Manaus, 16 de setembro de 2024

As desigualdades regionais do Brasil e as saídas endógenas para a Amazônia

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Diálogos da Amazônia com Paulo Roberto Haddad UFMG e Rodemarck Castelo Branco – UFAM

Um debate digno de ser incluído na agenda parlamentar amazônica e brasileira nas próximas eleições. Um debate denso sobre redução das desigualdades regionais do Brasil foi travado neste primeiro de agosto de 2022 por dois economistas de peso, Paulo Roberto Haddad – PRH professor emérito da UFMG e Rodemarck Castelo Branco – RCB professor da UFAM e consultor de empresas, em Manaus. O evento se deu no âmbito dos Diálogos da Amazônia, da Fundação Getúlio Vargas, sob a coordenação de Márcio Holland e Daniel Vargas, professores da instituição.

O abandono das políticas de desenvolvimento regional 

O ponto de partida de ambos foi a falência das políticas públicas de desenvolvimento regional que descrevem o desempenho dos últimos governos, notadamente nas duas décadas deste século. A Zona Franca de Manaus é o único programa fora dessa curva e que deu certo como como empurrão em seus acertos na política de redução das diferenças brutais entre o Sul e o Norte do Brasil. Muito esforço e muitos obstáculos para evoluir na diversificação, adensamento e interiorização de suas oportunidades econômicas, é a Zona Franca de Manaus. Os dois economistas apontam algumas causas do esvaziamento dessas políticas e, no caso da ZFM, eles sugerem algumas medidas de curto e médio prazo, descrevendo os instrumentos e premissas dessas iniciativas. Ambos concordam que as saídas são endógenas, ou seja, não cairão do espaço nem podem ser geridas por propostas fechadas, impostas e exógenas. 

RCB identifica na crise de estabilização da economia brasileira os primórdios do abandono das políticas de desenvolvimento regional. “O Brasil praticamente concentrou seus esforços nessa busca de estabilização da economia através de análises e medidas macroeconômicas. Restaram iniciativas isoladas, com investimentos tímidos e ações descontinuadas a cada gestão, com ações na contramão das demandas regionais, além da ausência de planejamento de curto e médio prazo. No caso do Amazonas, o TCU e o MPF-AM flagraram a absoluta desconexão da presença federal no Estado, a falta de coordenação e ação compartilhada ocasionando desperdício de recursos humanos e materiais e mais distanciamento entre o ente federal e os desafios locais.  O PIB da Amazônia cresceu, porém os problemas sociais explodiram. Faltaram os investimentos em infraestrutura e as instituições federais e locais de fomento, pesquisa e desenvolvimento foram deprimidas em seus recursos e rendimento.

As desigualdades regionais

 “As desigualdades regionais não são apenas econômicas, são desequilíbrios sociais, educacionais e tecnológicos e essas diferenças precisam ser atacadas”. Tínhamos a SUDAM, a SUDENE, a SUDECO, uma autarquia para cada uma das regiões menos desenvolvidas, Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e pouco ou quase nada resta de seus recursos e atuação. Quem escapou do esvaziamento foi a SUFRAMA, que não se enfraqueceu no mesmo nível que as demais organizações regionais porque mantém um foco muito bem definido de administração dos 8% de incentivos que nos restam.

Em ação conjunta com as empresas e o poder público local e parlamentar, e com planejamento técnico e industrial, busca manter o Polo Industrial de Manaus voltado para expansão tecnológica e produtiva de sua capacidade fabril instalada. Infelizmente, só há bem pouco tempo os recursos de P&D&I passaram por rigorosas análises e estudos para que sejam majoritariamente aplicados na região. Afinal, com a transição tecnológica, os produtos da ZFM correm o risco da obsolescência.

O que nos leva a afirmar categoricamente que o futuro da região está condicionado a investimentos em ciência, tecnologia e inovação, com apostas robustas em qualificação dos recursos humanos e parques de inovação tecnológica e biotecnológica. Essa diversificação e adensamento vão evoluir na direção da produção regional de produtos com tecnologia mais avançada, bioeconomia pujante e aproveitamento sustentável dos recursos minerais e dos serviços ambientais. Para RCB, as atividades sustentáveis resultantes dessa movimentação vão criar uma civilização tropical evoluída que levará consigo o país como um todo na medida em que temos recursos de toda ordem e riquezas das mais diversas para fazer do Brasil uma grande nação. 

