Manaus, 7 de janeiro de 2025

A senhora, o folclore e o festival

Compartilhe nas redes:


*Éder de Castro Gama

CAPÍTULO 1

Continuação…

Os preparativos para a festa do Rosário

As leituras e pregação da missa é toda voltada para a vida de Nossa Senhora a mãe de Jesus, momento que é contado como nasce a adoração do Rosário no mundo. Esta cerimônia, marca a retirada da imagem da nave central da igreja e colocada no andor que está todo adornado para a ocasião, que fica posicionado ao lado direito do altar para quem está a sua frente. A imagem passa a ficar ali, para adoração e orações durante todos os festejos. Salienta-se que, pela primeira vez durante os festejos, é que se faz a oração do Rosário antes do início das missas com os fiéis presentes.

De quarta-feira, dia 08, até dia 12 de outubro, domingo, é o período dedicado à “Peregrinação da imagem de Nossa Senhora do Rosário”, momento em que a imagem da santa vai em visita às paróquias da cidade, fica em vigília com os comunitários, em orações e atos de adoração. O início da peregrinação ocorreu na quarta-feira, dia 08 de outubro, às 19h, o andor da santa foi retirado da igreja, e colocado em um carro preparado, os fiéis seguiram a santa em uma caravana de carros, motos e bicicletas, ao som do hino do Rosário, com muitos fogos e vivas a Nossa Senhora do Rosário! O Padre abençoava o povo e convidava-os para a vigília que ocorreria na paróquia de Santa Luzia. Dali, a Santa seguiu no dia seguinte, quinta-feira, 09 de outubro, para paróquia de Santo Antônio; no dia seguinte, sexta-feira, dia 10 de outubro, para paróquia de São José e no sábado, dia 11 de outubro, para a Catedral. O translado da imagem de uma paróquia para outra, ocorria sempre as 20h e seguia da mesma forma que foi descrita no primeiro translado.

No domingo, às 09h da manhã, ocorreu a missa das crianças, celebrada em conjunto com as crianças da catequese, os meninos e meninas renderam homenagens a santa, com cantos e leituras dos evangelhos durante a missa.

A semana que segue de 13 a 18 de outubro foi denominada de Semana da Família, com encontros de formação para casais. Na segunda-feira, dia 13 de outubro, segunda-feira às 19h, ocorreu a missa que marcou a abertura desta semana, realizada com casais que tinham entre 15, 25 e 30 anos de casamento. No dia 14, 15 e 16 de outubro, terça, quarta e quinta-feira, houveram encontros de formação para estes casais, que consistem em orientações à luz do Evangelho e das doutrinas da igreja de como conduzir um casamento e solucionar crises na vida matrimonial. Na sexta-feira, dia 17 de outubro, encontro com adolescentes e jovens sobre namoro cristão. E no sábado, dia 18 de outubro, as 18h, houve a Celebração do Mutirão de Casamentos12.

Nesta cerimônia, oficializaram o casamento 30 casais, que já eram conviventes. E as 20h30, todos os casais dirigiram-se para o Clube Recreativos dos Professores de Itacoatiara – CREPI, para participarem de um show da banda regional Raízes Caboclas, evento patrocinado pela Prelazia.

No terceiro domingo, dia 19 de outubro, foi realizada a “II Romaria de Nossa Senhora”, saindo da Catedral do Rosário para o “Mosteiro Água Viva” das Monjas Beneditinas, no quilômetro treze da rodovia Am-010, Itacoatiara-Manaus. Neste dia, desde às 03h da manhã, houve a concentração de devotos em frente à Catedral, que se iniciou as 04h30 da manhã, com a presença de pessoas advindas de todos os cantos da Prelazia, tanto da cidade como do interior. Na Romaria, a pé, os fiéis faziam todo o percurso rezando o terço do rosário, cantando os hinos marianos e recitando ladainhas. A imagem da Santa, vai em um carro à frente. Por volta das 08h da manhã, chegaram ao destino, recebidos pelas Monjas com garrafinha d’água em um lugar preparado para a missa. A missa teve início às 09h, perdurando até às 10h30, quando ao final foi oferecido um almoço comunitário para os presentes, como forma de confraternização. Às 12h, foi disponibilizado ônibus gratuitos para o retorno dos fiéis à cidade. A imagem da santa, ficará no mosteiro para adoração das irmãs beneditinas até o dia 22 de outubro, momento que retornará para cidade, no evento intitulado “Círio de Nossa Senhora”.

