Manaus, 12 de agosto de 2025

Amazônia, Estado do Amazonas, Governo Brasileiro, Papa Francisco e a Cop30: Hipocrisia e Engodo – Artigo 2/6

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Breve esclarecimento

O artigo autoral anterior, primeiro de uma série de seis, publicado em 4 de agosto de 2025, apresenta os fundamentos e os propósitos da COP30, que se realizará em Belém durante o mês de novembro. Espera-se que as dificuldades operacionais e logísticas que ameaçam a realização desse evento sejam superadas com a maior brevidade possível. Nesta oportunidade, faço uma retificação na data de finalização do referido artigo: onde se lê 30 de agosto de 2025, leia-se 30 de julho de 2025. Continuando, reafirmo ao leitor que identificar os limites e o alcance do desempenho brasileiro na COP30 é um fator determinante para a defesa dos legítimos interesses dos povos amazônicos. Trata-se de uma condição necessária para que os mesmos não permaneçam reféns da transformação de suas culturas e domínios territoriais em um poço de carbono e em um mar de H₂O, conforme preconizado pelos mercenários da ciência e pelos Borba-gatos da modernidade. Essa questão-guia movimentará o alcance heurístico deste e dos futuros textos, que esclarecerão o alcance político das mudanças climáticas na Amazônia, em especial no estado do Amazonas. Região planetária carente de políticas públicas, refém dos empresários gananciosos e amorais e dos políticos arrogantes e desalinhados da modernidade. A história comprova que os sucessivos governos do Brasil não sabem como desenvolver a Amazônia, protegendo as suas culturas e preservando os seus ambientes naturais. Continuam semeando a sua miséria social e destruição cultural e ecológica. A incorporação da ecologia integral em seus modelos de desenvolvimento abre novas perspectivas nobres para o seu futuro próspero.

2.1. Amazônia: ainda há tempo!

Em 21 de abril de 2025, faleceu Francisco. Santo Papa da mudança, da paz, do amor, de entrega aos pobres e marginalizados, defensor e eterno amigo da natureza e dos mais necessitados. Francisco espiritualizou o mundo; mostrou haver uma ordem cósmica, ainda incompreendida pela ciência, pela política e pelo mercado, que nos move em direção à solidariedade, à fraternidade e à coesão social, sempre protegendo os mais frágeis e a natureza. Solicitou licença e entrou em nossas vidas para nunca mais sair, uma bênção às pessoas e às famílias. Interagia e interpretava a Amazônia, diferenciadamente.

Francisco da Amazônia, Amazônia de Francisco, referência humana e divina nessa era civilizatória que viaja em direção ao colapso socioecológico da humanidade. Certamente, a coragem cívica e espiritual, as transcendências e imanências pregadas e irradiadas por Francisco estarão sempre presentes nos corações e nas mentes de todos nós, em especial dos participantes da COP30, iluminando as decisões e resoluções decorrentes desse importante evento.

A importância da Amazônia para as pessoas, para o Brasil e o mundo se apresenta de diferentes formas. Os seus povos e populações se consideram parte indissociável de suas naturezas e culturas. Mas, na conjuntura atual, pergunta-se: que desafios ela suscita para o Brasil e o mundo? Para os cientistas das ciências da natureza, os tecnólogos e os meteorologistas, ela funciona como um mecanismo de reciclagem e de estabilidade climática do planeta, como a morada dos ciclos biogeoquímicos e também como uma fonte inesgotável de recursos ambientais e minerais para a produção de novos materiais. Para os cientistas das ciências humanas, ela se põe como berço de múltiplas culturas milenares integradas à natureza de forma sustentável. Matriz de novas estéticas e socioantropologia das técnicas e dos ambientes integradas ao ideário cósmico, que guiam as estruturas, a práxis e as relações da pessoa consigo própria, com a sociedade, com as suas instituições, e também com a sua participação nas relações de poder, em âmbito nacional e internacional. Para os filósofos e os artistas, ela é um portal de entrada para se compreender a essência do ser, estar e relacionar-se em todas as dimensões físicas e espirituais da gênese e da ação humana. Para os economistas e o mercado, em tese, ela se apresenta como uma fonte infinita de mais-valia e lucro para serem explorados e usufruídos em benefício da iniciativa privada e da humanidade. Aos políticos, ela se põe como um espaço territorial estratégico, nacional e internacional, âncora de seus discursos patrióticos e desconectados da vida autêntica. Pode-se dizer que ela constitui o laboratório científico, econômico e cultural mais complexo do planeta, aberto às experiências em desenvolvimento sustentável, em todas as escalas – a biblioteca viva em superfície sólida e contígua mais diversificada e desafiadora do planeta -, um universo em paralelo, cobiçado e invejado. Embora continue prisioneira da miséria social e econômica extrema.

