Manaus, 27 de agosto de 2025

Amazônia, Estado do Amazonas, Governo Brasileiro, Papa Francisco e a Cop30: Hipocrisia e Engodo – Artigo 4/6

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Breve retrospectiva

Os três ensaios autorais anteriores, em ordem, apresentaram o design, os desafios e as controvérsias que movimentarão a COP30. Mostraram também a importância da ecologia integral do Papa Francisco em contraponto às crueldades e aos descompromissos de agentes econômicos locais e regionais direcionados à destruição cultural e ecológica da Amazônia Pan-americana. Este ensaio analisará os fundamentos e os desdobramentos imediatos da concepção civilizatória que Papa Francisco, a partir da Amazônia, semeou ao mundo, dirigida à sua redenção aos autênticos valores da vida plena, espiritualizada, fraterna e solidária. Descreverá também uma projeção da intervenção apática e difusa do estado nacional na região, por meio das possíveis relações governamentais durante a COP30, numa Amazônia cada vez mais fragilizada e subsumida pelo mercado predatório.

4.1. Papa Francisco e a COP30: escolhas e especificidades

A Igreja Católica sempre foi preocupada com a Amazônia. Antecipando-se e se contrapondo às ações políticas desastrosas do Estado nacional nessa região, o Papa Francisco liderou a Organização da Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos, em outubro de 2019, em Roma. Naquela ocasião, esse Encontro incorporou a discussão sobre os principais problemas amazônicos. Desde então, o Vaticano definiu suas novas diretrizes e ações operacionais para essa região. Segundo o Papa Francisco, promover e proteger os seus povos e ambientes numa perspectiva sustentável, espiritualizada e compartilhada, passou a ser o principal compromisso da Igreja na Amazônia.

Esse Sínodo discutiu uma agenda amazônica, por meio das seguintes temáticas: Amazônia: novos caminhos para a igreja e para uma ecologia integral; O futuro do planeta e a Amazônia; Os povos amazônicos, seus territórios, a natureza e a cultura; e A diversidade sociocultural e os direitos humanos. Os seus participantes também debateram: o conhecimento tradicional e a ciência moderna; a justiça e as políticas públicas; e a espiritualidade e a sabedoria, entre outros temas secundários.

Em linhas gerais, esse Sínodo reafirmou a importância dessa região e de sua cultura para o mundo; e apresentou as diretrizes para uma Igreja com a identidade amazônica. Ela renovou o seu compromisso em construir um mundo menos orientado para o consumo e mais engajado com os valores cristãos. Foram emolduradas as dimensões religiosas e proféticas articuladas a uma nova relação entre humanos e natureza, em forma sustentável, e ratificado o seu comprometimento cristão com a defesa dos povos amazônicos.

Vossa Santidade pregou que a natureza não tem preço, não tem valor econômico, ela é parte integrante e indivisível de nossa identidade cultural e espiritual. Orientou aqueles que se guiam pela avareza, pela luxúria e pela tristeza, semeando guerras e sofrimentos, mostrando-lhes o caminho da paz, da solidariedade e da fraternidade com os mais fracos e oprimidos. Sempre dizia: somos todos filhos de Deus!

Papa Francisco plantou, germinou e semeou esse quadro de referência global por meio de sua ecologia integral, proposta na encíclica ‘Laudato Si’, que também reverbera e simultaneamente se irradia a partir da Amazônia. Em mais uma lição de sabedoria e humildade, Francisco mostra que a natureza é uma criação de Deus, não tem pele e, portanto, encontra-se em todos os lugares, internos e externos ao nosso ser, estar e relacionar-se. Ela é uma dádiva, uma bênção, uma entidade indissociável dos humanos, devendo ser protegida em todas as suas dimensões materiais e espirituais. Francisco sempre alertava: precisamos mudar as nossas relações com a natureza!

Os ensinamentos de Francisco deveriam guiar as ações das pessoas, dos governantes e também das organizações não governamentais, pois a natureza é um bem público espiritualizado que deve ser usufruído pela humanidade, mas aperfeiçoada cada vez mais por ela. Ela não pode continuar sendo tratada como uma mercadoria descartável em contínuo processo de mais-valia. Ela é viva, e portanto tem uma dimensão espiritual, transcendente e imanente, que nos ilumina e vivifica.

