Mestre Arthur Reis residiu em Manaus desde que nasceu, em 1906, até 1939. Tendo estreado aos 25 anos de idade, com o livro “História do Amazonas”, ao longo de quase seis décadas de existência exerceu uma considerável atuação como historiador, professor, político e homem público, não só no Amazonas como em outras partes do Brasil. Até meados da década de 1980, seus livros foram referência básica e obrigatória a quem se interessava pela História regional. Sua obra é vasta, pois, ao longo de todos esses anos teve livros de sua autoria publicados regularmente, além de inúmeras matérias de jornais, palestras, cursos, artigos e prefácios.
Além de membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA) e da Academia Amazonense de Letras, representou institutos históricos de outros estados do País e de alguns países da América Latina. Como servidor público federal representou o Brasil em vários congressos de âmbito internacional. Foi professor em Manaus, Belém e Rio de Janeiro. Neste último Estado, lecionou na Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas e no curso de mestrado em História da Universidade Federal Fluminense, em Niterói.
Embora reconhecido por mais de uma geração de pesquisadores nacionais como um pioneiro e um importante sistematizador do conhecimento sobre a Amazônia, em sua terra natal até um tempo atrás chegou a ser hostilizado, taxado como um historiador “positivista”, “autoritário” e “superado”. Em 2006, ano do centenário de seu nascimento, no Amazonas só foi lembrado graças ao seminário “Arthur Cézar Ferreira Reis: o intelectual e o homem de ação”, realizado pelo IGHA.
Somente na primeira década do presente século é que começaram a surgir estudos acadêmicos abordando especificamente sua trajetória e sua obra. Em 2001, Sidney Lobato, estudante de História na Universidade Federal do Amapá, abordou a obra de Arthur Reis na monografia “Bricolage da formação nacional: a obra de Arthur Cézar Ferreira Reis (1939-1966)”. O professor Alexandre Pacheco, da Universidade Federal de Rondônia, desenvolveu entre 2008 e 2010 o projeto de pesquisa “Arthur Reis: História, Literatura e Poder (década de 1960)”, que rendeu diversos artigos científicos. Em 2009, surgem mais duas pesquisas: a dissertação de Lademe Correia de Souza “Arthur Reis e a História do Amazonas: um início em grande estilo” e a de Leila Margareth Rodrigues Gomes, “Movimentos Sociais na obra de Arthur Reis”, ambas desenvolvidas no âmbito do Programa de Pós-Graduação em História da UFAM. Nesse mesmo Programa de Pós-Graduação, foi defendida em 2011 a dissertação “Colonização e Civilização na Amazônia: Escrita da História e Construção do Regional na obra de Arthur Reis (1931-1966)”, de Hélio Dantas. Em 2012, Vinícius Alves do Amaral, defendeu o Trabalho de Conclusão de Curso intitulado “O Seringal e o Seringueiro: a ‘epopeia amazônica’ em Arthur Reis” no curso de História da UNINORTE.
Em 2014, foi editado em São Paulo o livro do professor-mestre em História pela UFAM, Hélio Dantas, versando sobre os escritos e o itinerário social e intelectual do emérito intelectual amazonense, intitulado “Arthur Reis: trajetória intelectual e escrita da história”. Esse mesmo autor, em julho deste ano de 2015, apresentou indicação ao XXVIII Simpósio Nacional de História, realizado em Florianópolis/SC, sob o título “Arthur Cézar Ferreira Reis: sociabilidades e trânsito institucional de um historiador amazonense”. Distanciando-se do puro biografismo, o professor Dantas, com sua análise, busca articular o percurso social, educativo, cultural e político de Ferreira Reis com o conjunto de sua produção intelectual. O professor Dantas enaltece e faz justiça ao Mestre Ferreira Reis. Escreve:
No caso de Arthur Reis, que publicou regularmente de 1931 ao início dos anos 1980, se faz necessário problematizar o que é tomado como ‘sua obra’, analisando a sequência cronológica dos livros publicados, discutindo as permanências e as mudanças nas posturas de Arthur Reis, em seus pontos de vista e referências bibliográficas, assim como vincular sua produção intelectual com seu itinerário social desde que lançou seu livro de estreia, até o momento em que experimenta consagração no campo intelectual brasileiro.
