Recortes Pessoais
Continuação…
Capítulo 4
Wickham e a debâcle da borracha
Estação de Borracha
Hoje, devido à importância que tomou no mundo a questão ambiental, estamos bem familiarizados com o conceito de biopirataria, o qual, grosso modo, revela-se no tráfico e na exploração de recursos naturais ou de conhecimentos tradicionais sem autorização do país de origem e, portanto, de maneira ilícita.
A prática não é nova. Remonta, ao menos para nós, à época colonial, quando os portugueses e outros povos aqui estiveram em busca de especiarias. O conceito, no entanto, é nosso contemporâneo, mas pode muito bem ser aplicado a partir da criação de um estado nacional independente.
O nosso país passou pelos ciclos econômicos do pau-brasil, da cana-de-açúcar, do ouro, do algodão, do café e, para o que se relaciona a este texto, o da borracha, que se deu em plena Amazônia em dois momentos: o apogeu, entre 1879 e 1912; e aquele no curto intervalo de 1942 e 1945, durante a Segunda Guerra Mundial, apenas um espasmo.
O primeiro foi dadivoso e merece detalhamento. A exploração do látex seringueira, a hevea brasiliensis, foi responsável pelo desabrochar e pelo esplendor, em especial das cidades de Manaus, no Amazonas; e de Belém, no Pará, as quais ganharam prédios suntuosos; lindas praças; monumentais teatros, o Amazonas e o da paz; avenidas arborizadas; iluminação pública e bondes providos por meio da eletricidade; rede de esgoto etc. Porto Velho experimentou um notável impulso na ocasião e o Acre também teve o seu protagonismo.
A debâcle da borracha, palavra de origem francesa, que significa ruina, já estava, porém, desde o início a caminho e teria decorrido de um típico caso de biopirataria, versão que ganhou força graças ao livro “O ladrão do fim do mundo”, de autoria do escritor e jornalista investigativo americano Joe Jackson e por outras fontes, segundo o qual em 1876 o aventureiro inglês Henry Alexander Wickham levou sorrateiramente 70 mil sementes de seringueira de Santarém, no Pará, a bordo do vapor SS Amazonas, de propriedade da companhia britânica Inman Line, para o Jardim Botânico de Londres. Germinaram 2000 sementes, que foram as colônias inglesas na Malásia, em Cingapura e no Ceilão, Onde depois de várias tentativas, plantadas em fazendas organizadas, obtiveram volume para que, em 1913, a Inglaterra assumisse a dianteira absoluta na produção da borracha e quebrasse o monopólio brasileiro. Para se ter uma ideia dos terríveis efeitos que a ação Wickham causou em nossa economia, no auge respondíamos por mais de 90% de todo o látex vendido no mundo.
Em 1928, contudo, a nossa cota era de meros 2,3% desse consumo…
Há quem defenda, entretanto, que Wickham teria levado as sementes com a permissão das autoridades locais, uma suposição improvável, que seria pior ainda, embora não possa ser totalmente descartada. O certo é que, no final de sua vida, em 1920, Henry Wickham recebeu o título de Cavaleiro, glória reservada aos heróis do Império Britânico. Sob nossa ótica, todavia, ele será sempre o vilão, mas certamente, também, cabe a pergunta: não teriam sido os nossos antepassados, com o seu comodismo, com a sua imprevidência, com a sua falta de planejamento e desprovidos da visão de futuro os principais responsáveis pela derrocada? O mesmo, guardadas as devidas proporções, acontece hoje com o modelo Zona Franca de Manaus que, 57 anos depois de sua criação, ainda não desenvolveu um modelo alternativo de desenvolvimento. Será que o desastre vai se repetir?
Continua na próxima edição…
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