Manaus, 22 de novembro de 2024

Amazônia, os alertas mundiais e a reputação da ZFM

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O Polo Industrial da Zona Franca de Manaus precisa avançar na diversificação e adensamento produtivo de que é capaz. Alertas é o que não faltam. Precisa, porém, seguir no fortalecimento do protagonismo de sua representação de classe e, se for o caso, recorrer aos mandamentos constitucionais para que os benefícios financeiros recolhidos pela Indústria sejam alocados em diversificação e adensamento da atividade econômica, sempre com baixo carbono, a favor da população vitimada pelas atividades ilegais na Amazônia, do clima e da reputação do programa ZFM? 

Um alvoroço tomou conta nos portais de notícia da floresta neste Maio Amarelo de violência no trânsito de veículos e de pessoas. Na agitada metropole manauara, não mais que de repente, foi decretado um ‘salve-se quem puder”, pela confusão formada com a leitura de orelhada do Relatório do Banco Mundial, publicado há duas semanas. desperdiçamos críticas pontuais ao programa Zona Franca de Manaus, sua comprovada ineficiência no trato das mazelas sociais, crônicas e reincidentes.

Curiosamente muitos insistem em chamar de modelo ZFM, uma presunção imodesta que ignora as dificuldades na distribuição da riqueza para o tecido social. Uma cidade com altos indicadores de riqueza exportada para os cofres federais e que insiste em aceitar que aqui restem apenas migalhas do banquete fiscal. 

À ineficácia coletiva de assimilar questionamentos, temos que adicionar nossa conivência ancestral com a desordem socioeconômica estabelecida. Parece que não dói. Mas a ninguém interessa produzir riqueza e não enxergar sua aplicação social. Quem espera – no sentido da passividade conivente – não verá o dia em que o país amenize sua compulsão fiscal, ou pelo menos reconheça o dever da contrapartida de serviço público de melhor qualidade à cidadania. O alarido que virou algazarra se deu por conta da “pouca eficiência da ZFM”? Os técnicos do Banco Mundial, sem perceber, impuseram-nos uma carapuça, que bem poderíamos assimilar e transformar num debate aberto e proativo que insistimos em protelar.

Por que não nos movimentamos a exigir direitos, por exemplo, de balizamento das hidrovias regionais, se nos negam direitos de conexões terrestres? Cada governo que entra desenvolve uma narrativa de justificativa para não recuperar as duas rodovias federais do Estado. Por que aceitamos? 

Leia “Suframa rebate estudo do Banco Mundial que faz críticas à Zona Franca de Manaus”

Faltou uma leitura mais acurada do Relatório – por sinal, extremamente denso – no lugar das bravatas habituais e quixotescas que costumam encobrir comodismos estruturais. Estamos correndo o sério risco de validação do “ouvi falar”, ou seja, “li no Instagram”, como fonte procedente no trato das informações relevantes para a manutenção dos pilares que sustentam a economia do Amazonas. Somos ineficientes, por exemplo, na reclamação da infraestrutura a que temos direito com o volume de recursos que o Amazonas recolhe à Receita. Por que não seguir a destinação deste dinheiro? Aqui, certamente, não é aplicado. Por que não acionar o estatuto constitucional que recomenda a redução da pobreza com sua aplicação, pois se trata de riqueza gerada por contrapartida fiscal? 

Estrada com carros

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Optamos pela ineficiência quando transformamos em balela a proteção florestal “indiretamente propiciada pela economia da ZFM” Enquanto gritamos por décadas que o Amazonas mantinha intacta 97% de sua cobertura vegetal, contamos com o apoio de organismos internacionais preocupados com a mudança climática. A OMC e a UE nos viram como economia harmonizada com a ecologia.

Quando, porém, o país quis fazer da Amazônia um grande roçado, como denunciou a CNI, suspendendo a fiscalização e incentivando o desmatamento, batemos palmas mitológicas, e se quer, identificamos, nos famosos decretos federais, a intenção de desconstruir o Polo Industrial de Manaus.