Ao contrário da tese defendida pelos ambientalistas mercenários e pelos cientistas oportunistas, a principal responsabilidade das autoridades brasileiras na coordenação da COP30, não deveria se prender à expansão do financiamento global à mitigação da mudança climática, dos atuais US$ 300 bilhões anuais para US$ 1,3 trilhão até 2035. A mercantilização da Amazônia, na parte que lhe cabe, por meio de grupos vampirescos e por setores burocráticos do próprio governo brasileiro, constitui um acinte aos seus povos e trabalhadores. O amadorismo, a hipocrisia e a amoralidade das proposituras desses segmentos políticos e empresariais para a sustentabilidade da Amazônia precisam ser subsumidas por propostas e programas nacionais e globais dirigidos ao aperfeiçoamento de suas políticas públicas. Essas cooperações se dariam por meio de parcerias transparentes centradas, prioritariamente, nas suas políticas públicas de educação, ciência e tecnologia, e na formação técnica e cívica dos trabalhadores e da juventude amazônica, em seus respectivos municípios. Isto também vale para as demais regiões tropicais úmidas do planeta, estratégicas ao combate da emergência climática.

4.2. Governo Brasileiro e a COP30: lembranças fugazes

Os governantes brasileiros não desenvolverão a Amazônia por meio da COP30. Este evento poderá, no limite, construir os fundamentos de estratégias para o fortalecimento dos programas de combate à emergência climática e à injustiça ambiental, para a próxima década. Como as anteriores, ela postergará para o futuro as medidas que deveriam ser imediatamente implementadas em defesa da preservação da natureza e do desenvolvimento sustentável.

O fracasso governamental, em todas as instâncias políticas, no combate sistêmico da contínua destruição cultural e ecológica da Amazônia, contribui para a tese generalizada de que o Brasil não sabe cuidar e desenvolver a Amazônia, de forma sustentável. As estatísticas que o governo brasileiro mostrará na COP30 sobre o estado de arte da Amazônia são pífias e vergonhosas. Atualmente, ela é uma das regiões com os piores indicadores de desenvolvimento humano e mais desprotegida do planeta. Também, nesse sentido, a COP30 será iluminada por um jogo de luzes que camuflará os reais problemas estruturais e conjunturais que impedem o seu desenvolvimento e a sua preservação, vários deles incrustados nos tecidos burocráticos e nos modos de organização e articulação governamentais.

Portanto, vários fatores contribuirão para o insucesso deste evento global, entre os quais destaco cinco deles. O formato de seu design e modo de organização. A incapacidade e a incompetência dos governos estaduais e federais da região e do Brasil, para proporem uma política de desenvolvimento social e econômica consistente e integrada às suas culturas e domínios territoriais, assentada em plataformas científicas e tecnológicas inovadoras e compartilhadas. A ausência de importantes lideranças globais e as incertezas políticas desse evento fragilizarão o seu protagonismo e o seu alcance político em decorrência das guerras atuais e da nova geopolítica global em curso. A total dissociação de suas decisões políticas e econômicas das condições de vida das comunidades interioranas e das políticas públicas municipais amazônicas; e finalmente, a discriminação política contra as instituições, os gestores e os empresários da região, deliberadamente afastados de seus processos de organização e avaliação.

Nesse quadro de incertezas e controvérsias, pode-se dizer que a COP30, como as anteriores, será subsumida pelo conjunto de negociações econômicas comandado pelas ONGs, com apoio governamental, em nome dos povos da Amazônia, principais responsáveis pela preservação da região. Um tipo de estratégia política que propõe transformar, definitivamente, a Amazônia num sorvedouro infinito de carbono imerso num mundo de águas, congelando-a num estado de preservação absoluta, permeado por compensações econômicas por meio de bolsas de amparo às suas populações, transformadas em guardas florestais. Trata-se de um simulacro da modernidade, que congela a miséria na região mais diversa e abundante em recursos naturais do planeta.

De certa forma, saímos da diplomacia da terra plana e da Amazônia com as porteiras abertas, para a diplomacia da hipocrisia política e do capital da mesquinhez, camuflados pela noção de sustentabilidade da miudeza. Na verdade, o governo brasileiro continua sem saber o que fazer com a Amazônia, trata a região como “quintal” do Brasil. Pode-se projetar que o Brasil a destruirá sem compreender sua importância e seu significado para os seus povos, para a sociedade brasileira e para a humanidade. Sua morte anunciada revela-se num processo político que conta com a passividade e a complacência dos seus governantes, de amplos setores do sistema judiciário e de suas representações políticas federais, estaduais e municipais. O discurso isotérico do desmatamento-zero até 2030, da economia verde e da descarbonização da matriz industrial brasileira, a curto prazo, acaba contribuindo para cristalizar a miséria social e econômica na região, considerando que nenhuma outra alternativa econômica próspera e inovadora é posta e efetivada na região. Um engodo político a serviço da ilusão da sustentabilidade governamental.

