Manaus, 19 de junho de 2025

A senhora, o folclore e o festival

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*Éder de Castro Gama

CAPÍTULO 2

Continuação…

O fenômeno das Aparições de Nossa Senhora em Itapiranga

O início das Aparições de Nossa Senhora ocorreu na cidade de Manaus para os “confidentes” Maria do Carmo e Edson Glauber, mãe e filho em sua residência.

Conforme a reportagem do Jornal Amazonas em Tempo, do dia 24 de outubro de 2010. As aparições de Nossa Senhora tiveram início no ano de 1994, no dia 02 de maio, quando a dona de casa Maria do Carmo Carvalho de Souza, 64, estava no pátio de sua casa, no bairro Dom Pedro I, Zona Centro-oeste de Manaus, rezando o terço, e percebeu uma luz branca na sala.

Foi por volta das 04h da manhã quando, de costume, Maria do Carmo rezava de joelho em frente a uma imagem de Nossa Senhora, quando apareceu “Nossa Senhora” segurando o terço de mãos abertas dizendo: reze, reze, reze. Mas, Maria do Carmo não seria a única. A primeira pessoa a ouvir a voz que pedia orações e penitência foi o seu filho Edson Glauber que, na época, tinha 22 anos de idade.

Segundo Edson Glauber, quando ele estava rezando, apareceu Nossa Senhora dizendo-lhe mensagens de paz e pedindo orações. “Eu estava no quarto do meu irmão e tinha começado a rezar o terço. Na cômoda, havia uma pequena imagem de Nossa Senhora Rosa Mística. Minha mãe se juntou a mim na oração do terço e quando estávamos no terceiro mistério, a imagem de Nossa Senhora ficou iluminada e começou a crescer até atingir o tamanho de uma pessoa. Neste momento, não vi mais nada, só Nossa Senhora que estava ali na minha frente sorrindo. Ela abriu as mãos, foi baixando os braços como se estivesse a derramar graças sobre nós e sobre o mundo. Logo em seguida, desapareceu. Isto durou uns seis segundos”.

Ele afirma que este fato ocorreu no dia 31 de maio de 1994, ao indagar por que Nossa Senhora teria escolhido uma mãe e seu filho22 para as aparições. Ela teria dito: “eu quero mostrar para todos os meus filhos do mundo inteiro, o amor de mãe que eu tenho para com meu filho Jesus e o amor de filho que Jesus tem para comigo. É por isso que eu escolhi uma mãe e um filho, para representar este amor”. Desde o primeiro contato, mãe e filho foram considerados Confidentes de Nossa Senhora, para divulgação das inúmeras mensagens para os fiéis.

Dentre as primeiras aparições, a mais significativa, segundo Edson Glauber, foi no dia 22 de junho de 1994 em sua residência na cidade de Manaus23, quando sua mãe, em estado de oração, teve uma visão com Nossa Senhora, Jesus Cristo e São Miguel Arcanjo. Onde lhes mostravam um terreno de propriedade de sua família na cidade de Itapiranga, lugar conhecido como “cabeça da cobra”, que passasse deste instante a se chamar “terra da sagrada cruz”, onde a “Virgem” pediu que fosse construído uma “capelinha de palha provisória” (em forma de “tapiri” em homenagem aos seringueiros). Segundo nossa Senhora, “aqui no Estado do Amazonas, eu escolhi a cidade de Itapiranga para o final dos tempos, em outros lugares onde estão ocorrendo minhas aparições e mensagens, já está terminando. E aqui irá começar”.

Dentre as aparições de Nossa Senhora a Edson Glauber, pode se destacar à do dia 13 de maio de 1996, na cidade de Itapiranga, esta teve interação com o povo que participava de uma procissão ao lugar do atual santuário. Sobre esta experiência, o confidente Edson Glauber comenta: “fomos a Itapiranga porque a aparição da Virgem ocorreria lá. O povo aos poucos começava a participar das orações e acreditar nas mensagens que a Virgem nos transmitia. Nesta tarde, muitas pessoas de Manaus e de outras localidades se encontravam em Itapiranga para procissão. Como a Virgem havia profetizado, ela começava a agir mais fortemente em Itapiranga por meio de suas aparições e mensagens, e em muitas partes do Amazonas as pessoas começavam a tomar conhecimento delas. O que chamava atenção das pessoas era a mudança de clima. Muitas vezes antes de começarmos a procissão parecia que iria chover fortemente, pois todo o céu ficava nublado e escuro. Mas ao iniciarmos a procissão, o clima mudava e aparecia um belo sol que muitas vezes bailava e batia como se fosse um coração diante dos olhos das pessoas que presenciavam

