*Manoel Domingos
Continuação…
NUVENS PRIMADONAS
No céu azulado…
Do Guajará ao Açacu,
As nuvens desenham no céu
E eu falo: “carneirinho, carneirão”,
Elas, alvas se vão…
Metamorfoses e emblemas
Nos afrescos celestes
de brancoazulados esquemas.
Nuvens que dividem o rio,
Que esfriam o brilho dos zincos,
Vão cartografando no largo, seios e sombras.
…surreais marombas.
Limbos que ensaiam chuvas
Ofuscando os ares e os “rebujos”,
Dos fluviais antares… Os botos marujos.
Nuvens, “carneirinho, carneirão”,
Desenhando tons e a geometria das alturas,
Moldam, nas maresias, semblantes crus
Em abstratas molduras.
Do Ciripá ao Carão
Nuvens esparsas… Passageiras,
Nuvens e águas em diletos repentes,
Trocam metamorfoses nas idas e vindas
Com as correntes do vento,
Do Ciripá ao Carão… No seio do Rio Amazonas
Brindam-nos momentos como eternas Primadonas.
Set/1995
NO ENCONTRO DAS ÁGUAS
Eu e ela no encontro das águes
Beijando os instantes com flertes molhados
Vastos… Eu e ela na “pasargada dos nos
Meu olhar matinal trie o sereno,
Que umedeceu as efemérides tristes.
“Que viste? Senão o orgulho de um cio!”
“O cio das correntes barrentas… e bentas”
Uma, como valsa serena, água amarela,
Pede os passos de banzeiros e aquareles,
A outra, como espelho, corre amena.
É a que tece amor e encanto, áqua morena.
Nas maresias, duas cores se regram únicas,
Velam um primeiro brilho multicor,
E assim, de manhã, nos seus encontros,
Elas gozam do homem e fazem amor.
Então, a dança envolve essas barrancas
Carregando o céu no vasto brilho,
Para fazer do seu leito… Dispares trilhos.
“E eu, desnudo de mim, danço com elas,
Águas amarelas e morenas “
“Então, vamos participar das cenas?!”
Nov /1993
TEMPLO DAS SINAS
És a mesma curva dos rios….
Tua linguagem é a ponta da terra,
Água que desce solitária e amarelada
No sobe e desce dos banzeiros
Junto com as flores da munguba,
Acena às ramadas de ingás
Taxis, Mulateiros e imbaúbas.
Pois te algema desde as manhãs,
Faz-te assim um espelho aquático
Que cumprimenta risos, choros e ais
De caboclos, curumins e cunhatãs,
Que esfria os saltitantes catipurus
Rentes à quietude da água….
Assim conduzes bailarinos murerus.
Já é ocaso?… Esticam-se camaroeiras!
Os cantos perdidos nas matas silentes
Convidam estrelas, às vezes cadentes.
A ribanceira ensaia choros e paraplegias…
É cheia! Caem terras em tristes orgias,
E vão se afogando com as canaranas.
Eis Aparecida, na Costa do Arapapá,
Reviram-se as árvores já sonolentas,
Lavam-se… Com as águas barrentas.
Sinas e cenas de linguagens molhadas,
Mistificação de um mundo antagônico
Tempo das águas, templo amazônico.
Set./1997
POEMAS EM SÉRIE
I
Anti-manhã desmedida.
Luar de noite espinhosa.
Nem rosa,
Nem orvalho.
Meu jeito diuturno
Está em cartas de baralho
E em “xeques” soturnos.
II
No pós-crepúsculo, já noitinha,
Aumenta a púrpura do ocaso…
Minha pupila… Meu vôo raso,
Segue as garças em romaria,
Que atrás de uma tépida essência,
Anunciaram o fim do dia.
III
Sem vento, sigo-te em estrelas.
Com meus piscandolhares.
E nesta noite esporádica,
Não me vejo pra cá nem pra lá.
És o véu de meu pensamento,
Uma série de versos do Porunguitá.
REPENTINAS FACES
Na calma da mata…num piscar de silêncio
Que a Alma da floresta sorri para o rio…
Incensos rastreiam-se entre a sombra e a lua.
Nudez do céu que o rio desperta nas mariposas
– luminomaníacas e cruas-
Esculpem-se tímidos banzeiros, velados e calvos,
Moldando paralelos no estirão da água.
Do poste ao muro, há segredos,
Sorrisos atentos nestes flancos…
No escuro da rua picham-se “gráficos”,
Preciso me prender dos medos.
Marcam-se casas para assaltos cinematográficos.
Entre os rios e cidades…
Desenhos da maldade…
CENAS AMAZÔNICAS
A família | Na seca |
o ribeirinho | O tempo |
a canoa | A distância |
a mata | o ribeirinho |
a alegria | a solidão |
o tempo | a tristeza. |
A cheia | O riacho |
o desamparo | O silêncio |
os meses | O peixe morto, |
o calor | A notícia |
a vazante… | O repórter, |
a seca. | O absorto |
Na cheia | Os estranhos |
o comprador | o caboclo |
o acordo | o acordo |
a floresta | a balsa |
a madeira | o mergulho |
a jangada | o mercúrio |
o caboclo | o ouro |
os trocados | A vida e a fome |
a estiva | No beiradão… |
o tempo | Ecce, homem! |
a escassez. |
Continua na próxima edição…
*Natural de Itacoatiara/Am. Poeta, professor e escritor. Membro da Associação dos Escritores do Amazonas, da Academia de Letras e Cultura da Amazônia, da Associação Brasileira de Escritores e Poetas Pan-amazônicos e do Movimento Internacional da Lusofonia. Professor efetivo da UEA. Mestre e doutorando em Letras pela UTAD (Portugal). Fundador da Sociedade dos Poetas Porunguitás.
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