A sustentabilidade compartilhada e municipalizada associada às principais matrizes industriais da região, a Zona Franca de Manaus e o Polo Minero-metalúrgico do Pará, ainda são sonhos distantes na região, imersa num mar de miséria e sofrimento. Implantar na região uma política de formação técnica e de ciência e tecnologia consistente e inovadora é uma necessidade premente, que continua sendo postergada pelos gestores públicos e privados. Política que possibilitará criar localmente as condições estruturantes para a transformação dos minérios in natura exportados em bens e produtos duráveis e a construção de uma plataforma de processos e arranjos produtivos e sustentáveis, articulada e também sediada nos municípios amazônicos, conforme os seus interesses e vocações culturais e econômicas. A partir dessas diretrizes, pode-se planejar e executar, com êxito, o desenvolvimento sustentável da Amazônia, incluindo o combate às mudanças climáticas e à injustiça ambiental, a partir de suas políticas públicas municipalizadas.

Outra questão suscita preocupações locais e globais: quantas desgraças e doenças poderiam ser espalhadas ao mundo com a destruição desta região fantástica? Uma tragédia anunciada que já se encontra em curso. Atualmente, ainda há mais de 50 mil garimpos ilegais na Amazônia e um incessante desmatamento que resultou em cerca de 150 mil focos de queimadas em 2024. A fumaça persistente e o crescente uso de mercúrio, germicidas e fungicidas na região estão contaminando as suas bacias hídricas e desencadeando um conjunto de doenças e problemas para suas populações e os brasileiros.

Estimulados pela fragilidade estrutural dos atuais modelos de desenvolvimento da região, posseiros, garimpeiros, madeireiros, fazendeiros, especuladores, aventureiros, entre outros, têm assassinado suas lideranças indígenas, desmatado suas florestas e poluído a sua bacia hidrográfica com danos irreversíveis aos seus ambientes naturais e às suas culturas. Contribuem para a construção da pobreza e a intensificação da mudança climática numa das regiões mais desprotegidas e com os piores indicadores sociais do planeta.

Infelizmente, num futuro breve, a COP31 retomará as discussões e proposições da COP30 como lembranças fugazes transportadas pelos ventos quentes dos trópicos úmidos. O próximo ensaio, 5/6, mostrará ser possível construir outra Amazônia, conforme os interesses de seus povos e instituições e de um Brasil comprometido com um futuro próspero e sustentável.

Referências

Amazônia: Vida, Utopias e Esperanças, Marcílio de Freitas, Ed. Dialética, SP, Agosto de 2025.

Manuscrito vencedor dos Prêmios Literários Cidade de Manaus 2024, categoria ambiental: Djalma Batista.

Amazônia, em versos, Marcílio de Freitas, Ed. Dialética, SP, Agosto de 2025.

Link: https://loja.editoradialetica.com/loja/produto.php?loja=791959&IdProd=1244258917&iniSession=1&hash=152619726

Amazônia: Redenção ou Destruição, Marcílio de Freitas, Ed. Dialética, SP, Julho de 2025.

Link:https://loja.editoradialetica.com/loja/produto.php?loja=791959&IdProd=1244258753&iniSession=1&hash=690099682

Era uma vez, a Amazônia, Marcílio de Freitas, Ed. Dialética, SP, Maio de 2025.

Link:https://loja.editoradialetica.com/loja/produto.php?loja=791959&IdProd=1244258055&iniSession=1&hash=832932290

Socioantropologia das Técnicas e Ambientes: Dos fundadores às novas orientações, Olivier Meunier e Marcílio de Freitas, Ed. Dialética, SP, Maio de 2025.

Link:https://loja.editoradialetica.com/loja/produto.php?loja=791959&IdProd=1244258045&iniSession=1&hash=796403450

WHO WILL SAVE AMAZONIA? World heritage or full destruction, Marcílio de Freitas e Marilene Corrêa da Silva Freitas, Nova Science Publishers, NY, July 14, 2021.

Link: https://novapublishers.com/shop/who-will-save-amazonia-world-heritage-or-full-destruction/

THE FUTURE OF AMAZONIA IN BRAZIL: A worldwide tragedy, Marcílio de Freitas e Marilene Corrêa da Silva Freitas, Peter Lang Publishing, NY, April 2020.

Link: https://www.peterlang.com/view/title/72693

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