este fenômeno. Por que a virgem nos dava estes sinais? Para mostrarmos que está em meio a nós, a guiar-nos e ajudar-nos em nossa caminhada rumo ao Paraíso. Ela deseja que compreendamos o valor da sua presença materna e da sua mensagem24”. É importante ressaltar o papel fundamental das Rádios da cidade de Itacoatiara em divulgar os relatos e prodígios das aparições na cidade de Itapiranga, vivenciada pelos fiéis católicos. Estes relatos aguçavam a curiosidade dos fiéis de cidades circunvizinhas a Itapiranga e de fiéis desviado da igreja católica que iam participar das atividades, a fim de vivenciar as experiências celestiais.

No ano de 1999, em outras aparições ao Confidente Edson Glauber na cidade de Manaus, ao perguntar de Nossa Senhora se poderia reformar a capela já construída em Itapiranga, desta vez de madeira e telha, ela respondeu: “não precisa a capela ser de palha para representar a humildade e a pobreza, pois não é este o meu objetivo, mas chamo atenção para vocês meditarem a vida dos seus irmãos seringueiros que tanto sofrem e foram mortos e viveram a humildade e a pobreza em suas vidas”. Pode-se observar nesta mensagem, elementos simbólicos de uma problemática da Amazônia em tempos da economia da borracha25.

Na cidade de Itapiranga, inúmeros acontecimentos sucederam após a volta da família de Edson Glaber para realização dos desejos de Nossa Senhora. Houve uma constância na revelação das mensagens, como, orientações para construção de um santuário, ensinamentos de orações e meditações para ser exercida entre os católicos, revelações proféticas, como o do acontecimento do Tsunami das ondas gigantes na Ásia, no ano de 2004, e a troca do Papado na Igreja Católica. E demanda para o fortalecimento da Igreja local, em combate aos cristãos protestantes pentecostal e neopentecostal que estariam crescendo em adeptos no Estado do Amazonas.

Diante dos fatos, pretende-se fazer uma tessitura, ainda que ensaística, à luz das ciências sociais sobre o processo de constituição da peregrinação na cidade de Itapiranga como fato desencadeador de mudança social, de transformação urbana e constituição da cidade como ponto de convergência para os fiéis, que se empenham na construção de um Santuário e reconhecimento frente à Igreja católica.

Parte-se da ideia que o movimento Mariano, iniciado na cidade de Itapiranga, busca fortalecer-se frente ao reconhecimento da institucionalização do catolicismo perante às aparições de Nossa Senhora e a sacralização dos elementos que compõe este contexto, na construção de lugares para peregrinação e adoração, perfazendo um discurso, por exemplo, de orações, arrependimento dos pecados, salvação, preparação para o fim do mundo e o fortalecimento da fé católica em combate aos cristãos protestantes que vem crescendo no Brasil de forma perceptível.

É importante levantar algumas questões para pensarmos este fenômeno. Nesse caso, as Aparições de Nossa Senhora em Itapiranga configuram-se como um movimento milenarista, messiânico ou como algo advindo das manifestações religiosas da Nova Era na Amazônia? Qual seria a relação de uma religiosidade popular e religião oficial em Itapiranga? Quais são as transformações significativas pelo qual a cidade de Itapiranga vem passando desde as Aparições? De uma forma mais específica, quais os interesses e os agentes sociais que estão situados dentro deste campo de relação social, diante da instituição religiosa da Igreja católica e do Estado? Quais são as formas de mobilização existentes para a peregrinação e construção do Santuário na cidade de Itapiranga e o reconhecimento das Aparições frente à Igreja católica? E por fim, mas sem esgotar os questionamentos, deve-se tentar compreender os processos de transformação social e urbana na cidade de Itapiranga, após o início das peregrinações e o seu impacto na região Amazônica, como turismo religioso, além de verificar quais os sentidos e significados que os sujeitos que participam destas manifestações de fé têm na peregrinação rumo ao Santuário de Itapiranga.

Tentando refletir estas questões, fizemos duas observações exploratórias no ano de 2009 e 2010 e ambas foram acompanhando grupos de peregrinos saídos da cidade de Itacoatiara para Itapiranga, a fim de participar das atividades religiosas. Para este trabalho de campo, foi preciso fazer um exercício metodológico no campo da etnografia.