Papa Francisco apreendia todas essas dimensões da Amazônia, morada de sua ecologia integral, mas tinha interpretações diferenciadas e mais sofisticadas sobre ela. O seu nome papal ou pontifício é autoexplicativo. Ele sempre afirmava que a origem e o destino das pessoas são comuns, incluindo os da natureza. Culto e sábio, lembrava que Deus criou o mundo do nada, mas também lembrava que a essência do mundo emanava de Deus, se irradiava ou efluía de sua natureza divina. Por meio de sua crença inabalável, ele sempre profetizava que a Amazônia era quem melhor representava essa criação, por meio de seus povos originários e de seus trabalhadores. A mensagem de sua encíclica “Laudato Si”, encarnada em sua ecologia integral, é clara e enfática: “Precisamos cuidar e proteger a Amazônia, em especial os seus filhos, tão perseguidos e discriminados pelos governantes e pelas forças produtivas predatórias”. Precisamos fazer as políticas públicas plenas e a presença de Deus alcançar todas as suas localidades.

Mas, sua destruição continua; um tormento interminável. Há uma tendência de os empresários só pararem de destruí-la quando ela não possuir uma única árvore em pé e todos os seus rios estiverem podres, exalando doenças e pestes em todas as direções.

Mas ainda há tempo!    

2.2. Amazônia, COP30 e o Futuro do Planeta: desastres anunciados

Belém, capital do Estado do Pará, sediará a COP30, 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, no período de 10 a 21 de novembro de 2025. Durante esse evento, a Amazônia se transformará na capital ecológica do planeta, em um centro de debates e propostas para o combate das mudanças climáticas e para a promoção do desenvolvimento sustentável, em todas as escalas espaciais e temporais. Essa conferência assume importância singular, à medida que a mesma se realizará na região-planetária que melhor incorpora e legitima a noção de sustentabilidade.

Os seis ensaios em tela descrevem as relações entre a COP30, a Amazônia e o Brasil, num quadro de dificuldades econômicas e políticas que apresenta inúmeras resistências para deter o processo de destruição cultural e ecológica dessa região e do planeta. O esclarecimento dessa questão exige uma breve digressão.

A presença diferenciada da Amazônia na história da humanidade e no processo de estabilidade socioecológica do planeta lhe reserva um lugar especial nos fóruns econômicos e políticos globais. Há dificuldades para mensurar e compreender a complexidade e o significado da Amazônia para as pessoas e a humanidade. Essa falta de compreensão inicial não quer dizer que as pessoas não possuam capacidade intelectual para apreender as suas potencialidades materiais e simbólicas. Ultrapassada essa fase, caracterizada pela identificação e captura de suas realidades construídas a partir de superposições de cenários imagéticos congelados no tempo e no espaço, abre-se, paulatinamente, um mosaico de possibilidades reais e virtuais em movimento e integrado entre si, em busca de unidade e universalidade. Um grandioso mundo transcendente e imanente imerso na riqueza e na fascinação de seus mistérios e segredos. Uma etapa na qual as pessoas passam a ter as ferramentas para se libertarem de suas prisões intersubjetivas e dos campos de conhecimento disciplinares e objetivados, a maioria refém do mercado coisificado. Baseados nesse pressuposto, as pessoas passam a construir uma unidade sistêmica, reunindo elementos que os possibilitam construir sentidos à vida e à práxis. Percebem e compreendem que a Amazônia transcende as relações de poder e as idiossincrasias do universo cartesiano. A partir desse período de acomodação e compreensão intelectual, vislumbra-se uma fase de intensa demolição ideológica de nossos fundamentos existenciais e relacionais, uma revolução dirigida à construção de um novo mundo. Radicalmente diferente daquele que Vicente Pinzón e seus sucessores semearam na Amazônia, desde 1500, quando os europeus pisaram pela primeira vez em solo amazônico, eliminando, escravizando e levando para a Espanha, vários indígenas da região. São 525 anos de tirania política, destruição e colonização da Amazônia em nome do mercado e da diplomacia da paz, agora também tipificada como mudança climática. Finalmente, tem-se o período de reconstrução do ser, estar e relacionar-se da pessoa com as culturas e naturezas, consigo mesmo, e também com o mundo e o universo, em busca da felicidade e da realidade orgânica, centrada na vida autêntica e responsável. Um novo mundo espiritualizado construído em forma entrelaçada à Amazônia e livre de ilusões estéreis e niilistas. Universo assentado na filosofia da Amazônia, descontaminada do existencialismo e do materialismo europeu e da arrogância imperialista. É imprescindível sempre lembrar da eterna presença e sabedoria de Francisco, defensor da vida plena e orgânica para todos.

