Os quatro ensaios anteriores apresentaram as controvérsias e os desafios que movimentarão a COP30. Destacaram e contextualizaram a concepção civilizatória que Papa Francisco, a partir da Amazônia, semeou ao mundo, dirigida à sua redenção aos autênticos valores da vida plena, espiritualizada, fraterna e solidária. Reafirmaram a necessidade de se proteger a Amazônia, por meio de uma política de desenvolvimento sustentável vocacionada e compartilhada, a partir de seus municípios. Este ensaio comprovará ser possível construir outra Amazônia, conforme os interesses de seus povos e instituições e de um Brasil comprometido com um futuro próspero e sustentável.
5.1. Amazônia: cenários transcendentais e processos históricos
O atual processo de concentração e acumulação do capital abarca desde a circulação global da mercadoria virtual até o capital natural, incluindo os solos, as águas e a atmosfera e todos os seus componentes, biológicos ou não. A dimensão planetária da questão socioecológica e os serviços ambientais prestados pelos diversos biomas da Terra, em particular pela Amazônia Pan-americana, pelo sudeste da Ásia e pela África Central, constituem um conjunto de interesses que articulam o mercado com essas regiões, países e continentes.
A geopolítica global em curso credencia a Amazônia como uma região diferenciada para experimentos relacionados com o desenvolvimento sustentável, e a reafirma como o principal laboratório ambiental do planeta. Reserva também um “lugar” especial para ela nos projetos mundiais. O “lugar” do mundo na Amazônia está relacionado com nexos que soldam a Amazônia nos fundamentos da cultura ocidental.
Uma questão complexa refere-se à significação teológica da Amazônia. A cultura judaico-cristã tem uma matriz, uma gênese ou origem do mundo centrada na condição perfeita perdida, o Paraíso. A localização ficcional da árvore-da-vida, imortalidade, e da árvore da ciência, do bem e do mal, na Amazônia, reserva um lugar especial para as representações teológicas mundiais em seus domínios territoriais e culturais; importância que se amplia à medida que a concentração financeira global se intensifica.
Outro aspecto singular é que, a médio prazo, o modelo de desenvolvimento “standard” dos países centrais tende a entrar em colapso. Os fundamentos das teses concebidas por esses países como universais durante os séculos 19 e 20, não respondem, não comportam, não têm alcance heurístico para resolver os grandes e sofisticados problemas da pós-modernidade; problemas gerados, majoritariamente, pelos sistemas políticos ocidentais. Em forma ampla, a questão ecológica põe-se como um dos principais agentes catalisadores dos processos econômicos e políticos, em todas as escalas temporais e espaciais. A indivisibilidade da noção sustentabilidade-ecologia contribuiu para fundir a Amazônia nos Projetos Nacionais dos países mais ricos do planeta, desdobrando-se em ações políticas duradouras desses países nessa região tropical.
Por outro lado, a possibilidade de desestabilização ecológica do planeta pôs em destaque o paradigma do desenvolvimento sustentável. A necessidade de se dar concretude técnica e política a esta noção reafirmou a Amazônia como o principal laboratório ambiental mundial. É como se ela tivesse as respostas para vários problemas técnicos estruturais dos modelos de desenvolvimento dos países centrais.
Finalmente, outra dimensão política que cristaliza a presença do mundo na Amazônia é a implantação de um contrato natural em âmbito planetário. A regulação e o controle desse empreendimento político exigem institucionalizar as estruturas econômicas e políticas globais na Amazônia. A possibilidade das representações materiais e simbólicas amazônicas “aprisionarem” aspectos científicos ainda indecifráveis continua sendo um dos nexos dos grupos econômicos que detém a hegemonia das tecnologias de ponta com os processos transnacionais, em curso nessa região.
O “lugar” da Amazônia no mundo e o “lugar” do mundo na Amazônia não têm o mesmo centro de sustentação; estes “lugares” estão apoiados em articulações móveis, nem sempre coincidentes, por meio de empreendimentos políticos e econômicos. Envolvem, também, simbologias que a incrustam no pensamento universal e no processo de ocidentalização planetária.
