Manaus, 21 de novembro de 2024

A sonora Lutheria da Amazônia

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De nada vale tanto esforço do meu canto
Pra nosso espanto tanta mata haja vão matar
Tal Mata Atlântica e a próxima Amazônica
Arvoredos seculares  impossível replantar.
Xangai, menestrel e cantador.

Há mais de quatro séculos a Lutheria – arte e ciência da construção de instrumentos musicais com caixa de ressonância -, foi trazida para a Amazônia pelos jesuítas e, ainda hoje, famílias amazônidas sobrevivem do ofício. Os missionários da Companhia de Jesus foram os primeiros a ensinar aos povos indígenas a cultura europeia e, através da música e do teatro, aprender sua língua para depois dominá-los, cristianizando-os para a escravidão em suas fazendas ou disputando a valiosa mão de obra com os colonizadores portugueses para a construção de fortes e na extração das drogas do sertão.

A literaruta na área é escassa, mas como justificar que indígenas, quilombolas e caboclos sabiam, com maestria, construir ou tocar um instrumento sem nunca ter estudado música ou ter prestado vestibular para tal, em uma universidade? Os costumes e hábitos foram impostos aos povos da floresta com o propósito do branqueamento da população amazônida, porém, longe de pensar que eles não soubessem confeccionar ou tocar os próprios instrumentos musicais, mas também porque esta ideia está impressa no inconsciente coletivo desses grupos, lutando por uma oportunidade para ser expressa e, deste modo, auxiliar a manter viva a tradição músico-instrumental oral da sociedade, não deixando a cultura imemorial desaparecer.

Provavelmente um dos primeiros instrumentos musicais a entrar na Amazônia tenha sido uma viola. Só tenho uma certeza: a de que o primeiro a entrar no território de Itacoatiara, foi uma flauta. Segundo Silva, foi introduzida em fins do século 17 por um missionário quando se deslocava, no silêncio da selva, na solidão de sua prece a Deus e na imensidão do Lago Canaçary, entre um remar e outro, de Silves à atual Velha Serpa, alegrava-se ao ouvir o trinado perfeito do Cyphorhinos aradus, ou seja, do uirapuru verdadeiro que ainda continua sendo o tenor da floresta, flauteando com outros passarinhos que faziam o back vocal da orquestra. Refiro-me ao jesuíta italiano João Maria Gorzoni.

No início do século passado ainda reluzia o movimento da belle epoque, quando o português Nascimento Viana instalou a fábrica de instrumentos musicais Bandolim Amazonense, no centro da então, Paris dos Trópicos. Um de seus empregados era o cearense de Uruburetama José Martins da Rocha que trabalhava como boy. Após estágio passou de aprendiz a mestre, mas ela faliu. Rochinha que aprendeu a técnica com o extraordinário patrão abriu o próprio empreendimento. Na década de 70, era considerado um dos mais importantes luthiers brasileiros, em que grandes artistas nacionais vinham a Manaus encomendar e comprar os famosos violões da Fábrica Bandolim Manauense como Vando  e Gilberto Gil, Silvio Caldas e tantos outros. Hoje suas obras são verdadeiras raridades, relíquias que valem muito no mercado instrumental e para os musicistas nacionais.

Isaias Antonio é mestre em Lutheria e há duas décadas dedica parte de sua vida a confecção de instrumentos musicais. Ricardo Costa é Luthier, isto é, artesão fabricante de instrumentos musicais de cordas dedilháveis, ambos dão prosseguimento a tradicional arte que, na família, já contam três gerações. Exercitamos nossa prática aos saberes referentes a alguns conceitos propostos pela Rio-92, afirma Ricardo.

Isaias aprendeu com os tios, exímios construtores navais que, nas horas vagas, construíam instrumentos musicais com a função devocional de acompanhar as procissões e festejar o santo em primeiro lugar e que, depois de cumpridos os ritos da Igreja, eram utilizados para fins diversionais, onde os interioranos de vários lugares reuniam-se geralmente, em uma comunidade estratégica, para a realização do encontro social nas animadas e inesquecíveis festas do interior, no Principado de Serpa (Município de Itacoatiara distante da cidade de Manaus, 170 km).

Mas sem expectativas de trabalho na Cidade da Canção, Isaias migra para a capital amazonense. Em uma oficina monta violões pré-fabricados da marca Giannini, vindos da Itália, a pedido dos padres salesianos da Fundação Pro-Menor Dom Bosco, no Bairro Alvorada. Após a mudança para Manaus abriram-se os horizontes, percebeu que a universidade era a forma de profissionalização da artesania milenar, inventada na China.

Tio e sobrinho auxiliaram na fundação de uma escola para profissionalizar futuros luthiers, onde ministraram aulas e possibilitaram gratuitamente para jovens e adultos o exercício de uma nova profissão. Embora inúmeros profissionais tenham sido formados no Amazonas, apenas alguns se destacam e vivem da profissão, visto que o Governo não incentiva o empreendor com uma linha de crédito especial.

Tanto Isaias quanto Ricardo Costa foram influenciados por Raul Lages, na Lutheria e, Fortun, no curso de Marchetier, ou seja, designer que cria o modelo de um produto, montando e colando peças ou lâminas de madeira com diferentes matizes, ornamentando uma superfície, formando desenhos, ambos mestres da Musical Instrument Factory Fernando Ortiz, de Havana(Cuba).

Repassou os ensinamentos para os outros irmãos. Hoje eles sustentam suas famílias produzindo artefatos de madeira. “Nós trabalhamos com o conceito de sustentabilidade, reaproveitando os resíduos de materiais que iriam para o lixo”, afirma Isaias Antonio.

O trabalho rendeu frutos à família que, em sociedade, fundou o ateliê Harmonia Perfeita, na Zona Leste de Manaus, onde restauram e confeccionam violões estilo Antonio Torres de 6, 7 e 12 cordas; Cavaquinhos; Viola Caipira; Cuatro venezuelano; Requinto e até Lira, com essências florestais amazônicas. Robson Miguel, Mestre em História da Música e do Violão, 1º Lugar no Ranking Mundial de Violonistas, já usou e aprovou um instrumento confeccionado pela família.

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