Homem de terno com a mão no rosto

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Paulo Roberto Haddad – PRH 

Com a bagagem de quem atua na Amazônia efetivamente há mais de quarenta anos, o ex-ministro da Fazenda e do Planejamento, PRB, começou sua exposição contando os avanços alcançados em outros países, como os Estados Unidos, no pós-guerra, com suas respectivas políticas de desenvolvimento regional e os resultados desastrosos do abandono posterior dessas políticas. Ou seja, a descontinuidade das políticas de desenvolvimento não podem ser interrompidas abruptamente sob pena de deixar a comunidade em estado de depressão socioeconômica pior do que a paisagem original.

No Brasil, o processo se deu por falta de planejamento e de conhecimento. Os programas de desenvolvimento regional e nacional, iniciado no pós-guerra, com a falência do II Ciclo da Borracha na Amazônia, e no Brasil com o Plano de Desenvolvimento da era JK, 50 anos em 5. Tais foram descontinuados, notadamente, pela exploração predatória dos recursos naturais. A Mata Atlântica que cobria a orla marinha com 8.000 km de floresta, hoje só tem 8% da cobertura original. Os 2800 municípios dessa área hoje, em sua maioria, têm a economia deprimida por obra e graça da destruição de suas florestas, mananciais e recursos hídricos.

Hoje o Estado de Rondônia começou a diversificar sua produção agrossilvopastoril porque priorizou a recomposição florestal. É o maior produtor nacional de peixe e, em breve, de café. A economia se torna robusta com quem assim procede. Afinal, as florestas oferecem umidade, sombra, pesticidas naturais, polinização, captação de carbono, expansão da presença do oxigênio na atmosfera, entre outras e infinitas vantagens e possibilidades.

A partir de 2008, as riquezas de cada país, tradicionalmente traduzidas pelo PIB, passaram a incorporar os valores de uso e não-uso de suas florestas e rios, econômicas, suas redes de águas e de outros minerais e da biodiversidade“E quando este cálculo passou a ser adotado, englobando o acervo econômico financeiro, a Amazônia passa a ser a região mais rica do Brasil, com seus estoques naturais, seus recursos hídricos, genéticos, minerais e de serviços ambientais”. Ora, com as queimadas e o desmatamento, se a Amazônia perdeu 20% de sua cobertura vegetal isso representa 1/5 a menos de seus recursos genéticos, bióticos, farmacológicos, dermocosméticos e de alimentação funcional e integral. O mesmo se dá com a destruição da bacia hidrográfica com a mineração criminosa, onde perdemos ativos e vidas, nas águas, nas comunidades primitivas e na reputação diplomática.

E o prejuízo extrapola o bioma e compromete o clima, os reservatórios no continente, a agricultura do Centro-Oeste. Os rios voadores que se formam a partir da umidade florestal da Amazônia, reconhecidos pela Ciência, não podem ser deprimindo pois deixam em seu lugar os desastres ambientais, a crise hídrica, o esvaziamento do agronegócio. Em suma, perdas e mais perdas em nosso acervo nacional de riqueza e cadeia de valor. Essa gestão equivocada tem causado as crises do setor agrícola, perdas na economia do café, uma cadeia de valor onde já ocupamos o topo do ranking mundial.

II

As desigualdades regionais do Brasil e as saídas endógenas para a Amazônia – PARTE II

Diálogos da Amazônia com Paulo Roberto Haddad UFMG e Rodemarck Castelo Branco – UFAM

Hoje a Coluna Follow-up completa as notas do excelente e denso debate sobre Redução das Desigualdades Regionais do Brasil, realizado no último 1º de agosto, por dois economistas de peso, Paulo Roberto Haddad – professor emérito da UFMG e Rodemarck Castelo Branco – professor da UFAM e consultor de empresas, em Manaus. O evento se deu no âmbito dos Diálogos da Amazônia, da Fundação Getúlio Vargas, sob a coordenação de Márcio Holland e Daniel Vargas, professores da instituição.

Houve muita convergência de posições nos conceitos de gestão da Amazônia entre os dois debatedores. Ambos invocaram a urgência de investimentos em recursos humanos, científicos e tecnológicos que assegurem a sustentabilidade dos padrões de desenvolvimento e que respaldem a precificação dos serviços ambientais dos Rios Voadores: filtragem das águas, sequestro de carbono, recursos hídricos para atendimento do Sudeste e Centro-Oeste, tanto para atender o clima, as demandas da energia hidrelétrica, água para distribuição urbana e agricultura…

A depredação dos recursos naturais e sua relação direta com o empobrecimento dos municípios e suas economias deprimidas, tem um marco histórico com a abertura da Belém Brasília, que criou, ao longo de seus 60 anos, centenas de municípios com baixíssimos indicadores de desenvolvimento humano, exatamente por causa da exploração predatória dos estoques naturais. Isso teve impacto no clima, no ciclo das águas, portanto, no desempenho da agricultura que perdeu percentuais significativos de seu rendimento pela remoção das florestas e de seus serviços ambientais, favoráveis a atividades produtivas.