No dia 22 de outubro, foi realizado o “Círio de Nossa Senhora”, três dias depois da romaria, que para alguns fiéis é considerado um ponto alto da festa. Consiste em uma procissão motorizada, que saiu às 18h00 do Mosteiro Água Viva. Os fiéis que participam desta procissão são compostos por associações de moto-táxis, taxistas e todo o fiel que tem um carro ou uma moto. Chegando na barreira de fiscalização policial, na entrada da cidade, rodoviária AM-10, estes encontram-se com outros fiéis, também motorizados e com bicicletas, para então passarem por todas as paróquias da cidade, até Catedral do Rosário. No trajeto, são soltados muitos fogos de artifícios, as pessoas em frente às suas casas aplaudem e acenam para imagem da santa com muito carinho. Na chegada a Catedral, é realizada uma missa, para bênçãos dos carros e das motos dos fiéis. A missa com o tema, “A visita de Nossa Senhora à sua prima Izabel” é celebrada pelos integrantes do Movimento dos Focolares e os clérigos da Prelazia.

No dia 23 de outubro, tem-se início aos novenários e as “noitadas de arraial”, considerado momentos de maior efervescência dos festejos, ou seja, o fim do “ciclo festivo”. A alvorada inicia às 04h da manhã, com queima de fogos, badaladas de sinos e música de uma banda local. É um chamamento do povo para se fazer presente na “oração da manhã” e no café comunitário onde as pessoas, trazem por exemplo, para partilhar garrafas de café com leite, bebida achocolatada, pães, bolos, mingau de mungunzá, banana frita, tucumã, para fazer o dejejum. Os produtos recebem as bênçãos do padre, antes do consumo.

Após o café da manhã, às 06h30, é realizada a “missa da manhã”, às 12h a missa da misericórdia e às 18h é realizada a oração do terço, seguido de uma missa. Todos os dias, são responsáveis dois grupos: os que cuidam da parte litúrgica, os chamados “responsáveis pela parte litúrgica”, que são paróquias, pastorais e movimentos da igreja, e os “paraninfos13”, pessoas e instituições responsáveis em prover a mesa do leilão com doações e os mantimentos para as comidas e bebidas da barraca de vendas da comunidade. A praça da matriz (na praça da Catedral) já está toda ornamentada.

No primeiro dia de arraial, os responsáveis litúrgicos foram a Paróquia de São José e a Pastoral Bíblico Catequética da Catedral. Os paraninfos foram, os comerciários, empresários da cidade, os trabalhadores madeireiros, costureiras, empregadas domésticas e outras classes de trabalhadores convidados, além dos professores e alunos da Escola municipal Don Paulo (Escola Municipal Dom Paulo McHugh) e Estadual Vicentinho (E. E. Vicente Geraldo de Mendonça Lima).

A programação do arraial segue com os seus responsáveis litúrgicos e paraninfos. Todos os dias a programação inicia-se pela manhã, com a “missa da manhã”. À noite, os membros da comunidade realizam a reza do terço que dura em média meia- hora e fazem as reflexões preparadas para o dia. As 18h30 dá-se início a missa. É importante fixar que os paraninfos também são conhecidos como os “noitários da festa”, pessoas, empresas, instituições, movimentos religiosos, professores, alunos e membros da sociedade civil em geral, que são contatadas antecipadamente pela comissão organizadora para doação de produtos ou dinheiro. As doações para mesa do leilão, são produtos diversos, desde um sacolão de rancho (cesta básica), conjunto de copos, xícaras, roupa de cama, mesa e banho, perpassando por pratos de comidas prontas, como o chamado frango de arraial (galinha assada de forno, assentada sobre um monte de farofa de farinha de mandioca, ornamentada basicamente com cebolas, azeitonas podendo variar em alguns pratos), pernil de porco assado, lasanha, pets de refrigerantes, e bolos de toda a forma e confeitos. É interessante observar que durante as noitadas de arraial não é comum a doação em grande quantidade de animais vivos, como galinha, suínos e bovinos, a não ser na última noite de arraial.