Esse grande dublê de intelectual e homem público, destacou-se, conforme dito na primeira parte deste artigo, por inúmeras e importantes obras à frente do governo do Amazonas. Depois de afastado dessa função e, já como presidente do Conselho Federal de Cultura, conseguiu recursos para efetivar a construção das Casas de Cultura de Itacoatiara e Manacapuru. Insuperável em ambas as funções, por um determinado crítico foi assim lembrado:
Mas para Arthur Reis, que assume o cargo [de governador] de 1964 a 1967, guerrilheiros não eram a única ameaça à integridade da Amazônia. Em 1965, inicia uma campanha na imprensa contra a presença de instituições de pesquisa estrangeiras, instaladas na Amazônia com a conivência do Governo Federal. Entendia tais ações como um atentado à soberania nacional. Não por acaso, havia publicado em 1960 o livro A Amazônia e a Cobiça Internacional, considerado por muitos como sua obra-prima. Nele apresenta o imperialismo sondando a Amazônia desde os tempos coloniais. Isso fez dele um livro aplaudido tanto por nacionalistas conservadores como por militantes da esquerda, tendo sido alvo de sucessivas reedições ao longo dos anos 1960/1980.
O fato é que Ferreira Reis direcionou seus estudos e conhecimentos a serviço de uma única causa: a Amazônia. “Na maioria das vezes”, como diria o antropólogo Luiz de Castro Faria, “sua obra é mais alvo de reverência do que de referência, sendo mais reconhecida do que efetivamente conhecida”. Entretanto, ainda há muito que ser escrito sobre ele e o período em que viveu. Um enorme desafio para seus coestaduanos…
Na verdade, a (re) construção de sua imagem é necessária, deve ser salientada. Na linha do que afirmaram:
– Os professores de Rondônia Magno Ferreira de Assis e Alexandre Pacheco, ao analisarem a repercussão de sua obra “A Amazônia e a cobiça internacional”:
O governador e intelectual Arthur Cézar Ferreira Reis foi promovido pela imprensa da época [década de 1960] através de uma imagem que o mostra como um homem honrado e dedicado à defesa da pátria, além de grande intelectual e pessoa de boas ideias, ou seja, alguém que deve ser ouvido, com projetos concretos, principalmente para a defesa da soberania nacional na região amazônica.
Suas declarações sobre soberania nacional foram muito bem mostradas na imprensa, entre elas está a do jornal A NOTÍCIA, do Rio de Janeiro, em agosto de 1971, que inicia com o título “Ferreira Reis diz que EUA iam ganhar CNPq na Amazônia”, na qual em determinado trecho Reis comenta com bastante fervor e indignação a possível tentativa americana de ludibriar [o referido órgão do governo federal], assim como o governo nacional então presidido pelo [general Emílio] Médici – “Meu sangue ferveu, porque aquilo era uma interferência na soberania nacional”, afirmou o ex-governador acrescentando que “os norte-americanos iam fazer tudo ao contrário do que haviam exposto ao Conselho Nacional de Pesquisas e aos planos que estavam em poder do ministro da Agricultura, que nessa história estava de anjo”.
Essa criação intelectual nacionalista foi cada vez mais reforçada pela imprensa, que o colocava no centro das principais discussões sobre a Amazônia… O jornal Luta Democrática, do Rio de Janeiro, em 1965, o coloca no mesmo patamar do antigo presidente [da República] Artur Bernardes, que tomou medidas enérgicas enquanto esteve no poder – “O exemplo de Arthur Reis fica, alertando o patriotismo dos brasileiros… O seu nacionalismo é o nosso: de respeito ao estrangeiro e ao seu capital; de intransigência na defesa do que é nosso”.
– A professora paulista Maria do Rosário Valencise Gregolin, para a qual “a escrita de Ferreira Reis foi orientada por uma linguagem pautada pela simbologia do escritor-cientista que procura através da objetividade e comprovação dos fatos históricos relacionados ao passado da Amazônia, defender a mesma dos interesses estrangeiros”, escreveu em 1982:
(…) Na formação espiritual de Arthur Reis o que predomina é o cientista, com a sua objetividade, com a obsessão da comprovação e da verificação. Pesa e repesa as palavras, para evitar extravios, que lhe apareciam como pecados contra a Ciência (…) Só que ele não consegue, com esse profundo conhecimento do problema, é considerar um episódio atual como se não houvesse nada para trás, como se não existissem quatro séculos de experiências, de lutas, de perigos e de provações. Menos pelo posto que ocasionalmente ocupa [de governador do Amazonas], do que pela sua profunda identificação com a causa do vale amazônico, Arthur Reis sente que desempenha, em face na Nação brasileira, a função de sentinela.