Fomos ineficazes em compreender que o Relatório, simplesmente, apontou nossa contribuição ao agravamento da crise climática, na omissão coletiva frente às implicações do desmatamento que pode comprometer a economia do Centro Oeste com uma nova crise hídrica. Ou seja, em lugar de organizar o mercado de carbono e precificar os serviços ambientais da floresta em pé, prestados pelo Amazonas, ficamos omissos diante da expansão das áreas de pastagem, com a remoção dos ecossistemas naturais. Remover a floresta é contribuir com a desertificação de regiões de mananciais. O Rio Grande do Sul não é alcançado pelos rios voadores há mais de uma década. E o agronegócio está ameaçado com as sequelas do El Niño este ano. 

Amazônia

foto: André Dib

E o que pede o Banco Mundial? Nada além do que algumas reformas estruturais, entre elas, a questão dos transportes, que poderia agregar um crescimento sustentável de 38% de nossa economia, atingida mortalmente pela logística do descaso. Os gargalos de produtividade não são prerrogativa sombrias apenas da ZFM. E tem jeito se considerarmos os recursos tecnológicos já disponíveis na logística mundial.

O Polo Industrial da Zona Franca de Manaus precisa avançar na diversificação e adensamento produtivo de que é capaz. Alertas é o que não faltam. Precisa, porém, seguir no fortalecimento do protagonismo de sua entidade de classe e, se for o caso, recorrer aos mandamentos constitucionais para que os benefícios financeiros recolhidos pela Indústria sejam alocados em diversificação e adensamento da atividade econômica, sempre com baixo carbono, a favor da população vitimada pelas atividades ilegais, do clima e da reputação do programa ZFM? 

II

Amazonas, um olho na fábrica e outro na mata

“Ou seja, ao inibir o uso da vegetação como meio de sobrevivência das famílias, as indústrias, indiretamente, deixam a floresta em pé. Esses estudos começam a ser vistos pelas empresas associadas ao CIEAM (Centra das Indústrias do estado do Amazonas)como trunfos preciosos de sua performance ambiental. Dizendo mais claramente, o processo produtivo das indústrias sempre esteve relacionado com a proteção florestal e agora isso ganha maior atenção e um estatuto efetivo de contribuição para a mudança climática.”

De sustentável a vilão? O Amazonas, para regozijo de uns poucos, e dano mortal à economia do Estado, se consagrou em março último campeão do desmatamento florestal no Brasil, entre os nove estados da Amazônia Legal em 2023. O Estado, segundo o IMAZON, havia devastado 12 km² em março de 2022, e pulou para 104 km² em março de 2023, uma alta de 767%. Ou seja: nove vezes mais. Com isso, chegamos à liderança dos que mais desmataram a Amazônia no mês.

E o que significa isso? Ora, desde 1992, quando o país abrigou a Conferência da ONU, sobre desenvolvimento e meio ambiente, passamos a dizer de peito tufado que mantínhamos intacta, praticamente, a cobertura vegetal do Estado, geograficamente, o maior da federação. E isso se tornou um mantra que exibíamos como um troféu sem fazer coisa alguma além de gerar emprego para 500 mil colaboradores e muitos recursos aos cofres públicos.

Esses recursos, entretanto, nunca foram aplicados em estudos para monetizar a contribuição da floresta para o clima. Ou seja, demonstrar que o tipo de empregos ofertados pela ZFM e que deixam as árvores em pé devem ser remunerados. E se a lógica é compensar a “renúncia fiscal”, vamos acertar as contas. Dizendo de outro jeito, é possível precificar os serviços ambientais prestados por um Amazonas preservado na luta contra o aquecimento global. Este é o valor do combate ao desmatamento de que fala o Banco Mundial em seu último relatório. 

Vista aérea de uma cidade

Descrição gerada automaticamente

FOTO: ROBERVALDO ROCHA / CMM

O Polo Industrial de Manaus, na verdade, segue reforçando, sem perceber, uma opinião pública distorcida que enxerga a Amazônia como um almoxarifado de multiuso e múltiplos modos extrativistas. Só há um jeito de cobrar isso: a Lei. Todos os fundos e contribuições gerados a partir da contrapartida fiscal do poder público às indústrias precisam ser revisados e aplicados na região. Por isso, é preciso urgentemente seguir o dinheiro gerado pelas empresas e repassados ao poder público.

Nos últimos 8 anos o Estado recebeu em torno de R$ 20 bilhões da Indústria para: a manutenção da UEA, Universidade do Estado do Amazonas; para Turismo e Interiorização do Desenvolvimento e Micro e Pequenas Empresas. Quais são as métricas de mensuração em termos de benefícios, resultados, produtos, empregos, estruturas e infraestruturas de desenvolvimento econômico, científico e tecnológico? Que novas matrizes econômicas foram implantadas para a diversificação, adensamento e regionalização da Indústria e da economia? Sem auditoria a economia vai sem rumo.

