Manaus, 7 de setembro de 2024

Amazônia: 7 motivos para o Brasil abraçar a Zona Franca de Manaus, a economia da floresta

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Abraçar a Zona Franca de Manaus, e aplicar parte substantiva de seus recursos na região, significa conferir dignidade às populações locais, geração de recursos para proteger a floresta, implantar polos robustos de biotecnologia, de tecnologia da informação e da comunicação, conferindo aos jovens desta geração oportunidades do protagonismo para desenvolver atividades econômicas sustentáveis para realização profissional e pessoal de cada um e para ajudar o Brasil a deixar o atraso.

Desde que a Europa descobriu a Amazônia, há mais de cinco séculos, que a humanidade passou a fantasiar a região como paraíso perdido. O filósofo francês, Jean-Jacques Rousseau, um dos fundadores da visão liberal do capitalismo nascente, ao tomar conhecimento dos grupamentos indígenas, formulou a tese do “bom selvagem” para concluir, na sequência, uma de suas sentenças liberais de que “o homem é bom, mas a sociedade o corrompe”. Mais tarde, no ápice da modernidade no modo de produção capitalista, em que o modelo predatório da civilização foi destruindo a base natural do ambiente, surgiu outra tese, segundo a qual a Amazônia é o último jardim do mundo. E que é preciso preservá-la sem conhecer sua intimidade.

Deste mingau, sem sabor nem teor nutritivo de opiniões apressadas, o interesse das populações que aqui habitam na floresta sempre foram tratados com irrelevância e indisfarçável ignorância. Este, entretanto, é um dos fios do novelo que pretende eliminar a Zona Franca de Manaus, o programa de desenvolvimento regional – da porção maior e mais pobre do Brasil – reconhecido mundialmente. E mais grave, foi transformado no grande bode expiatório das crises da político fiscal do Brasil. Por conta disso, podemos especular as razões pelas quais o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, segundo os jornais da semana passada, pretende manter a Zona Franca de Manaus.

1 Talvez poucos saibam que o partido do atual Governo, o PT, foi fator decisivo para incluir na ADCT, Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Carta Magna, em 1988, a economia da ZFM e de toda a Amazônia Ocidental, mais o Estado do Amapá, que utilizam menos de 8% dos incentivos fiscais do país. Eram 16 parlamentares liderados no Assembleia Constituinte por Luiz Inácio Lula da Silva.

Em 2003, já presidente, homologou a terceira prorrogação dos incentivos, com a edição da Emenda Constitucional nº 42, que modificou o artigo 42 do ADCT e estendeu os incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus por mais dez anos, com validade prevista até o ano de 2023. Em 2014, com o apoio de sua liderança, a presidente Dilma Roussef, assinou a prorrogação por mais 50 anos. Na última campanha ele já havia anunciado a manutenção da ZFM.

Foto em preto e branco de grupo de pessoas lado a lado

Descrição gerada automaticamente

2 Segundo especialistas em desenvolvimento regional, alguns da União Europeia e da Organização Mundial do Comércio, trata-se do maior acerto de redução dos contrastes socioeconômicas dentro da própria nação – muito comum nos países do Ocidente – que descrevem a pobreza do Norte e a prosperidade do Sul do Brasil. Por isso é que há múltiplas ZFs pelo mundo afora. No Brasil, contribuímos substantivamente com a balança comercial ao produzir os itens que seriam importados. E o apreço da UE e OMC tem o valor adicional de que se trata de uma planta industrial que ajuda a preservar o bioma florestal.

Amazônia: 7 motivos para o Brasil abraçar a Zona Franca de Manaus, a economia da floresta

RCRD Landscape Photos/Unsplash

3Ao recolher a parte do Leão da riqueza produzida a partir de Manaus, o Brasil fez do Amazonas, proporcionalmente, o maior contribuinte da Receita. Nominalmente, somos o quinto maior pagador de impostos, apesar do estigma infundado de que aqui somos um paraíso fiscal. O Amazonas, com 4,2 milhões de habitantes e com 11 municípios entre os 50 piores IDHs do Brasil, é o estado que mais contribui para Receita do que recebe.

Isso não faz qualquer sentido, pois a Carta Magna nos concede essa parcela tímida de isenção do bolo fiscal justamente para aplicar na redução da vulnerabilidade social, não para carregar o país nas costas. É curioso que os escribas da desconversa não põem este fato absurdo em pauta.

Casa em frente a água

Descrição gerada automaticamente com confiança média

foto: Gisele Alfaia

4 É importante o Brasil saber dos resultados alcançados pelas 437 empresas do Polo Industrial de Manaus: foram faturados em 2022, US$32 bi, ou seja, R$ 165,5 bi, sob a gestão da SUFRAMA, a Superintendência da Zona Franca de Manaus. Desse montante, foram agregados apenas US$8 bi à região, com salários, fundos e contribuições sociais e constitucionais, etc… aproximadamente, 25% do valor apurado. O restante é que nem o clássico Conceição de Cauby Peixoto, “ninguém sabe ninguém viu” aonde foi aplicada a fortuna.