A superposição desses dois “lugares” em benefício de seus povos e do Brasil só pode ser obtida plenamente pelos amazônidas, sujeitos e herdeiros legítimos de sua cultura ancestral e pós-moderna.
5.2. Amazônia, Brasil e a COP30: notas complementares
Insisto que os problemas que a Amazônia suscita ao mundo são complexos e têm alcance planetário. Ela é estratégica ao Brasil e à humanidade. Destaco, novamente, a sua participação na construção de uma nova concepção estética para a humanidade e o seu desenvolvimento sustentável na condição de maior biblioteca viva e aberta do mundo. Assim como, a sua condição de espaço estratégico ao Brasil e ao mundo, e o seu papel de mecanismo de reciclagem ecológica do planeta. Sua condição de termostato e mecanismo de estabilidade climática do planeta reafirma a sua importância global. Suas características culturais e ecológicas precisam ser disseminadas e popularizadas no Brasil e no mundo, em todos os momentos e lugares, para podermos valorizar as suas culturas e a natureza, e suas importâncias para o aperfeiçoamento das pessoas, da sociedade e da humanidade.
A Amazônia precisa de um programa de desenvolvimento apoiado numa reforma fiscal e tributária que estimule e promova uma política industrial vocacionada à região. Como construir o desenvolvimento social e econômico da região e do Brasil sem derrubar uma árvore e destruir sua natureza? Este deveria ser o princípio-guia. Deve-se priorizar a bioindústria, incluindo fármacos, cosméticos, perfumaria e alimentação, piscicultura e fruticultura, a mineração ecológica, novas fontes de energia limpa, serviços ambientais, química fina, ecoturismo, agroecologia, biojoias e artes indígenas. Outra dimensão econômica imprescindível ao seu desenvolvimento refere-se às inovações de novos materiais para as tecnologias da indústria aeronáutica, de quatro e duas rodas, naval, eletrônica, robótica, cibernética, comunicação, habitação, tecelaria, gestão ambiental, antropologia dos trópicos, tecnologias de informação e comunicação, designer, entre outros arranjos produtivos. Todos concebidos e desenvolvidos a partir de estruturas laboratoriais locais.

Fotografias do acervo do autor
Deve-se, também, construir novos termos de acordos fiscais e tributários com os grupos empresariais e transnacionais instalados no polo minero-metalúrgico no Pará e na Zona Franca de Manaus. Esta ação política possibilitará criar as bases estruturantes para uma nova política industrial na região centrada na inovação, ciência e tecnologia high-tech e movimentada por programas sustentáveis, sediados na região. Simultaneamente, é importante, que o poder público compartilhe parcerias com grandes grupos industriais internacionais bem sucedidos em áreas estratégicas, construindo regulamentações que protejam o Brasil e os seus interesses políticos, econômicos e sociais, e gerando novos arranjos produtivos e processos de gestão à nossa economia.
A implantação de laboratórios de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos na região deve ter destaque neste importante empreendimento que criará perspectivas altivas para nossa juventude e o Brasil. Interiorizar o estado nacional na região e institucionalizar as estruturas de ciência e tecnologia em seus municípios se põe como condição para acelerar o seu desenvolvimento em bases sustentáveis. Sua integração regional e nacional e sua incorporação ao projeto nacional são o principal desafio dos gestores e dos políticos brasileiros. A transferência política da capital do Brasil para a Amazônia consolidará este quadro histórico que certamente colocará, rapidamente, essa nação no ranking dos países mais desenvolvidos e com uma das menores taxas de desigualdade social no mundo.
5.3. O Brasil da Amazônia ou a Amazônia do Brasil
O Brasil precisa exercitar o seu papel de indutor de estruturas, sistemas e processos voltados ao desenvolvimento sustentável da Amazônia de forma mais radical e ousada. Investir 1 trilhão de reais num prazo de 10 anos garantirá certamente o sucesso desse novo projeto brasileiro. O convencimento da Câmara dos Deputados e do Senado Brasileiro é outro desafio político. Historicamente, as representações políticas dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, incluindo todos os seus respectivos fóruns e vertentes políticas, sempre resistem à mudança dos eixos econômicos do Brasil. A Amazônia tem os piores índices de desenvolvimento e as políticas públicas mais fragilizadas do Brasil. Ela é uma das regiões do planeta mais desprotegida social e economicamente. Se ela fosse um país, certamente, num período de 20 anos, estaria entre os cinco países mais desenvolvidos do mundo. O seu desenvolvimento não pode ser do tipo fumacento, irrigado por rios com os graus de contaminação do Rio Tietê, ou da Bahia da Guanabara, ou do Rio das Velhas, ou, finalmente, do Rio dos Sinos.