A COP30, como as demais, representa um fórum global para construir estratégias para embelezar com serpentina e purpurina a tragédia civilizacional decorrente da forma de uso da natureza e das relações de poder que guiaram as ações imperialistas sanguinárias no processo de expansão da cultura ocidental nos diferentes continentes. Em certa medida, com a concordância e benevolência do governo brasileiro, que insiste na mercantilização da Amazônia, na contramão de sua vivificação e uso sustentável em prol de seus povos e do Brasil. Identificar os limites e o alcance do desempenho brasileiro na COP30 é um fator determinante para a defesa dos legítimos interesses dos povos amazônicos, que não podem permanecer reféns de suas transformações em um poço de carbono e em um mar de H₂O.

Os relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, IPCC, publicados desde 2020, reafirmam evidências concretas da tendência de crescimento do aquecimento global. Destacam, com pequenas diferenças, o aumento da temperatura média do planeta em 1,6 °C até 2040, e o descongelamento das camadas de gelo do Ártico antes de 2050, colaborando para a subida do nível do mar em 55 cm ou mais, e o aumento cíclico das temperaturas extremas, entre outros impactos deletérios. Na verdade, há grandes incertezas físicas nessas previsões que oscilam entre o apocalipse climático pregado pelos ambientalistas e meteorologistas e a integralidade absoluta e eterna da natureza em contraponto ao seu uso exacerbado, induzido pela ganância infinita dos empresários que privatizaram o planeta em benefício próprio. Mas, considerando que estamos todos acomodados na mesma nau que continua viajando desgovernada sem direção e propósitos humanistas, recomenda-se bom senso, prevenção e medidas práticas contra as tragédias anunciadas. Pois os impactos da crescente depreciação ecológica planetária e das desigualdades sociais em nossas vidas continuam se manifestando crescentemente, provocando desconfortos físicos, mentais e espirituais.

Fotografias de acesso livre disponibilizadas na internet. Acesso em julho 2022

Em geral, desde 2020, as Conferências das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, COPs, realizadas anualmente, estabeleceram uma agenda global para a próxima década. Medida necessária, mas insuficiente para deter a crise climática, que põe em risco o bem-estar e a perpetuidade da espécie humana. As decisões institucionais dessas Conferências, assim como as das anteriores, abarcando essa temática, são pífias; postergam para o futuro as medidas práticas estruturantes necessárias para desacelerar as mudanças climáticas e proteger a vida e o planeta. Em forma difusa, essas agendas recomendam diminuir o uso dos combustíveis fósseis e das emissões dos gases de efeito estufa. Estabelecem a necessidade de fomentar um fundo de investimento e intensificar os acordos de cooperação entre os países em desenvolvimento, para mitigar as causas e os efeitos da emergência climática, da injustiça ambiental e da desigualdade social e econômica. Propõem construir a transição para o desenvolvimento limpo, diminuir o desmatamento, em especial nas regiões tropicais, e fomentar a construção de inovações tecnológicas para o desenvolvimento sustentável. Elas têm como foco central a preservação da vida e da natureza, embora continuem considerando a gênese humana dissociada dessa mesma natureza. Isso contribui para que as abordagens técnicas, funcionalistas e burocráticas dos especialistas nesses fóruns mundiais dificultem a construção de princípios e diretrizes que possam guiar políticas públicas regionais e globais mais abrangentes, consistentes e sistêmicas.