Interface gráfica do usuário, Site

Descrição gerada automaticamente

Na ótica da contabilidade clássica de composição do PIB não se levam em conta ganhos e perdas para a composição da riqueza em sentido mais amplo, incluindo o patrimônio natural. Nesse conceito, uma das regiões mais ricas do Estado de São Paulo, o Vale do Ribeira, é considerado na avaliação clássica como a mais empobrecida em seus indicadores econômicos daquela unidade da Federação.

Além de descuidar a proteção de suas florestas e recursos hídricos, por não avaliar mais amplamente este patrimônio, o país abandonou suas políticas de desenvolvimento regional. A Zona Franca de Manaus é um caso à parte, apesar das incompreensões, e bem sucedido de política de desenvolvimento regional. Uma alvissareira exceção. Basta ver seus balanços de emprego, seu custo x benefício na comparação com outros conglomerados urbanos do país. Entretanto, a ZFM continua sendo um enclave, ou seja, uma imposição exógena de um modelo de desenvolvimento que ficou de costas para alternativas regionais de riqueza, como a bioeconomia. Um enclave, portanto, pelo perfil econômico que a descreve e seu modo de relacionamento com o ambiente amazônico.

Para resolver o paradoxo, poderíamos ordenar essa economia ajustando-a ao conceito de cluster de empresas âncoras, um arranjo criado de Michael Porter, que compartilha benefícios somente pelo fato das empresas se enxergarem como parte de uma cadeia, na qual trabalham de forma proativa para aumentar sua eficiência. Basta ver algumas abordagens que poderiam ser feitas com espécies enraizadas na região, como o guaraná, o açaí, o cacau e a castanha…

Uma variedade de frutas e verduras

Descrição gerada automaticamente

Olhemos o guaraná e o açaí, com visibilidade e mercado, ambos subutilizam seu potencial de diversificação de produtos. Usados com as ferramentas da nanobiotecnologia, suas propriedades poderiam gerar uma quantidade extraordinária de subprodutos para atender as demandas alimentares, medicinais, dermocosméticas globais e suas respectivas derivações.

Isso expande toda cadeia de valor, desde a seleção de sementes para cultivo, com os melhoristas, profissionais que aprimoram a qualidade genética desde a germinação, até o cardápio final de produtos no mercado. No caso da soja, que tem 110 produtos com múltiplas finalidades, o Brasil, como o maior produtor mundial, entrega apenas três itens para o mercado, a soja em grãos, o óleo vegetal e o farelo. O modelo de cluster com empresa âncora fomenta e incentiva a cadeia na sua forma mais extensa e diversificada, integrando valor, planejamento, eficiência e resultados.

Este é o desafio para o Polo Industrial da Zona Franca de Manaus. Mobilizar a academia, institutos de pesquisa, estudos e mercado, com os subsídios inerentes a todos os bons negócios com comprovada demonstração prévia de excelentes resultados. Infelizmente, na última década o Brasil parou de fazer planejamento. Ou seja, perdemos a visão da totalidade e do conhecimento dos problemas e potencialidades regionais, sobretudo das regiões economicamente esvaziadas.

foto: iStock

Ficar restrito aos créditos subsidiados sem uma avaliação da economia como um todo, recursos materiais, naturais e do equilíbrio ambiental está fadado a riscos e desastres. Ora, no caso da Amazônia, financiar máquinas que desmatam dragas que depredam e envenenam o meio ambiente, essas instituições de crédito não resolvem e sim criam problemas no curto e médio prazo. Para isso, seria justo se, no bojo da legislação e códigos ambientais, os bancos fossem co-responsabilidades pela correção dos desastres ambientais.

Este planejamento/intervenção deveria estabelecer um prazo de 10 anos para que áreas desmatadas fossem impedidas de uso intensivo de pecuária ou outras atividades de uso em área depredadas. Precisamos deter este padrão de economia predatória. Eles desmontam em pouco tempo a economia dos municípios que passam a depender das mesadas federais, com todas as demais distorções da vida social. Ainda é tempo de planejar e promover o desenvolvimento não destrutivo da floresta, organizar atividades e oportunidades de aproveitamento de nossos recursos naturais.

Nota do Editor: As intervenções de cada debatedor estarão à disposição dos internautas no portal Brasil Amazonia Agora, no espaço O que o Brasil pensa sobre a Zona Franca de Manaus, uma economia legal da Amazônia, a partir desta semana, juntamente com o link dos Debates da Amazônia da Fundação Getúlio Vargas.

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