O seu uso sustentável coloca-se como a única forma do Brasil entrar para o ranking dos países desenvolvidos a médio prazo. Neste sentido, o seu desenvolvimento sustentável é mais importante que o tipo de desenvolvimento sediado na Avenida Paulista. A pressão internacional e a opinião pública mundial são a última resistência política à sua destruição. O atual quadro econômico e político, nacional, comprova que continuamos vivendo num país sem futuro. A Amazônia precisa ser ocupada com livros, artes, laboratórios para inovação de novos materiais e produtos sustentáveis e por nossa juventude empreendedora, e não por aventureiros e destruidores da natureza, representantes do mercado mórbido e do capitalismo predatório.

Ainda há tempo! A sua sustentabilidade plena precisa ser construída a partir dela, conforme expresso adiante, por meio de três conjuntos de proposituras temáticas, estratégicas e prioritárias.
O núcleo central exige mobilizar a sociedade e as instituições brasileiras para reafirmar a importância da educação, ciência e tecnologia como processo de humanização e desenvolvimento socioeconômico da Amazônia e do Brasil. Investir 1 trilhão de reais na Política de Ciência, Tecnologia e Inovação, CTI, direcionada à sua integração regional e pan-americana ao projeto nacional, durante dez anos consecutivos; e integrar as parcerias entre os governos federal, estaduais e municipais e o setor privado, criando as condições estruturais para a sua sustentabilidade plena.
O segundo grupo de reivindicações, mais operacional, propõe garantir a soberania e institucionalizar a presença do Estado nacional na região. Isto exige descentralizar, interiorizar e integrar as agências estaduais e federais de planejamento e execução de políticas públicas e de desenvolvimento socioeconômico, tipo: BNDES, Fundo Amazônia, FINEP, INPE, entre outros. Fortalecer a cooperação entre o Brasil e os países amazônicos por meio de empreendimentos de educação e CTI. E priorizar investimentos em CTI articulados às suas políticas públicas de educação, saúde, transporte, abastecimento e segurança alimentar, integradas à agricultura familiar, habitação, bioindústria, inclusão digital e aos mecanismos de desenvolvimento limpo implantados na região. Em igual grau de importância, é preciso acelerar o processo de integração da Amazônia ao sistema nacional de produção, distribuição e uso de eletricidade, e ao uso sustentável de fontes alternativas de energia. Criar tecnologias sociais que assegurem o acesso das populações interioranas às redes digitais de comunicação e informação regionais, nacionais e globais; e implantar centros de diagnóstico e controle de desmatamento ilegal e uso da terra. A mesma prioridade deve ser direcionada para a implantação de uma política pública em serviços ambientais integrada à região, à recuperação de áreas degradadas, à conservação da biodiversidade, dos recursos hídricos e à mitigação das mudanças climáticas.
Finalmente, deve-se priorizar o seu zoneamento ecológico-econômico e criar projetos estruturantes que ampliem e incorporem mais competitividade às suas matrizes industriais e produtivas. Assegurar a formação científica e os direitos constitucionais aos povos indígenas e às comunidades tradicionais, e promover a equidade social no que se refere às questões de gênero, geração, raça, classe social e etnia. Organizar a Universidade Intercultural e implantar uma plataforma tecnológica para o uso e preservação da água em todos os seus centros urbanos e rurais, priorizando a integração da bacia hídrica Pan-Amazônica. Revitalizar o seu sistema aeroportuário, privilegiando sua integração municipal, regional e nacional, e sua interligação modal e rodo-aéreo-fluvial; e finalmente institucionalizar um programa nacional de popularização da CTI centrado na Amazônia.