Há décadas, se esperam obras de uma estrutura logística de transportes que tornem essa indústria da floresta competitiva. Segundo estudos da FGV e FEA-USP, os recursos em sua maioria são apropriados pela União e não retornam em infraestrutura para a região. Comunicação, energia e transportes, precárias e caras, tornam a região distante dos centros consumidores. O poder público, com os impostos pelo olho da cara, fazem a infraestrutura condenar a Amazônia a uma região remota e de acesso mais do que oneroso.

Cidade com prédios e água ao fundo

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Cidade de Manaus_ Ronald Woan/Flickr Creative Commons

5 Para assegurar a permanência do programa ZFM, porém, e sua estruturação a favor da região – posto que atualmente o Brasil é o maior beneficiário – será preciso balancear certo reducionismo ambiental que as vezes parece esquecer das realidades mais imediatas e de outras necessidades do desenvolvimento da região. De fato a questão é complexa, mas é mais do que necessária a recuperação do asfaltamento das duas rodovias que retirariam Amazonas e Roraima do isolamento rodoviário nacional.

A estrada que liga Manaus-Boa Vista, daí ao Caribe e aos EUA, a BR-174 e a Manaus a Porto Velho, Rondônia, BR-319, construídas nos anos 70 e 90, ambas foram abandonadas e estão praticamente intransitáveis. Isso favorece o crime organizado, ao contrário do que pensam os reducionista. A recuperação permitiria a vigilância dos atores públicos responsáveis e, com ela, o fomento à iniciativas sustentáveis, a favor da sociedade regional. Proteger um bem natural é atribuir-lhe uma atividade econômica sustentável.

Foto de uma árvore

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Foto: Divulgação

6 A intocabilidade passiva também se aplica ao balizamento das hidrovias, emergencialmente, para os Rios Madeira e Amazonas, a partir de Manaus. Essas hidrovias, que são o modal mais coerente com uma região que tem 20 mil km de rotas fluviais, tem baixo custo logístico e alta performance ambiental. Entre o modal aéreo e rodoviário, a hidrovia é campeã de sustentabilidade. O Brasil não gastaria um centavo adicional, assim como não gasta um real com a instalação das indústrias da ZFM. Apenas seriam necessários 10% do que a Suframa recolhe a cada ano junto às empresas.

Ou seja, com US$ 3,2 bilhões, uma revolução logística se implantaria em 5 anos. Em tempo, porque a Receita inclui a ZFM nos gastos fiscais, tratando o contrato social como renúncia fiscal? Um papa, pra fazer uma comparação, só renuncia à gestão do Vaticano se ele adoecer no exercício do papado, onde investiu sua saúde. O que o Brasil investiu no Polo Industrial de Manaus para dizer que há renúncia fiscal na ZFM? Se nada investiu nada há a renunciar.

7 O maior motivo, provavelmente, que vai respaldar decisões dos ministros da Fazenda e da Indústria e Comercio, respectivamente Haddad Geraldo Alckmin – que era deputado federal em 1988 e votou com a ZFM – é que a Suframa, já escalada para integrar a cruzada da reindustrialização do país, é a responsável por uma gestão de recursos com essa envergadura de faturamento: US$32 bilhões/ano. E não é porque não existe outra alternativa com esse fôlego de receita, emprego, renda e proteção florestal. As outras alternativas que se aproximam minimamente da ZFM são absolutamente ilegais, deletérias, excludentes, no limite, genocidas na região.

Vista aérea de água e árvores ao fundo

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foto: André Dib

Abraçar a ZFM, e aplicar parte substantiva de seus recursos na região, significa conferir dignidade às populações locais, geração de recursos para proteger a floresta, implantar polos robustos de biotecnologia, de tecnologia da informação e da comunicação, conferindo aos jovens desta geração oportunidades do protagonismo de desenvolver atividades econômicas sustentáveis para realização profissional e pessoal de cada um e para ajudar o Brasil a deixar o atraso. Basta que respeite a Lei que ampara a ZFM, acolha e aproveite, na sequência, a ajuda definitiva que virá da economia sustentável da Amazônia para caminharmos todos no rumo da nova civilização. Quantos destes itens moveram a decisão do Ministro?

II

Zona Franca de Manaus, a manutenção e a distribuição de benefícios

Ponte sobre água e nuvens no céu

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“O ponto de partida bem que poderia ser a quantificação e a qualificação dos benefícios que todos e cada um podem distribuir para que a economia da Zona Franca de Manaus cumpra firme e permanentemente seus propósitos essenciais de promoção humana e prosperidade social. Ou seja, a cada reivindicação de contrapartida fiscal para setor ou entidades, a explicitação dos benefícios a serem oferecidos.”

