Manaus, 12 de agosto de 2025

Benção silenciosa

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Não havia alardes para a concessão da benção de paz e amor com que nosso pai nos ungia todos os dias, a cada amanhecer, anoitecer ou a cada vez que íamos sair, ou estávamos chegando em casa. Havia uma voz forte e pausada e ao mesmo tempo doce que soava como um hino de paz. Um olhar generoso e compreensivo mesmo se passássemos um pouco da hora marcada para o regresso, precisamente quando a noite acabara de começar e os sinos da igreja de São Sebastião ainda não haviam batido as vinte e duas horas, pois era este o horário improrrogável para o recolhimento, mesmo quando rapaz formado.

A liberalidade de ampliação desse horário poderia se dar em dias de festas, mediante autorização prévia, ou, no caso dos irmãos mais velhos, quando saíam para fazer serenatas no tempo em que essa moda era a tradução da elegância e da demonstração do encanto por jovens moças que nem sempre conseguiam abrir as janelas para ouvir as canções que lhes eram dedicadas, mas respondiam a esse gesto de carinho e cavalheirismo acendendo a luz do quarto ou da sala de visitas.

Como nunca fui do grupo das serenatas, estas que sempre foram animadas por José, Maria Justina e Lourenço na companhia de padre Manuel Bessa Filho, Negrão, José Damasceno, Carlos Carneiro, Ulibraldo e às vezes Almir Silva, porque ficava em casa pude observar a preocupação que tomava conta de nossos pais e a inquietação que procuravam dissimular, a qual cedia somente quando abriam a janela do quarto do segundo andar para jogar a chave da porta principal permitindo a entrada dos seresteiros.

Essa benção paterna reinava sobre nossos espíritos como a proteção divina, verdadeiramente, como a palavra de Jesus a nos acolher sob seu manto de luz e paz, além de representar uma forma de respeito, admiração e solene cumprimento filial e quase adoração a que fomos motivados e aprendemos a cultivar desde crianças.

Não lembro, uma vez sequer, nenhuma, que tenha amanhecido, adormecido, entrado ou saído da casa de nossa residência sem ter pedido a benção a meu pai e à minha mãe, e deles tenha deixado de ouvir a solene resposta símbolo imaculado da desejada proteção: “Deus lhe abençoe”.

Este gesto permitia que se formasse sobre nós uma couraça. Vestíamos a temperança, a solidariedade, a coragem, a paz, o altruísmo e saíamos para descobrir o mundo acreditando que poderíamos transformá-lo, pois levávamos conosco a força-motriz daquelas palavras que podem parecer comuns, mas que nos permitiam sentir e perceber os sentimentos mais puros e benfazejos, e jamais nos arrependemos desse gesto amorável.

Um dia, quando não esperávamos, não desejávamos como não desejaríamos ainda hoje, nem nos convencemos que tenha acontecido, fomos beijar-lhe a fronte em despedida. Pedir a benção diante do corpo inerte e rogar a elevação dos seu espírito por caminhos de muita luz sob a orientação dos seus guias e protetores. Dizer-lhe, sem possibilidade de resposta pela voz forte, doce e suave que tanto nos acalentou, dizer-lhe do nosso amor como talvez não tenhamos dito tanto quanto era nosso desejo, sempre confiando que haveria mais tempo para continuarmos ouvindo o seu coração bater junto aos nossos, na esperança de que seria eterno.

Ainda ali, confesso, recebi a sua benção silenciosa de amor no fundo do meu coração a qual guardo comigo como relíquia santuária.

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