Manaus, 21 de novembro de 2024

As Pedras do Rosário (III)

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Mundo Moderno

O título deste capítulo, apesar de indicar algo novo ou atual, não tem um sentido apelativo. Não se trata de filosofar sobre periodização histórica. Apenas discorreremos sobre fatos simples ocorrentes na chamada Idade Moderna que aqui se revelam antecedentes históricos do período compreendido entre os séculos XV e XVIII.

Ser moderno, segundo as pessoas esclarecidas da época, era estar em sintonia com os avanços das ciências e das novas mentalidades. Era não mais acreditar apenas na transcendência, ou seja, na divindade, mas também na materialidade e individualidade do ser humano; concebê-lo, enfim, como um ser que possui sonhos, desejos e paixões. Havia um lugar para Deus naquele mundo, mas homens e mulheres agora exigiam também o seu espaço de liberdade, para aprender, crescer e enriquecer, descobrir novas verdades.

Até o século XV, o mundo conhecido resumia-se à Europa, parte da Ásia e norte da África. A única instituição universal era a Igreja Católica. Os processos de formação dos Estados Modernos tiveram início ainda no século XIV, em Portugal, e no século XV em países como Espanha, França e Inglaterra. Sucedendo ao Feudalismo, o Absolutismo foi a principal forma de governo adotada por esses países entre os séculos XVI e XVIII, sistema que vigorou até o início da Revolução Francesa.

Durante os séculos XV e XVI, os europeus lançaram-se nos três oceanos com os objetivos de descobrir uma nova rota marítima para as Índias e encontrar novas terras. A expansão no exterior levou ao surgimento dos impérios de Portugal e Espanha, que lideraram as grandes descobertas estendendo seus domínios à África, à Ásia e às Américas.

Em 1492, o explorador italiano Cristóvão Colombo (1451-1506) ‘descobriu’ a América, assim denominada pelo cosmógrafo italiano Américo Vespúcio (c.1451-1512) por constatar que as terras americanas constituíam um Continente. Ao desembarcar nas Antilhas (atual Caribe), Colombo acreditava ter atingido as Índias. Desse erro geográfico, os nativos americanos acabaram sendo conhecidos como INDIOS.

O navegador espanhol Vicente Yãnez Pinzón, antecipando em dois meses ao desembarque na costa brasileira do almirante português Pedro Álvares Cabral (1467-1520), foi o primeiro europeu a pisar na Amazônia. Em fevereiro de 1500 Pinzón “descobriu” o estuário do rio Amazonas e, desde então, o mistério e a imensidão da região despertaram a cobiça estrangeira e o desejo de possui-la. Apesar de instantemente visitada por navegantes, corsários e piratas de várias nacionalidades, Portugal se antecipou e venceu a concorrência. Pelo Tratado de Tordesilhas, a Amazônia era quase toda de Espanha, mas foi envolvida pela audácia dos portugueses para ser dominada politicamente e explorada em termos econômicos.

Entre os principais acontecimentos da Idade Moderna, em especial do século XVI, está o fenômeno da Reforma Protestante. Tal como o Renascimento Cultural, que teve amplo impacto no âmbito das artes e das ciências na Europa, essa reforma promoveu uma grande transformação do pensamento religioso, bem como incitou grandes reviravoltas políticas. As teses protestantes acabaram por deflagrar uma gigantesca guerra civil, que atravessaria o século.

O ponto inicial do Protestantismo foi a deflagração em 1517 da doutrina Luterana liderada pelo monge alemão Martinho Lutero (14831546), seguida pelo movimento Calvinista, de 1533, do teólogo francês João Calvino (1509-1564) e pelo Anglicanismo, fundado em 1534, pelo rei inglês Henrique VIII (1509-1547). A Reforma Protestante desencadeou a criação de correntes cristãs dissidentes que resultaram na criação, no século XVI, das igrejas protestantes históricas: Luterana, Calvinista e Anglicana e, no século XVIII, das Batista e Metodista.