O Brasil da Amazônia não pode continuar acorrentando esta região e os seus povos em nome de uma soberania nacional hipócrita e de interesses internacionalistas comandados pelo mercado global excludente. A Amazônia do Brasil precisa exercitar o seu papel de capital-mundial da sustentabilidade espiritualizada e compartilhada, uma dádiva que necessita se transbordar para os locais, as cidades e os continentes, criando novos caminhos nobres para a humanidade.
Portanto, a COP30 deveria ser um fórum de debates e propostas voltadas ao desenvolvimento sustentável da Amazônia, a partir da mesma. Certamente, essa dimensão política será subsumida pelos interesses de grupos vampirescos e da academia subjugada pela tirania do mercado globalizado. O sexto e último ensaio apresentará a propositura de um conjunto de programas científicos e tecnológicos e o legado da COP30 para a Amazônia, em especial, para a cidade de Belém, e uma singela homenagem ao Papa Francisco.
Referências
1. Amazônia: Vida, Utopias e Esperanças, Marcílio de Freitas, Ed. Dialética, SP, Setembro de 2025. Manuscrito vencedor dos Prêmios Literários Cidade de Manaus 2024, categoria ambiental: Djalma Batista. (Em processo de lançamento).
Sinopse: A partir da Amazônia, o autor propõe novas utopias para elevar e emoldurar os compromissos da humanidade com a construção da paz, o combate à mudança climática e à injustiça ambiental. Este é o livro de esperanças e amor às pessoas.
2. Amazônia, em versos, Marcílio de Freitas, Ed. Dialética, SP, Agosto de 2025.
Sinopse: Amazônia, em versos, é um fecundo encontro da ciência com fragmentos da literatura na vivificação da Amazônia. Por meio de 69 poemas, apresenta-se como um tributo à Amazônia.
3. Amazônia: Redenção ou Destruição, Marcílio de Freitas, Ed. Dialética, SP, Julho de 2025.
Sinopse: O autor demonstra que os governantes brasileiros consideram a Amazônia como sendo um entrave político às suas governanças, não sabem o que fazer com ela. Com 6 estudantes universitários propõem uma política de educação, ciência e tecnologia para o seu desenvolvimento sustentável.
4. Era uma vez, a Amazônia, Marcílio de Freitas, Ed. Dialética, SP, Maio de 2025.
Sinopse: Esta obra é uma homenagem sensível à Amazônia; apresenta suas formas, conteúdos, potências motoras, resiliências e fontes de transcendências, imanências e encantamentos. Reafirma sua importância civilizatória e alerta que o futuro de nossas crianças é muito dependente dela.
5. Socioantropologia das Técnicas e Ambientes: Dos fundadores às novas orientações, Olivier Meunier e Marcílio de Freitas, Ed. Dialética, SP, Maio de 2025.
Sinopse: Este livro apresenta a importância dos objetos e das técnicas em nossas vidas, numa perspectiva francesa. Explica como a sustentabilidade se insere neste universo heurístico, criando novas formas de apropriação e ressignificação das técnicas e de seus alcances sociais e econômicos. Propõe novos caminhos e alternativas para a humanidade.
6. Who Will Save Amazonia? World heritage or full destruction, Marcílio de Freitas e Marilene Corrêa da Silva Freitas, Nova Science Publishers, NY, July 14, 2021.
Sinopse: A Amazônia está morrendo. Quem vai salvá-la? Quando? Como? Sua transformação em Patrimônio Mundial é urgente. Suas culturas estão sendo destruídas. Elas são elementos importantes para a história antropológica e arqueológica da humanidade. Seu futuro depende de todos nós.
Link: https://novapublishers.com/shop/who-will-save-amazonia-world-heritage-or-full-destruction/
7. The Future of Amazonia in Brazil: A worldwide tragedy, Marcílio de Freitas e Marilene Corrêa da Silva Freitas, Peter Lang Publishing, NY, April 2020.
Sinopse: Por que a Amazônia é a última utopia ecocultural da humanidade? Por que o capitalismo não tem alcance teórico e empírico para transformá-la em uma commodity sustentável? Como protegê-la da estupidez humana e da ganância do mercado? Estas questões são analisadas neste livro.
Link: https://www.peterlang.com/view/title/72693
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