA amazonense e os padres acusados de receberem instruções de São Paulo sobre política regional; cogitou-se até de expulsar Dom Jorge Marskell. Em Brasília onde foram acusados no Congresso, os padres foram defendidos pelo deputado Mário Frota. Ocorre que na Amazônia, como ocorrera no resto do Brasil, a ocupação territorial foi sendo feita inicialmente pelos pequenos agricultores e criadores em terras devolutas, quando havia suficiente espaço ocupado em terrenos bons, os grandes grileiros forjavam ou adquiriam títulos em cartório e expulsavam aqueles que haviam beneficiado a terra. Em Itacoatiara a Prelazia conseguiu barrar parcialmente este processo alertando os direitos constitucionais dos cidadãos. Esta atitude foi acusada pela política oficial de subversiva, e teve seu forte gargalo em 1980. Como medida retaliativa, naquele mesmo ano, a Prefeitura de Itacoatiara decretou a desapropriação de imóvel pertencente à Prelazia com o pretexto de montar no local um terminal pesqueiro; o povo se levantou e impediu tal arbitrariedade.
Em 1981 a Prelazia promoveu a primeira Assembleia do Povo entre 15 e 18 de janeiro. Neste evento houve celebrações e estudo de situações vividas pelo povo onde a palavra de Deus iluminava as ações a seguir. Ali estavam reunidos o bispo, os padres e agentes de pastoral, até os leigos simples das comunidades. Foram momentos de exercício de cidadania iluminada pela fé. Estas assembleias irritavam as autoridades políticas que não estavam habituadas a ouvir o povo, sobretudo os reclamos por melhor atendimento.
As assembleias foram programadas para acontecer de dois em dois anos. A primeira foi em Silves e a segunda em Itacoatiara em julho de 1983; a terceira em Urucurituba no mês de junho de 1985; a quarta foi em Urucará no mês de junho de 1987; a quinta foi em Itapiranga em junho de 1990; a sexta foi em São Sebastião do Uatumã em julho de 1992; a sétima foi em Silves em junho de 1995 e a oitava em Itacoatiara em junho de 1998.
Em 1982 a oposição política em Itacoatiara cresceu, as lideranças comunitárias católicas apoiando um candidato do PT dividiram a oposição com o PMDB entregando a vitória à situação. Com a vitória eleitoral os situacionistas passaram a perseguir os programas da Igreja fazendo ostensivamente propaganda pela televisão contra. A Prelazia, no entanto, continuou seu serviço de conscientização da cidadania alertando o povo sobre os seus direitos a bons serviços negados ou mal executados pelo poder público que continuava tentando enganar o povo.
Devido à carência no atendimento à saúde a Prelazia, em consonância com um movimento nacional, passou a selecionar e incentivar o uso de medicina caseira através de chás comprovadamente eficientes, resolvendo problemas mais simples de maneira ágil. Em 1987 foi organizada a Pastoral da Criança e também da mulher à base do voluntariado para atender, orientar e salvar vidas com intervenções simples como o uso do soro caseiro.
Em 1988 a Igreja de N. S. do Rosário recebeu reforma e ampliação para acolhimento de maior número de fiéis, o espaço útil passou para 755 m2. Estas obras foram lideradas pelo Pe. Douglas Mackinnon, o qual contou com a participação do povo. Ele também esteve envolvido na construção da nova capela do Divino Espírito Santo, no bairro da Colônia, a de São José Operário, no bairro do Iracy, de N. S do Carmo, no bairro das Pedreiras e no bairro de Santa Luzia a capela do mesmo nome. Posteriormente o Pe. Leonardo Cruz Perez orientou a construção da capela de S. Sebastião no bairro de S. Cristóvão.
Em janeiro de 1989 foi realizada uma reunião em que Dom Jorge com as equipes missionárias avaliaram a caminhada de 25 anos ao lado das pessoas menos protegidas. As conclusões causaram admiração de uns e contestação de outros.
Considerando a origem dos agentes fica mais fácil compreender.
Os cidadãos locais já estavam habituados a conviver com o contraste social; aqueles que dispunham de ocasião encontravam uma estratégia para passar de uma condição social para outra mais vantajosa, usando ou fechando um olho para o usufruto do que não lhe pertencia com a justificativa de que “todos fazem assim… sempre foi assim”.
Os canadenses vieram de uma sociedade em que este contraste social foi grandemente transformado e portavam a certeza de que toda a pessoa humana carrega consigo a dignidade dos filhos de Deus. Portanto a justiça social é um bem da humanidade, negar a igualdade de direitos a qualquer pessoa é um crime contra a humanidade e, sendo cristãos, contra Deus pai de todos.
A resolução deste encontro foi a continuação da linha de ação da Prelazia, fazendo os reajustes necessários.
A grande carência de padres para o atendimento à uma população crescente em toda a região, o fornecimento de clero de outras dioceses e do exterior tem se mostrado insuficiente para dar um atendimento mínimo necessário. Mesmo com a participação de leigos em tempo integral, ainda assim, a necessidade é maior. Portanto as próprias comunidades devem ser sementes da nova sociedade.
A manutenção da Prelazia, inicialmente, provinha quase que cem por cento de auxílios externos, sejam do exterior, sejam das igrejas irmãs; em 1993 já caminhava para a auto-manutenção. Na década de 1980 foram dados passos importantes neste sentido e dez anos depois, já 60% das necessidades da Prelazia eram supridas com recursos provindos das comunidades participantes.
Na década de 1990 foram ordenados na Prelazia de Itacoatiara os padres Elton Vilaça Pereira, Edson Armindo Auzier de Oliveira e Jonas Alves Maciel.