Em fins do século XVI, os inimigos dos reformistas protestantes passaram a se referir a seus seguidores como ‘luteranos’. Estes, por sua vez, preferiam ser chamados de ‘evangélicos’, termo atualmente muito usado para se referir aos fiéis protestantes. Nos países anglo-saxões, o termo ‘evangélico’ é usado para definir quase todas as doutrinas cristãs protestantes. Na Alemanha, berço do luteranismo, seu uso chega a ser mais específico: é costume referir-se aos membros da Igreja Luterana como evangélicos, excluindo-se o resto por protestantes. Já no Brasil, fala-se de evangélicos de uma forma genérica abarcando tanto religiosos pentecostais quanto não pentecostais.

Com o surgimento e consequente expansão do movimento protestante, muitas ações passaram a atingir a Igreja Católica. Uma reação a esta expansão, comumente denominada ‘Contrarreforma’ ou Reforma Católica, foi guiada pelos papas Paulo III (1468-1549), Júlio III (1501-1555), Paulo IV (1476-1559), Pio V (1504-1572), Gregório XIII (1502-1585) e Sisto V (1521-1590, buscando combater a expansão da Reforma Protestante e ao mesmo tempo fortalecer a Igreja. Além da reorganização de várias congregações religiosas existentes, outras foram criadas, dentre as quais a Companhia de Jesus ou Ordem dos Jesuítas. tendo como fundador Santo Inácio de Loyola (1491-1556).

Nesse ínterim, no outro lado do mundo, em 1541-1542, o capitão espanhol Francisco de Orellana atravessou a Amazônia, de oeste a leste, através do rio Amazonas. Entretanto, coube ao sertanista português Pedro Teixeira realizar, em 1637-1639, a primeira viagem exploratória do rio Amazonas e a missão de oficialmente tomar posse da região em nome da Coroa lusitana.

As histórias do Brasil e do Continente Africano foram conectadas a partir do século XVI. O início do processo de colonização do Brasil aumentou a presença de portugueses na África e impulsionou o tráfico negreiro.

Ainda no século XVI era voz corrente que “índios e negros não tinham alma”. Para os poderosos, eles eram homens sem ordem e sem fé, gente ignorante e decadente: podiam ser escravizados impunemente. Durante muito tempo poucos europeus questionaram o direito de, numa guerra considerada justa entre cristãos e não cristãos, os cristãos escravizarem os inimigos capturados – uma prática que se baseava no antigo direito romano.

Em nome de Cristo muitos religiosos cometeram barbaridades. A tradição cristã não só aceitava a escravidão como a justificava. Para o Cristianismo, a escravidão do corpo não era obstáculo para a libertação da alma subjugada pelo pecado. Essa questão seria modificada só após a promulgação da Bula Sublimis Dei, em 1537, pelo Papa Paulo III – providência esta que integrara o pacote de Reformas Católicas contrapondo-se à Campanha Protestante liderada pelo teólogo alemão Martinho Lutero.

Do ponto de vista lógico, uma afirmação tão categórica (‘indios e negros não possuíam alma’) nem precisava ter sido feita, já que a praxe dos missionários católicos era tentar batizar tanto indígenas quanto africanos. Leiamos o que diz o referido documento papal:

“[…] O inimigo da raça humana, que se opõe a todas as boas ações para levar os homens à destruição […] inventou um modo nunca visto antes de evitar a pregação da palavra de Deus para a salvação dos povos: ele inspirou seus servos, os quais, para agradá-lo, não hesitaram em propagar a ideia de que os índios do Ocidente e do Sul, e outros povos sobre os quais tomamos conhecimento recentemente, deveriam ser tratados como brutos incapazes de razão, criados para nosso serviço, supostamente incapazes de receber a fé católica. […] Consideramos, no entanto, que os índios são verdadeiramente homens e que não apenas são capazes de entender a fé católica como desejam muitíssimo recebê-la. Definimos e declaramos […] que os ditos índios e todas as demais pessoas que possam ser descobertas mais tarde por cristãos não devem de modo algum ser destituídas de sua liberdade ou da posse de sua propriedade, nem devem eles de maneira alguma ser escravizados; e, se acontecer o contrário, que a ação seja anulada e não tenha efeito”.