No último dia da festa de Nossa Senhora do Rosário (1º de novembro), todas as atividades litúrgicas da cidade estão voltadas para a comunidade onde ocorrem os festejos. Antes da meia-noite, na penúltima noite do arraial, todos que estão presentes na praça, em frente à igreja, ficam preparados para o momento do badalar dos sinos que ocorrem às 00h do dia 1º de novembro. Este feito acontece em todas as igrejas das paróquias da cidade. O apresentador do arraial anuncia o dia da festa de Nossa Senhora do Rosário, com muitos aplausos e vivas a Nossa Senhora!

A programação segue com a missa da manhã às 06h30, neste dia não houve a missa da misericórdia. Todas as atenções são concentradas no período da tarde e noite. Às 16h horas, na Catedral, tem-se a acolhida das romarias, advindas das paróquias e comunidades da Prelazia. Estes trazem das comunidades os estandartes com as imagens dos seus santos e identificação da comunidade religiosa.

Ainda por volta das 16h, teve início a Procissão de Nossa Senhora do Rosário, que passou pelas principais ruas da cidade próximo ao centro. Os fiéis que participam da procissão são aquelas advindas das paróquias da cidade e de comunidades e cidades da Prelazia e de pessoas residentes em Manaus. Alguns devotos vão vestidos com roupas brancas, os pagadores de promessas alguns deles são identificados, carregando em suas mãos velas brancas, rosas e flores, são ex-votos como gratidão de uma graça alcançada. Não há como na procissão do Círio de Nazaré em Belém no Pará, carros de exvotos. Membros dos Movimentos da igreja, como Movimento dos Focolares, Movimento Carismático, Adoradores do Sagrado Coração Imaculado de Jesus e outros, caracterizam-se com camisetas.

Os fogos anunciam os inícios do cortejo. Na parte da frente da procissão, com uma cruz em madeira, vai um coroinha, seguido dos Ministros da Eucaristia, alunos do Colégio de Nossa Senhora do Rosário e pessoas que seguram as bandeiras e estandarte deste Colégio. O Grupo de Oração da Comunidade de Nossa Senhor do Rosário, Apostolado da Oração de Maria, o Grupo de Oração Imaculado Coração de Jesus e pessoas com símbolos de marianos, também estão dispostos na procissão em pavilhão e fileiras.

Após o pavilhão dos movimentos religiosos da igreja, segue uma corda ou um cordão na cor azul, de 30 metros de comprimento, que está preso ao andor da santa Nossa Senhora do Rosário. Esta corda é levada por fiéis que queiram agradecer a Deus pelas graças alcançadas ou pedir intercessão a Ela para a realização de algum pedido. Vale a pena registrar que não há disputa para segurar na corda, como no círio de Nazaré, em Belém do Pará, mas foi algo incutido pela Igreja católica local como um símbolo, que pode significar o cordão umbilical da mãe para com seus filhos.

O Bispo Dom Carillo vai à frente do andor de forma solitária sem se misturar com o povo, todo paramentado com sua roupa episcopal e o cajado. O Padre Miguel Benítez, Pároco da Catedral, juntamente com a coordenação da procissão se deslocam a todo o momento no meio do povo a fim de organizar a procissão. As Comunidades trazem os seus santos para participarem da procissão, é dia de todos os santos. O carro de som, situa-se no fim da procissão. Vale lembrar que a transmissão da procissão ocorre simultaneamente pelas rádios locais. O Padre Miguel, além de organizar as comunidades religiosas que estão na procissão, também dita as rezas do terço, os hinos e ladainhas, bem como as reflexões por um microfone.