Bordieu (2004, p.23-25) retrata que a pesquisa depende do modus operandi de quem executa, do arcabouço teórico e dos princípios que norteiam a visão de um pesquisador, de onde o conhecimento parte do seu hábito científico. Para isso, é necessário buscar a essência daquilo que se mostra óbvio, com o propósito de polemizar o aparecimento de “falsas evidências” na pesquisa.

Partimos da ideia de uma observação participante, buscando entender o sentido que os próprios sujeitos inscrevem nas suas ações simbólicas na peregrinação na cidade de Itapiranga. Malinowski (1984) nos ensina que a descrição deve ser feita em “carne e osso” do “nativo”, sem necessariamente esquecer de por “sangue” nele, já que seria muito difícil descrever um fato como este, sem evidenciar os sentimentos que ele mobiliza, tanto no nativo como na impressão que fica no pesquisador.

Ao construir um “texto etnográfico” no sentido definido por Clifford Geertz (1978), a etnografia constitui um texto de segunda ordem obtido pelo pesquisador com base na descrição das condutas sociais dos sujeitos. A coleta de dados demanda na construção de um diário de campo, baseado na multiplicidade de estruturas conceptuais complexas sobrepostas ou amarradas umas às outras que são simultaneamente estranhas, irregulares e inexplícitas”. Onde o “pesquisador precisa, de alguma forma, primeiro aprender e depois apresentar” em um texto etnográfico os dados empíricos coletados no contexto do campo de investigação.

O fato de existir os diferentes grupos sociais no evento tornou a pesquisa de campo mais interessante e ao mesmo tempo cuidadosa, no sentido de torná-la mais interativa no contato estabelecido com esses grupos, pois diante de desconhecidos os mesmos podem sentir se constrangidos. Foram feitas conversas informais e algumas entrevistas ao ponto de tentar estabelecer um clima de confiança frente aos questionamentos (QUEIROZ, 1991).

Sobre a pesquisa em jornais e fonte de internet, buscou-se seguir as orientações de Lang (1991), que “a análise de material de imprensa constitui uma fonte de grande interesse para o pesquisador, pois permite conhecer não apenas os fatos, mas sua exata cronologia”, observando sempre as orientações editorais de cada jornal ou periódico, que podem expressar opiniões de grupos que o dirigem. Também foram feitas fotografias a fim de registrar os vários momentos com os peregrinos. Seguem as observações.

Pessoas posando para foto

Descrição gerada automaticamente

____________________

22A família de Dona Maria do Carmo e Edson Glauber saíram da cidade de Itapiranga em busca de estudos avançados e novas oportunidades de emprego e renda, mas mantendo residência no município de Itapiranga e domicílio em Manaus.

23 Informações do compilado de mensagens e comentários baixados do site www.apariçõesnoamazonas.kit.net, do ano de 1994 à 2022, doado para mim pela devota Francisca V. do Nascimento, quando soube que estava fazendo uma pesquisa sobre as Aparições de Nossa Senhora em Itapiranga.

24 Informações do site www.apariçõesnoamazonas.kit.net

25 De forma direta, alguns historiadores, dividem o chamado ciclo da borracha em duas fases. A primeira de 1870 a 1912, marcada por um surto migratório para região norte do Brasil e depois uma retração nesta economia ocasionada pela crescente concorrência internacional do mesmo produto. E a segunda fase, impulsionada pela realização da 2º Guerra Mundial, quando Getúlio Vargas, ajuda abastecer as indústrias das tropas aliadas comandada pelo Estados Unidos com o látex Amazônico.

Continua na próxima edição…

*O autor é natural de Itacoatiara, vem trabalhando com a temática sobre patrimônio cultural a mais de duas décadas. É formado em Ciências Sociais (UFAM) e Mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia (PGSCA/UFAM) especialista em Festas Populares e Religiosas da Amazônia. Formado em Direito (ULBRA/Manaus), MBA em Gestão, Licenciamento e Auditoria Ambiental (Anhanguera-Uniderp). É professor Universitário. Publicações em coautoria nos livros “Cultura popular, patrimônio imaterial e cidades” (2007) e “Culturas populares em meio urbano” (2012). Autor do livro “A Senhora, o Folclore e o Festival” (2022). É Assessor Jurídico e vem prestando assessoria ao patrimônio imaterial etno-história da Amazônia para empresas de licenciamento ambiental e arqueológico.

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