Manaus, 7 de setembro de 2024

Arapucas para assombração

Compartilhe nas redes:

Confesso que fui um menino medroso. Com o tempo perdi o medo de muitas coisas. Mas adquiri outros. Quando garoto tinha medo de assombração. De alma penada. De visagem, com diz o caboclo. Tinha muito medo de um tal bicho folharal. A coisa aparecia á noite, pelos fundos do quintal da casa de minha avó. Na chácara havia muitas árvores frutíferas. Especialmente mangas. Gostava de ir para lá. Apesar do bicho folharal. Eu também tinha medo de mucura. E de visagem, claro.

Irmãos mais velhos costumam meter medo aos menores. Ruídos estranhos começaram a ser ouvidos na nossa casa da Rua Henrique Martins. Havia uma escada bem pitoresca naquela casa. A escada dava para uma espécie de sótão que chamávamos inadequadamente de porão. Sótão pode ser sinônimo de porão. Mas parece que o inverso não se aplica. Coisas do rico léxico de nossa língua portuguesa. O fato é que aquele porão ficava na parte de cima. Por lá havia um quarto onde dormiam as empregadas. Havia ainda um laboratório, suspeitíssimo, administrado por meu irmão mais velho. Eu não ia até lá sozinho. Havia uma proibição implícita. E um medo explícito. Principalmente depois que ouvi que os ruídos poderiam ser de alguém subindo as escadas. A malsinada escada começava com degraus sólidos de alvenaria. Depois se transformavam em estreitos degraus de madeira. E rangiam. Davam pequenos estalidos, ou chiados, breves e intermitentes.

Os tais ruídos, os tais estalidos, eram ouvidos na calada da noite. Quando todos estavam dormindo. Acontecia quando o gerador de energia era desligado. Havia um ensurdecedor gerador de energia em nossa casa. Manaus não tinha luz no início dos anos de 1960. O gerador parava. Alívio por um lado. Medo por outro. Tudo escuro. lamparina apagada. E os ruídos. Passos na escada. Chiados. Breves e intermitentes.

Meu pai sempre foi aberto ao diálogo. Então resolvi levar o assunto a ele. Autoridade máxima da casa. Ele delegava ou compartilhava essa autoridade com minha mãe. Que estendia tal poder a minha avó e á Darinha. Que tomavam conta da gente.

Resolvi levar o assunto a todos eles. E desabafei:

Vocês me dizem sempre que visagem não existe. Que eu não preciso ter medo. Então quero saber o que se passa na escada que dá para o porão. Meu pai se comprometeu solenemente a averiguar e tomar as medidas cabíveis e necessárias.

Dito e feito. Foram compradas meia dúzia de potentes ratoeiras na loja de ferragens JG de Araújo. Todas alocadas estrategicamente nos degraus da tal escada. Armaram arapucas e as visagens sumiram. Graças a Deus.

Views: 11

Compartilhe nas redes:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

COLUNISTAS

COLABORADORES

Abrahim Baze

Alírio Marques