
*Thaís Botelho
Para muito além de uma condição humana cantada em verso e prosa, o isolamento social pode realmente prejudicar a saúde, de acordo com novos estudos.
Poucas representações artísticas da solidão são mais pungentes que as telas a óleo do pintor americano Edward Hopper (1882-1967). O jogo de luzes, a temperatura das cores, o realismo palpável, tudo nos leva a uma sensação quase física da desolação de estar sozinho, como na obra ao lado, Sol da Manhã, de 1952. Pode-se supor, no isolamento apresentado por Hopper, que homens e mulheres, desesperançosos na multidão, possam vir a ter algum problema de saúde, somatizando um sentimento demasiado humano. Agora, não é mais suposição. Novos estudos comprovam que a solidão, cantada em verso e prosa por almas sensíveis, faz mesmo al à saúde.
Um trabalho que acaba de ser publicado no jornal científico Heart, da Sociedade Cardiovascular Britânica, minerou e reuniu dados de dezesseis pesquisas sobre o assunto, envolvendo 181000 pessoas. O resultado: o risco de solitários infartarem é 29% mais alto e o de sofrerem um derrame é 32% mais elevado, em comparação com as pessoas mais gregárias. O impacto negativo da solidão é quase igual às consequências deletérias da depressão.
“Os pesquisadores identificaram que o organismo do solitário age como se estivesse em estado constante de vigilância, mesmo sem se tratar necessariamente de uma atitude consciente”, diz Marcus MaJachias, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia. O comportamento defensivo atua nas áreas cerebrais associadas ao stress. O estado de solidão atinge o hipotálamo, a hipófise e a glândula adrenal, aumentando a produção de hormônios excitantes como a adrenalina, a noradrenalina e o cortisol. “Na prática, o solitário se sente irritado, tem dificuldade para dormir e se concentrar, preocupa-se exageradamente com situações simples do dia a dia e sofre de disfunções cardiovasculares”, diz o psiquiatra Mario Juruena, professor da Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto e do Instituto de Psiquiatria, Psicologia e Neurociências do King’s College, da Universidade de Londres.
O isolamento traz ainda outro grave problema de saúde: a imunidade baixa. Os genes do solitário são menos ativos na proteção contra os vírus, o que decorre de uma vida social também menos intensa. A noção do isolamento, no cérebro, interfere na produção e na circulação dos leucócitos, que defendem o corpo contra os agentes daninhos.
Felizmente, o ser humano desenvolveu um mecanismo, de mãos dadas com a evolução da espécie, que faz soar um alerta sempre que surge a necessidade da proteção de um grupo. É o antídoto natural contra a solidão. Na pré-história, em um mundo povoado por predadores, qual era a chance de sobrevivência para quem perambulasse sozinho? Nenhuma. Estamos sempre, portanto, prontos para nos reunir quando temos vontade.
A solidão, obviamente, tem seu plano positivo. Ela é saudável, por exemplo, quando se trata de fazermos uma escolha consciente, quando nos afastamos do grupo para descansar e refletir. O perigo é para o solitário crônico. Aquela pessoa que dificilmente compartilha sua vida com outro individuo, seja de forma real ou virtual. A percepção subjetiva da solidão é mais decisiva do que a própria solidão. Se uma pessoa se sente solitária, mesmo que tenha vida social intensa, pode estar mais sujeita aos males da solidão do que alguém que, vivendo quase sem interações sociais, não se sente só. Por isso, situações objetivas como morar sozinho ou ser solteiro não são, por si só, portas para doenças da solidão. Reverter a solidão tende a neutralizar os maus efeitos sobre a saúde.
A repercussão biológica nociva do isolamento social foi esmiuçada graças aos estudos do neurocientista americano John Cacioppo, da Universidade de Chicago, em meados dos anos 90. Em um desses estudos, Cacioppo selecionou um grupo de voluntários com características de solidão crônica e outro de comportamento mais afeito a amizades. Ele mostrou às duas turmas imagens de situações de perigo, como as de assaltos a mão armada, ataques de tubarão e quedas de avião. Exames de ressonância magnética, capazes de flagrar o cérebro em atividade, mostram que, quanto mais solitária era a pessoa, maior era a atividade no córtex visual nas situações de risco. Ou seja, os solitários prendiam-se exageradamente às figuras negativas, não teragindo com o restante do grupo. Aristóteles, o grande filósofo e sábio grego, estava certo: “O homem é, por natureza, um animal social”.
*Jornalista. Matéria na Revista Veja edição 2483, de 22/06/2016.
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