O cortejo, ao passar pelas ruas da cidade, ganha salva de palmas, acenos e admiração por fiéis que organizam em frente às suas casas altares com seus santos de devoção pessoal, os chamados “santos de casa”. Estes altares são enfeitados com flores, velas, dividindo espaços com bíblias abertas e outros objetos religiosos, como medalhas, crucifixos, quadros de santos, etc. Estes, acreditam que, ao passar a procissão, serão abençoados pela santa do Rosário. Trata-se da expressão da religiosidade cristã local.

A procissão finda na quadra de esportes Herculano de Castro e Costa, que fica em frente à praça da Igreja Matriz, onde tem um palco preparado para receber o andor da santa e todo um sistema de som para realização da missa campal. A chegada da santa, é marcada por uma salva de fogos e muitos vivas a Nossa Senhora!

Ocorre a missa, que marca o encerramento das atividades religiosas com muita pompa, com a presença das autoridades religiosas, os padres e as freiras, e as músicas da missa sendo cantada por um coral bem ensaiado e caracterizado para o momento festivo. Com o fim da missa, o palco da celebração é desfeito, para em seguida prepara-lo para a realização do arraial, momento em que ele recebe os instrumentos das bandas que farão os shows. Estas bandas são atrações advindas da capital Manaus e da cidade de Itacoatiara, que cantam os diversos gêneros da música popular brasileira e amazonense. As pessoas se divertem até as primeiras horas da manhã. É importante registrar que toda a estrutura da mesa do leilão e estrutura do bar é montada na quadra de esportes. No dia seguinte, a cidade ainda vive um certo de clima de religiosidade, pois marca-se a passagem do dia dos finados que é celebrada pelo catolicismo no dia 02 de novembro de cada ano.

É importante passar em revista fatos observados durante a festa de Nossa Senhora do Rosário, numa possível relação teórica e histórica, para entendermos os fatos vivenciados em cada tempo.

___________________

12 Silva (1999) nos traz um registro importante sobre o papel da igreja para celebração de casamentos na organização integração da vida social do povo e das etnias indígenas de Itacoatiara, segundo ele, “registros contidos na página 13 do Livro de Registros de Casamentos da Paróquia, referente ao período de abril de 1903 a fevereiro de 1904, nesse último ano foram realizados quinze casamentos de índios Muras”.

13 Os paraninfos ou noitários da festa são importantes, porque são eles os responsáveis pelas doações e arrecadações de dinheiro e donativos para festa, por meio da venda dos produtos da mesa do leilão, sorteios e venda de comidas e bebidas. Volume financeiro que servirá para bancar as despesas, da festa e da igreja como um todo, durante o ano que segue. Silva (1999, p.158-159), nos descreve que em vários momentos que o templo da igreja passou por reformas, era daí que vinham os recursos. “O maior volume de recursos aplicados na construção era arrecadado em festas e arraias onde eram feitos leilões, sorteios, ‘concursos’ e outras campanhas. Do cidadão mais humilde ao mais abastado, do velho ao jovem, todos colaboravam, quer oferecendo doações em dinheiro ou em materiais, quer prestando serviços de mão de obra”.

Continua na próxima edição…
*O autor é natural de Itacoatiara, vem trabalhando com a temática sobre patrimônio cultural a mais de duas décadas. É formado em Ciências Sociais (UFAM) e Mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia (PGSCA/UFAM) especialista em Festas Populares e Religiosas da Amazônia. Formado em Direito (ULBRA/Manaus), MBA em Gestão, Licenciamento e Auditoria Ambiental (Anhanguera-Uniderp). É professor Universitário. Publicações em coautoria nos livros “Cultura popular, patrimônio imaterial e cidades” (2007) e “Culturas populares em meio urbano” (2012). Autor do livro “A Senhora, o Folclore e o Festival” (2022). É Assessor Jurídico e vem prestando assessoria ao patrimônio imaterial etno-história da Amazônia para empresas de licenciamento ambiental e arqueológico.

Views: 1

Compartilhe nas redes:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

COLUNISTAS

COLABORADORES

Abrahim Baze

Alírio Marques