– Por fim, segundo a descrição, de 1964, do grande, saudoso antropologista e sociólogo pernambucano Gilberto Freyre (1900-1987):
Arthur Cézar Ferreira Reis é historiador atento ao fato econômico tanto quanto ao político, ao traço social quanto ao cultural, da formação brasileira da Amazônia, que nos pertence. Mestre Arthur Reis é no Brasil um estudioso já antigo das populações e paisagens luso-amazônicas.
O próprio Arthur C. F. Reis, antes de assumir em 1964 o governo do Estado do Amazonas, assim se expressou:
Levo comigo o único propósito de administrar pura e simplesmente, sem interferências políticas, visando à solução dos problemas sociais e econômicos do Estado. E, nesse particular, desejo proporcionar condições a iniciativa privada para que ela se realize ali, participando ativamente de seu desenvolvimento (…) Sei que há capitalistas do Sul do País esperando por esta oportunidade, para investimentos industriais de grande porte, aproveitando os frutos e as possibilidades que as florestas e águas proporcionaram.
O clamor de Arthur Cézar Ferreira Reis – A Amazônia precisa de investimentos industriais de grande porte, aproveitando os frutos e as possibilidades que as florestas e águas proporcionam – tem mais de meio século. O inacreditável é que esse patriótico berro de amazonidade não sensibiliza ninguém, ainda não despertou os detentores do poder político e empresarial. Como convém aos amantes do neocolonialismo e aos adeptos da lerdeza, nossos representantes continuam com os ouvidos tapados ‘assistindo à banda passar cantando coisas de amor’…
Indubitavelmente, Arthur Cézar Ferreira Reis é muito pouco lembrado em seu Estado natal. Em virtude de seus feitos, seu valor, carece de maiores homenagens. Em Manaus, além da Biblioteca Arthur Reis reunindo o acervo que deixou, de mais de 20 mil títulos, distribuídos entre livros, cartas e periódicos – levam o seu nome uma rua estreita e mal urbanizada, na distante periferia, e uma pequena escola instalada num prédio alugado, de salas acanhadas, nos fundos do bairro Parque Dez de Novembro. As autoridades estão no dever – por exemplo – de conferir o nome do grande amazonólogo à atual Maceió que liga o Parque Dez ao Cemitério São João Batista – rua transversal entre duas outras importantes que cortam a capital, de norte a sul: avenidas Djalma Batista e Mário Ipiranga (antiga Recife). E, complementarmente, em face da sua condição de professor emérito, denominar de Arthur Cézar Ferreira Reis o Campus da UEA que está sendo construído em Iranduba.
No dia 8 de janeiro do próximo ano transcorrerão 110 anos de nascimento do grande estadista e intelectual amazonense. Uma ótima oportunidade para os governos municipal e estadual se redimirem… “não redimir mágoas / nem dividir águas” – como diz a canção popular, mas fazer justiça a Arthur Cézar Ferreira Reis. Ele é uma das honras do Brasil e uma das glórias da Amazônia. Urge perfilá-lo com Tenreiro Aranha e Eduardo Ribeiro!
2 respostas
Grande artigo. Sou professor de História em Itacoatiara e, a minha maior tristeza é ver que a maioria dos colegas não compartilham da paixão pela nossa grandiosa história regional. Tenho muita admiração por sua obra professor. Longa vida terrena, mas saiba que já és imortal!
Obrigado, meu colega e amigo. Sempre que precisar, estarei às suas ordens e de quaisquer outros intelectuais iguais a vc, interessados verdadeiramente em revelar e enaltecer a Amazônia e, em especial, nossa Itacoatiara. Além do email, coloco à sua disposição – permanentemente e a qualquer hora – meu celular (e zapp): 092 99988 8305. Forte abraço.