Qual é a melhor proposta para o futuro da Zona Franca de Manaus, supondo que ela deverá ser mantida? Ora, considerando seus 56 anos de existência, como programa de desenvolvimento regional, a melhor proposta será aquela que gerar mais benefícios. E benefícios para quem? Para os cofres públicos federais, estaduais e federais? Para as empresas aqui instaladas, seus investidores e trabalhadores, ou para conferir bem estar, qualidade de vida, de educação e qualificação profissional para os jovens e suas famílias. Sim, esta é a saída, com certeza e com urgência, considerando que o tecido social esgarçou expandindo a espera, tão procrastinada, de benefícios.

Os setores públicos e seus cofres compulsivos por impostos existem para isso. E as empresas aqui instaladas, por força do convite do governo do Brasil, seguirão repassando como manda a Lei, os recursos gerados com as compensações fiscais que representam tão somente 7,8% dos incentivos tributários que o Brasil distribui.

Cidade vista de cima

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foto: Francisco Barboza

Equivocadamente a Zona Franca de Manaus é descrita como modelo na redução das desigualdades do Brasil. Há um pouco de petulância nessa conceituação. É como se devêssemos manter a paisagem socioeconômica tal qual está. E isso, absolutamente, está equivocado. A paisagem socioeconômica não vai nada bem. Padece de sentido o Amazonas, com o patrimônio natural mais rico entre os estados brasileiros, figurar entre os piores IDHs do país. E ostentar estatísticas da fome, proporcionalmente, segundo o IBGE, entre os piores estados do Brasil, além das endemias e epidemias que aqui se agravam pelas distâncias e precariedade na logística de transportes e por defasagem de investimentos no setor.

Os acertos da economia são incontáveis, é verdade, e os avanços ousados. A precariedade da infraestrutura, com efeito, revela que a União recebe muito e repassa recursos irrisórios para este fim.  Com isso, as distâncias se agravam e empreender na região vira, às vezes, temeridade. O que é preciso fazer considerando o azedume de tantos limões à mercê de tanta sofreguidão postergada? As empresas são compelidas a contribuições de toda ordem, aplicadas de modo improvisado, desvirtuado de objetivos, e sem resultados concretos.

ZFM zona franca de manaus Indústria política pública

foto: Ricardo Oliveira/Agência Amazônia

Exemplos disso são os fundos estaduais para interiorização do desenvolvimento, formação acadêmica, turismo, micro e pequenas empresas. Mais de meio bilhão de dólares a cada ano. Os resultados, além de tímidos e pífios, são inaceitáveis. Como, então, responder à expectativa federal de apresentar uma proposta para a manutenção da Zona Franca de Manaus na iminente Reforma Tributária?

Essa é a questão da hora. E muitos grupos já caíram em campo para sair na frente e no pódio da competição. A favor de quem? Quem somos, de onde viemos, o que queremos e aonde queremos chegar? Responder a essas questões exige clareza do papel de cada grupo ou segmento, as respectivas contribuições de todos permeadas por um apurado espírito público. É só assim que vai funcionar. E manter vantagens competitivas.

O ponto de partida bem que poderia ser a quantificação e a qualificação dos benefícios que todos e cada um podem distribuir para que a economia da Zona Franca de Manaus cumpra firme e permanentemente seus propósitos essenciais de promoção humana e prosperidade social. Ou seja, a cada reivindicação de contrapartida fiscal para setor ou entidades, a explicitação dos benefícios a serem oferecidos. Do contrário, quem sabe alguns mais astuciosos poderão concretizar seus objetivos. Entretanto, esses benefícios não interessam à Lei em todo rigor e esplendor de suas proposições e implicações.

 

Ponte por cima de água e nuvens no céu

Descrição gerada automaticamente com confiança média

foto: Gisele Alfaia

Com a engrenagem da economia gerada pelo Polo Industrial de Manaus, vamos a um exemplo, foram arrecadados, no período de 2000 a 2018, um volume de tributos federais da ordem de R$ R$148,5 bilhões. E desse total, apenas R$ 38,3 bilhões ficaram para o Amazonas, como participação compulsória constitucional. Significa dizer que o Amazonas contribuiu no período com R$ 110,2 bilhões para a União.

Quando a Carta Magna determina repassar qualquer fatia do bolo nacional de incentivos tributários para a economia de uma região remota como a Amazônia, é para que a riqueza daí decorrente seja destinada para a região, exatamente para distribuir benefícios para a prosperidade regional. Jamais para a frustração permanente para a frustração de milhões de jovens e suas famílias.

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