Recortes Pessoais
Capítulo 7
El Dorado
Balsa música: Museo del Oro, Colômbia
A América no geral e o Brasil no particular foram grandes produtores de ouro. Aqui, inclusive, tivemos no século XVIII o chamado ciclo econômico do ouro, com epicentro em Minas Gerais, abrangendo Mato Grosso e Goiás. Adiante, entre o final do século XIX e XX, o nosso país chegou a liderar a produção mundial. Dados mais recentes mostram a pujança, ainda, do negócio: em 2021 foram extraídos 103,9 toneladas do minério, os quais foram vendidos para Canadá, Suíça, Reino Unido, Índia, Emirados Árabes, Bélgica, Itália Alemanha, gerando um faturamento de US$ 27 bilhões e aproximadamente 200 mil empregos.
Na Amazônia brasileira destacam-se o Pará e o Amapá. Tudo indica
que nos outros estados da região existam reservas auríferas desconhecidas, outras inexploradas e algumas, reconheça-se,
exploradas clandestinamente. No primeiro artigo desta série, a propósito, suscitei a teoria do visconde Henrique Onfroy de Thoron, segundo o qual, em templos bíblicos, o rei Salomão, em parceria
com o rei Hiram, de Tiro, mandava buscar ouro, o mais puro que havia, nas terras de Ofir, que ficaria no Amazonas…
Pois bem. A partir de 1531 passaram a surgir inúmeros relatos, a maioria de exploradores espanhóis, corroborados por naturalistas, padres e cientistas ingleses e franceses, a respeito de uma cidade encravada na selva Amazônica, tão rica em ouro e pedras preciosas, que o seu imperador, em noites mágicas e ritualísticas, untado em óleo, fazia-se cobrir com ouro em pó e, a bordo de uma embarcação ricamente adornada, chegava ao meio de um lago, atirava pedras preciosas, a principal delas esmeraldas, em oferenda aos deuses. Anotem aí: Gonzalo Jimenez de Quesada, Sebastiãn de Belelcazar. Cristobal de Acuña, Samuel Fritz, Walter Raleigh e La Condamine, dentre outros, fazendo menção a testemunhos anteriores, cuidam do tema.
Essa cidade mítica avança sempre para o interior da selva, acompanhando a trajetória dos invasores: na Colômbia, no Equador, na Venezuela, no Amazonas, em Roraima, nas Guianas… Falou-se, até, no deserto de Sonora, no México. O primeiro a mencioná-la foi, conforme Walter Raleigh, Juan Martinez, um chefe de artilharia da expedição de Ordaz, que ficou hospedado por alguns meses na cidade dourada de Manoa, capital de um império que teria mais ouro, mesmo, do que o Peru, de Atahualpa.
Dois lugares disputam a primazia, no entanto, de abrigar o El Dorado: as imediações do lago Guatavita, na Colômbia ou, então, do lago Manoa ou lago Parime, em Roraima, no Brasil. Gonzalo de Quesada, seguido por Alexandre Von Humboldt, a localizava entre o povo muísca, indígenas habitantes do altiplano colombiano. Walter Raleigh, por sua vez, dizia que todo esse ouro vinha das Guianas, claro, acrescento, passando pela Roraima dos dias atuais. E o saudoso pesquisador e artista plástico chileno Roland Stevenson, que viveu muitos anos no Amazonas, acreditava, com muitos argumentos críveis, que a havia encontrado em Roraima, no lago Parime, hoje extinto e na época pertencente à grande Guiana. Ele sustentava, inclusive, haver localizado uma “estrada” que ligava o Peru àquela região, onde os incas vinham buscar ouro. Vale a pena ler “Uma luz nos mistérios amazônicos”, de sua autoria.
A verdade é que, naqueles tempos, na Amazônia internacional e brasileira havia intenso comércio de ouro em seus rios. Não faltam registros. La Condamine, na Academia de Ciências de Paris, dá notícias do comércio de ouro, dentre outras coisas, pelos índios manáos, que viviam entre os rios Negro e Branco, mas que também atuavam no rio Japurá. É dos manáos que deriva o nome da capital do Amazonas. Curioso notar, também, que os indígenas chamavam de rio de ouro o rio Iquiari, o nosso rio Negro, provavelmente por estar no centro da rota desse comércio.
A mim parece que o El Dorado já foi descoberto várias vezes. Quando uma fonte do minério se exauria, logo surgia uma outra, mais distante, impulsionando a investida dos europeus sobre a região. Eles foram levando tudo daqui, e continuam a levar, através de suas ONGS, de pretensos pesquisadores ou, até, de missões “religiosas”, claro, com honrosas exceções. O ouro, hoje, foi substituído pelos demais bens da natureza, a floresta, a fauna, as águas, o chamado ouro verde”, uma espécie de “reserva de mercado” para quem sempre nos explorou, aviltou e pretende, depois de esgotar seus recursos, posar de ecologistas. Precisamos estar alertas para não sucumbir, como tantas nações indígenas sucumbiram ao longo dessa impiedosa e sangrenta jornada.
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