Assisti, na semana que findou, programa de televisão que tratou a questão da reserva de vagas nas universidades públicas proclamando que tal conquista foi inaugurada por Instituição do Rio de Janeiro, nos idos de 2012. Aqui no meu cantinho, nesta parte do mundo nem sempre considerada como Brasil, historicamente esquecida até por alguns que dizem defendê-la como pulmão do mundo, centro propulsor do futuro da Humanidade e coisas que tais, fico a imaginar por que às vezes não se fazem pesquisas que conduzam verdadeiramente a resultados confiáveis, sobretudo quando se trata de plantar comunicação que até pode transformar-se em uma das modernamente badaladas “fake news”, tão usadas no ambiente político quanto na tradicional luta desenfreada pelo domínio do poder.
No Brasil, estamos em época de campanha política para provimento dos cargos mais importantes da República e parece ser como se colocássemos em octógonos ou ringues de luta livre contendores esportivos, candidatos que até nem se dão ao trabalho de propor planos, programas e projetos capazes de minorar os sofrimentos dos que são donos dos votos que cortejam, preferindo agressões e invenções sobre adversários e até sobre familiares seus. E há os que criam fatos sem qualquer freio, cuidado ou cerimônia, invadindo a convivência privada de adversários e deitando intrigas e mentiras que às vezes toldam a honra, a dignidade, o conceito, enfim, de que os atingidos gozam na sociedade que integram.
Curioso, entretanto, é que tempo depois alguns desses contendores, ofensores e ofendidos, aparecem diante do público eleitor dizendo-se juntos em luta por ideias e ideais semelhantes, derramando-se em elogios ao passado daqueles com quem agora caminham, parecendo perdoados até por forças superiores e é como se os abraços que se dão tivessem o valor das preces de penitência que alguns padres católicos ordenam a fiéis, ao final da confissão, para resgate de seus pecados. Na religião, tudo se faz pela fé e o arrependimento que conduz ao confessionário costuma ser verdadeiro e aproxima de Deus. Na política não parece ser assim e é como se grande parte do que foi dito nem mesmo tenha existido enquanto pecado. Há vezes, por certo, que tamanduás ficam a ter inveja de certos abraços.
Tudo isto se inclui no âmbito, cada vez maior, das notícias falsas, umas ditas com seriedade capaz de convencer, outras largadas ao vento, “pra ver se pega”, como dizem alguns, e assim acusações se vão acumulando e distribuindo, havendo até as que são respondidas com lançamento de mísseis carregados de destruição e de mortandade, como assistimos, em todos os noticiários, diariamente, a propósito do confronto bélico que se instalou no leste europeu.
Em alguns casos, talvez nem maioria, há quem se preocupe em direcionar a notícia, a informação, enfim, para a reposição da verdade, corrigindo equívocos, mesmo não intencionais como o que creio ser o que mencionei ao início desta conversa.
Em fevereiro de 2001, o governador Amazonino Mendes criou, com a indispensável autorização da Assembleia Legislativa, a Universidade do Estado do Amazonas, de que já tratei em artigos anteriores, honrandome a mim com a escolha para ser seu primeiro reitor. E desde o começo a preocupação do chefe do Executivo era que o ensino de nível superior chegasse a municípios do Interior do Estado, conhecidas as dificuldades impostas pela carência de recursos destinados à Universidade federal para esse fim e a falta de interesse tradicionalmente demonstrada pela iniciativa privada.
Pois bem: o edital do vestibular inaugural de nossa UEA, que foi firmado pelo governador, em decreto específico, para inscrições que se iniciaram em maio do primeiro ano do milênio, reservava 50% (cinquenta por cento) das vagas oferecidas nos cursos de Saúde para alunos do Interior do Estado, estes que foram agrupados por região e calha de rio para efeito de distribuição das 60 vagas em Medicina, 50 em Enfermagem e outras 50 em Odontologia destinadas a quem ali cursava o ensino médio. Basta, então, considerarmos que em 2001 não havia ensino particular em escola que não tivesse sede na Capital, para afirmar, sem dúvida qualquer, que a primeira reserva de vagas em cursos de graduação de universidades brasileiras deu-se aqui, neste pedacinho do Brasil, em forma de cotas para alunos de escola pública. E foi assim nos vestibulares que se seguiram, reserva que ainda hoje se prática na nossa Universidade do Estado do Amazonas.
No exame vestibular de 2002, como também fizemos em 2003, reservamos em edital 60% das vagas em todos os cursos, que não os de saúde, para alunos que houvessem cursado no Amazonas as três séries do ensino médio e fui, a esse propósito, chamado de xenófobo por um jornal de outro Estado. Em entrevista sobre o assunto, respondi que a universidade estadual era inteiramente mantida com recursos financeiros do Amazonas, sem receber verba de qualquer outra fonte, o que fazia razoável que se reservasse pelo menos parte dos serviços pagos assim para os que aqui produziam, diferentemente do que se dá com uma universidade federal, para cuja manutenção todos concorremos pagando impostos na condição de brasileiros, o que nos credencia a receber serviços públicos em qualquer lugar do país
Em 2004, o governador Eduardo Braga encaminhou à Assembleia Legislativa, acatando sugestão da UEA, projeto que se transformou na Lei 2894, de 31 de maio daquele ano e que, ao dispor sobre as vagas ofertadas pela Universidade em vestibulares, estabeleceu política de cotas que o artigo inaugural definiu assim: 80% para candidatos que comprovassem haver cursado as três séries do ensino médio em instituições públicas ou privadas no Estado do Amazonas e que não possuíssem curso superior completo ou não o estivessem cursando em instituição pública de ensino; 20% para candidatos que comprovassem haver concluído o ensino médio ou equivalente em qualquer Estado da Federação ou no Distrito Federal. Das primeiras, 60% das relativas a cursos ministrados em Manaus destinadas a alunos que cursaram as três séries do ensino médio em escola pública no Estado do Amazonas.
Fomos além: a partir do vestibular de 2005, por determinação legal, nossa UEA resultou obrigada a reservar percentual de vagas, por curso, no mínimo igual ao percentual da população indígena na composição da população amazonense, para serem preenchidas exclusivamente por candidatos pertencentes às etnias indígenas localizadas no Estado do Amazonas. E mais: pelo prazo mínimo de 10 anos, essas vagas deveriam corresponder pelo menos ao dobro do percentual de índios na composição da população amazonense, para o oferecimento de vagas nos cursos de Medicina, Odontologia, Enfermagem, Direito, Administração Pública, Turismo, Engenharia Florestal e Licenciatura Plena em Informática.
Não é verdade, portanto, que a política de reserva de vagas em universidades públicas se tenha iniciado na respeitabilíssima Universidade do Estado do Rio de Janeiro, no ano de 2012, como festejado na matéria de que tratei no preâmbulo.
Nestas eleições, há um médico indígena, formado pela UEA, disputando o Governo do Estado, assim como índios outros, também graduados, estão submetendo seus nomes ao eleitorado para ocupar cadeira na Assembleia Legislativa.
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