Em 1994 as lideranças católicas de Itacoatiara assumiram a “luta contra a fome, a miséria e pela vida”; até fizeram propostas concretas aos governos estadual e municipal. Naquele ano o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva esteve em Itacoatiara e foi recebido pelo Bispo e pelos padres como apoio à transformação. No mesmo ano o Pe. Romão Buitagro Ramirez foi espancado por políticos ligados ao prefeito de Itacoatiara, quando atendia a comunidade de Novo Remanso.
Em 1996 Dom Jorge Marskell convocou o povo a um Mutirão de Evangelização em preparação para o ano 2000 do nascimento de Cristo. Era um programa de três anos que alimentava o objetivo de “esquentar a fé da gente e dar-nos coragem na missão de evangelizar”. Participava também a Irmã Marília Menezes que retornara a Itacoatiara, era prática em comunicação. O povo foi convocado a discutir os efeitos da instalação do “Porto da Soja” em Itacoatiara. O lançamento do Projeto de Evangelização Rumo ao Novo Milênio foi a primeiro de dezembro de 1996 com a presença de dom Luiz Soares Vieira, Arcebispo de Manaus.
Ainda em 1996 chegaram os padres Jaime Romero, Ricardo Soler Piedras, mexicanos da Sociedade Missionária de Guadalupe e foram atuar em Urucará e São Sebastião do Uatumã. Também chegou um colombiano do Instituto Missionário de Yarumal, Pe. Leonardo Cruz Perez este permaneceu auxiliando em Itacoatiara.
Ainda em 1996 a Prelazia recebeu a concessão do Ministério das Comunicações para instalar o canal 8 e retransmitir os sinais da Rede Vida de Televisão. Desta maneira a Igreja de Itacoatiara passou a contar com três Programas de Informação, a “Voz da Paróquia” feita aos domingos através da Rádio Difusora de Itacoatiara, o boletim informativo “Cipó” e a Rede Vida de Televisão.
Em 1997 o Governo Federal inaugurou o Terminal Graneleiro de Itacoatiara todo automatizado, sobre esta obra foi alardeado como benefício para o município. Muita gente acorreu à cidade na esperança de encontrar empregos locais, estes foram poucos. Como consequência a cidade aumentou sua população sem receber melhorias, continua se agravando o saneamento e a prostituição, inclusive o trabalho e a prostituição infantil.
No dia 14 de novembro de 1997, Dom Jorge viajou com urgência a Toronto no Canadá onde foi submetido a uma cirurgia para retirar um tumor maligno do pâncreas. O fato consternou a Igreja de Itacoatiara, as notícias nestes casos são sempre contraditórias e alimentam a expectativa do povo; povo sofrido, notícia ruim. Multiplicaram-se as correntes de oração e solidariedade. Desenganado pela medicina, que avaliou a sua sobrevivência em oito meses, Dom Jorge retornou a Itacoatiara em abril de 1998, celebrou a Páscoa na Matriz, marcou presença parcial na reunião dos bispos do Brasil em Itaici, voltou a Manaus para avaliação médica. No dia 05 de junho de 1998 ainda tentou encorajar os agentes de pastoral reunidos no CENTREPI, era Assembleia do Povo. Ali estavam representantes de Urucará, Urucurituba, Itapiranga, São Sebastião do Uatumã, Presidente Figueiredo, Silves e Itacoatiara; diz Francisco Gomes da Silva que a cena foi comovedora: “choraram ao ver diante de si um homem abatido, franzino, envelhecido, voz quase sumida, amparado pelos amigos”.
No dia 02 de julho de 1998 faleceu Dom Jorge Marskell. Foi confortado, nos seus últimos dias, pelo povo que o visitava e pelo Sr. Arcebispo de Manaus, Dom Luiz Soares Vieira que esteve com ele dias antes. Foi depositado em túmulo ao lado do altar-mor da Igreja de N. S. do Rosário o homem que não nasceu ali, mas deu sua vida pela melhoria do povo da Prelazia. Sua morte confirmou a unidade de sua Igreja, suas comunidades grandes e pequenas tomaram consciência de sua missão, foi como a tocha que, ao se extinguir, acende milhares de pequenas lâmpadas.
Ao morrer Dom Jorge Marskell deixou uma Igreja preparada para o amadurecimento dos seus cristãos que receberam formação na linha da Teologia da Libertação em comunidades de base, por isto já sabiam tomar suas decisões respeitando os diversos níveis de direito.
Posteriormente entraram novos movimentos na região como sejam os Focolares, Apostolado da Oração e Renovação Carismática que de alguma forma reanimaram a vida da Igreja local.
No dia 03 de julho de 1998, reunido o colégio de consultores da Prelazia, foi eleito o Pe. Dionísio Kuduavicz, pároco da Catedral, como administrador apostólico para dar prosseguimento aos trabalhos da Prelazia. Esta situação permaneceu até o fim do milênio; neste tempo a figura do falecido bispo permanecia na consciência de cada um zelando pela fidelidade aos princípios recebidos.
A 05 de janeiro de 2000 foi eleito o Pe. Carillo Gritti como Prelado de Itacoatiara e foi sagrado Bispo no dia 19 de março de 2000.
Até a chegada do novo milênio foi nosso propósito histórico; narrar o que segue será tarefa de outro historiador.
*Padre Celestino Ceretta é gaúcho da cidade de Sobradinho. Ordenado em 1972, está na Amazônia desde 1977. Texto retirado do livro de sua autoria “História da Igreja na Amazônia Central”, 2º volume, Editora Pallotti, Santa Maria/RS, 2014.
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Uma resposta
Nossa essa publicação trouxe bastante informações sobre a história da prelazia!
Parabéns!