Não é nova a preocupação de algumas personalidades mais categorizadas em Manaus com crianças pobres, “meninas desvalidas” e indígenas abandonadas ou em situação de vulnerabilidade social, como se diz nos tempos correntes. Na fase de nosso conhecimento pessoal, salta aos olhos o trabalho e empenho hercúleo de André Vidal de Araújo, seja como juiz de menores, seja como sociólogo e desembargador, legando inúmeras casas e serviços públicos e associações de apoio a esses menores.
Ainda nos tempos mais antigos da Província do Amazonas (1852-1889) e do Império do Brasil (1822-1889), pelos idos de 1867, em uma vila ainda bem acanhada e de população urbana reduzida, o padre e doutor João Manuel dos Santos Pereira, de grande influência na cidade, diante das condições em que padeciam inúmeras meninas, resolveu fundar em 26 de julho daquele ano, um asilo especial a que deu o nome de Asilo “Nossa Senhora da Conceição”, em natural referência à santa padroeira do lugar.
Para tanto, usando do seu prestígio junto ao governo e aos políticos e grupos dominantes, obteve subvenção dos cofres provinciais na ordem de rs. 4.000$000, para acolher 10 meninas indígenas desvalidas, dando a elas, além da assistência espiritual, apoio educacional e preparação para a vida, conforme os moldes usados naqueles anos.
Pouco tempo depois, estava funcionando para atender 23 meninas, em regime de internato e externato, para as quais ensinava as primeiras letras, música (canto religioso e piano), francês, geografia, história sagrada, história do Brasil, catecismo e prendas domésticas.
Diante de inúmeras dificuldades, especialmente de professores que se dedicassem a essa missão, o padre João Manuel decidiu por encerrar as atividades do internato em junho de 1872, mas o fez com critério, rescindindo o contrato de subvenção que havia firmado com o governo da Província do Amazonas, não sendo conhecido o destino que tiveram as alunas que vinham sendo atendidas nessa escola.
Medida semelhante seria repetida em 1884, na presidência provincial do Dr. Theodureto Carlos de Faria Souto, o mesmo que imprimiu solução na escravização de africanos residentes na província amazonense, com a criação do Asilo “Elisa Souto”, em homenagem a sua esposa e abolicionista, instalado na antiga chácara do Barão de São Leonardo, desta feia não só para meninas indígenas, o qual foi ampliado e retornou a ser exclusivo para indígenas e teve sua denominação alterada para Instituto “Benjamin Constant”, no governo de Eduardo Ribeiro (1892-1896), o que pode ser considerado uma de suas grandes obras no campo da educação, que foram muitas.
Essa preocupação com as meninas indígenas, segundo cronista de imprensa da época, decorria do fato de que muitas delas perambulavam desde as ruas da Barra, depois Manáos, sem moradia certa, sem convivência com familiares adultos e expostas a agressões, sujeitas a serem submetidas a sevícias, inclusive sevícias sexuais. Isso porque a transferência de grupos e famílias de povos originários dos altos rios para as sedes das cidades não era feita por interesse ou decisão desses grupos, como se pode pensar, mas por imposição das condições de vida, em decorrência da atração de bens de troca oferecidos na capital, mas, sobretudo, em razão de cooptação que redundava, quase sempre, em escravização para o trabalho de interesse de famílias de origem europeia e da própria igreja católica.
As políticas públicas para indígenas, pois, são necessidades antigas em nossa sociedade e continuam a ser indispensáveis, agora moldadas em critérios completamente diferentes dos que referimos.
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