A quantas andam as atividades de contrapartida para justificar essa abundância de ativos propiciados pela indústria aos cofres estaduais? Nos cofres federais a coisa toma igualmente dimensões imensuráveis. São recursos que devem gerar recursos. Não custeio da máquina pública pois isso não está previsto em lei. No máximo, podemos assegurar o credenciamento dos atores locais para habilitação institucional de aproveitamento dos créditos de carbonoCaso não queiramos dar de mão beijada oportunidades para os oportunistas de ocasião. É hora de avaliar se queremos manter e acolher criticamente as sugestões federais de transição. Presta atenção, mutirão!

Ferramenta não nos faltam. Uma delas permite que, de uma vez por todas, possamos demonstrar que as indústrias instaladas em Manaus são superavitárias na contabilidade ambiental. Ou seja, antes da metodologia ESG já estávamos habilitados a demonstrar que o conjunto das indústrias instaladas em Manaus são literalmente “descarbonizadas por natureza”. Além de solidárias são sustentáveis.

fundo amazonia amazonas Neil Palmer CIAT Flickr

foto: Neil Palmer/CIAT/Flickr

Desde 2014, o Laboratório de Manejo Florestal do INPA, sob a batuta do cientista Niro Higuchi, está habilitado a demonstrar como se dá a dinâmica do carbono, na sigla CADAF, em inglês. Trata-se de um projeto e um programa financiado integralmente pelo governo do Japão, para descrever como a floresta se comporta a partir da fotossíntese, um mecanismo incrível que assimila o gás carbônico para formação de matéria orgânica com a prerrogativa de liberação de oxigênio.

Observem: ao inibir o uso da vegetação como meio de sobrevivência das famílias no Amazonas, as indústrias, indiretamente, deixam a floresta em pé. Por isso, desmatar é crime e é burrice. Esses estudos começam a ser vistos pelas empresas associadas ao CIEAM como trunfos preciosos de sua performance ambiental. Dizendo mais claramente, o processo produtivo das indústrias sempre esteve relacionado com a proteção florestal e agora isso ganha maior atenção e um estatuto efetivo de contribuição para a mudança climática.

E para ilustrar a relevância do tema, nesta quarta-feira, a Organização Meteorológica Mundial publicou um alerta que o planeta atravessará um período de temperaturas altas assustadoras nos próximos cinco anos, com um profundo impacto em diversas regiões do mundo. Segundo tais previsões, na floresta amazônica, haverá queda do regime de chuvas, com um provável impacto no agronegócio, portanto, na economia do país. Já é fato confirmado que os últimos oito anos foram os anos mais quentes já registrados. Doravante, algumas previsões, segundo a ONU, são as seguintes:

  • Há 66% de probabilidade de que a média anual da temperatura global próxima à superfície entre 2023 e 2027 seja superior a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais por pelo menos um ano.
  • Há uma probabilidade de 98% de que pelo menos um dos próximos cinco anos, e o período de cinco anos como um todo, seja o mais quente já registrado.
  • Prevê-se que as temperaturas médias globais continuem aumentando, afastando-nos cada vez mais do clima com o qual estamos acostumados. Em 2022, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas fez um alerta e apontou para os riscos relacionados ao clima para os sistemas naturais e humanos diante de um aquecimento global de 1,5 °C.7
  • Diante da constatação, o secretário-geral da ONU, Antônio Guterres, deixou claro no final do ano passado que “o mundo está em uma encruzilhada – e nosso planeta está na mira”. “Estamos nos aproximando do ponto de não retorno, de ultrapassar o limite acordado internacionalmente de 1,5 grau Celsius de aquecimento global”.

Porta de madeira com vidro

Descrição gerada automaticamente com confiança baixa

Por isso, desmatar para contrabandear madeira, para expansão da fronteira agrícola, é crime e um atestado clarividente de burrice, desmatar para explorar minérios em terra indígena é crime e dos hediondos. Desmatar é matar a vida, aquecer o clima, destruir a floresta e as esperanças de tudo se ajeitar que ela representa. 

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