O decreto do Papa Paulo III reconhecia que os ameríndios possuíam alma, eram seres humanos. Em 1540 Paulo III baixou outra Bula – a Regimini Militantis

Ecclesiae –, desta feita para aprovar a constituição da Companhia de Jesus, ordem religiosa criada em 1534 por Inácio de Loyola com o objetivo missionarista de espalhar a fé cristã, cujos membros passaram a ser conhecidos como jesuítas.

Na conquista das terras americanas, a Igreja esteve presente conjugando interesses comuns aos dos governos colonizadores. Várias colônias foram estabelecidas nos futuros países de idioma espanhol e português (Brasil), além de Haiti e Guianas. O expansionismo europeu teve por base a teologia cristã, que afirmava ser a escravidão do índio um pequeno preço a pagar diante dos benefícios de sua inserção na civilização. À época, a ordem das coroas de Espanha e Portugal, em comunhão com a Igreja Católica Romana, era: “Trazer aos gentios a fé em Cristo e o respeito ao Rei”.

Ipso facto, a chegada dos jesuítas foi simultânea ao processo de conquista das terras do Brasil. O reino português tinha estreitas relações com a Igreja Católica e essa realidade se embasava no Padroado: um acordo instituído entre a Santa Sé e Portugal em que o Papa delegava ao rei desse país o exclusivo da organização e financiamento de todas as atividades religiosas nos domínios e nas terras descobertas por portugueses.

A primeira Missão jesuítica mandada para a América Portuguesa desembarcou no Brasil em 1549, em companhia do primeiro governador-geral da colônia Tomé de Sousa (1503-1579). Era um pequeno grupo sob o comando do padre Manuel da Nóbrega (1517-1570), e veio com o propósito de fundar em Salvador/BA o colégio da Ordem que se dedicou à pregação da fé católica e ao trabalho educativo. Perceberam que não seria possível converter os índios à fé católica sem que soubessem ler e escrever.

Sobre o assunto preleciona o historiador Eduardo Hoornaert:

“[…] Nesse contexto a Companhia de Jesus busca a salvação das almas através do ensino e da catequese. […] Ainda em 1549 é fundada a primeira escola do Brasil, em Salvador, data marco da fundação da cidade. A segunda escola é fundada em 1554 em São Paulo. Ensinava-se a ler, escrever, matemática e doutrina católica. Os jesuítas tinham a missão de transmitir a educação formal para os filhos dos portugueses e a catequização dos nativos. O colégio era o lugar de domínio das almas. […] Em março de 1550 chegaram outros quatro padres jesuítas. […] Em julho de 1553, chega ao Brasil o segundo governador-geral Duarte da Costa, e com ele mais um grupo de missionários. […] Em 1570 as obras jesuíticas já eram compostas por cinco escolas de instrução elementar (Porto Seguro, Ilhéus, São Vicente, Espírito Santo e São Paulo) e três colégios (Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia). Os jesuítas chegaram ao Brasil trazendo a educação moral, os costumes e a religiosidade europeia, além dos métodos pedagógicos como forma de educação universal”.

Importante destacar que, àquela altura, a Amazônia ainda não integrava o Brasil.

* Capítulo Terceiro do livro As Pedras do Rosario do Autor.

Obs. Este artigo teve suprimidas suas notas. A quem interessar a leitura do texto original, completo, pode acessar o link a seguir.

https://franciscogomesdasilva.com.br/obras-literarias/

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