Durante o processo de discussão e deliberação nesse fórum mundial, os interesses econômicos e políticos dos países centrais, de segmentos empresariais organizados, ONGs, entre outros atores sociais, sempre acabam prevalecendo. Neste sentido, as COPs têm se apresentado como um ‘balcão de negócios’ global, a serviço dos países industrializados e de segmentos de interesses particularizados nacionais e internacionais, facilmente identificados. É importante registrar que, após mais de 50 anos de debates em conferências institucionais nacionais e globais, a humanidade continua refém da ganância do mercado e da arrogância política de um pequeno grupo de países. Ela continua sendo empurrada na direção de uma catástrofe ambiental e social sem precedente. A falta de empenho e determinação dos Estados Unidos e da China, maiores poluidores do planeta, em concretizar medidas efetivas ao combate das mudanças climáticas agrava esse quadro e gera mais incertezas. Os especialistas céticos dizem que é mais fácil acabar com o mundo do que com o capitalismo predatório. As guerras em curso e a gestão presidencial de Donald Trump nos Estados Unidos, a partir de 2025, aceleraram a taxa de crescimento do efeito estufa e da injustiça ambiental. Colaboram para intensificar as mudanças climáticas e os seus efeitos deletérios, em todos os lugares, e dificultam a construção de uma matriz industrial limpa e sustentável, com impacto global.

Em forma ampla, a expansão e a ampliação dos desastres naturais reafirmam a necessidade de mais controle e proteção dos mais pobres, das grandes reservas florestais e dos ciclos biogeoquímicos, em escalas regionais e planetárias. Essa exigência política e econômica prevê uma governança global para assegurar a mitigação das mudanças climáticas e da injustiça social e ambiental. Certamente, essa medida requer uma ruptura com a política industrial standard e com o atual ordenamento ecológico mundial. Demanda o alinhamento político, em forma ponderada, com o princípio de autodeterminação dos povos e o princípio de responsabilidade, que propugnam a necessidade de se ter uma vida humana autêntica e responsável, incluindo o acesso pleno às políticas públicas e a preservação dos ambientes naturais. A principal dificuldade política na concretização deste cenário deve-se à sua complexidade institucional, simultaneamente regional e global, que tensiona os fundamentos da democracia ocidental, assentados no capitalismo da privatização absoluta, do lucro infinito e das relações de poder assimétricas.

Fotos de acesso livre disponibilizadas na internet. Acesso em março de 2021.

A nova geopolítica global, em processo de reestruturação, abarca a Amazônia diferenciadamente, tornando-a refém de uma governança centrada na sustentabilidade do mercado. Resolver os múltiplos problemas em rede que compõem esse cenário exige sabedoria e determinação política na escolha da mais simples: a construção de alternativas que possibilitem a mudança radical das relações humanas e dos processos econômicos com a natureza.

2024 foi um ano dramático para a Amazônia. Revelou os limites de crueldade e de descompromisso de agentes econômicos locais e regionais direcionados à sua destruição cultural e ecológica, diante da passividade e omissão de seus governantes e do poder judiciário. Aspectos gerais que guiaram a injustiça ambiental no Estado do Amazonas em 2024, e as futuras incertezas e impasses do desenvolvimento sustentável da Amazônia presentes nas discussões na COP30, serão analisados no próximo artigo.

Manaus, 7 de agosto de 2025

Referências

Amazônia: Vida, Utopias e Esperanças, Marcílio de Freitas, Ed. Dialética, SP, Agosto de 2025.

Manuscrito vencedor dos Prêmios Literários Cidade de Manaus 2024, categoria ambiental: Djalma Batista. (em processo de publicação pela Editora Dialética).

Amazônia: Redenção ou Destruição, Marcílio de Freitas, Ed. Dialética, SP, Julho de 2025.

Link:https://loja.editoradialetica.com/loja/produto.php?loja=791959&IdProd=1244258753&iniSession=1&hash=690099682

Era uma vez, a Amazônia, Marcílio de Freitas, Ed. Dialética, SP, Maio de 2025.

Link:https://loja.editoradialetica.com/loja/produto.php?loja=791959&IdProd=1244258055&iniSession=1&hash=832932290

Socioantropologia das Técnicas e Ambientes: Dos fundadores às novas orientações, Olivier Meunier e Marcílio de Freitas, Ed. Dialética, SP, Maio de 2025.

Link:https://loja.editoradialetica.com/loja/produto.php?loja=791959&IdProd=1244258045&iniSession=1&hash=796403450

WHO WILL SAVE AMAZONIA? World heritage or full destruction, Marcílio de Freitas e Marilene Corrêa da Silva Freitas, Nova Science Publishers, NY, July 14, 2021.

Link: https://novapublishers.com/shop/who-will-save-amazonia-world-heritage-or-full-destruction/

THE FUTURE OF AMAZONIA IN BRAZIL: A worldwide tragedy, Marcílio de Freitas e Marilene Corrêa da Silva Freitas, Peter Lang Publishing, NY, April 2020.

Link: https://www.peterlang.com/view/title/72693

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