Manaus, 7 de setembro de 2024

Brasil e Portugal

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Entre o Brasil e Portugal há um relacionamento complicado, contraditório, repleto de ressentimentos e muita retórica.

Num tempo não muito distante, há uns quarenta ou cinquenta anos atrás Brasil e Portugal mantinham uma estreita vinculação cultural, uma intimidade literária invejável e laços comerciais sólidos. Talvez naquela época inexistisse a atual tendência de agrupamentos econômicos plurinacionais. Talvez naquela época ambos os países estivessem distante do eixo principal da política internacional.

Não vem ao caso, o importante é que o antigo colonizador e a imensa ex-colônia mantinham algo que foi desaparecendo, esgarçando-se, rompendo até mesmo alguns laços mais profundos, como os de parentesco e de sangue. No campo de literatura, os escritores não apenas se a uto congratulavam como hoje, mas eram intensamente lidos nos dois lados do oceano. Indo mais para o passado, a popularidade de certos autores portugueses no Brasil era tanta, que engendrou mudanças de todos os tipos, como a introdução do moderno conceito de direitos autorais, a partir do célebre processo de Eça de Queiroz contra um jornal carioca de lhe pirateava os textos. E vindo mais para o presente, não podemos esquecer que foi no Brasil, nos anos 60, que a trajetória de Fernando Pessoa como glória da poesia de língua portuguesa começou a ganhar corpo. Entre os livros de Marcuse e Mao Tsé Tung, estava Fernando Pessoa, e qualquer estudante contestatário podia recitar tanto uma frase de Karl Marx quanto o poema da Tabacaria inteiro. Algo, no \ entanto, aconteceu. O mundo do r século XX prometeu encurtar as distâncias, criando vias de informações instantâneas. A guerra do Vietnã foi vista e perdida através da televisão, mas não se viu nenhuma imagem, nenhuma cena, absolutamente nada, e não restou nenhum ícone da guerra do Vietnã, dos pobrezinhos lutada em língua portuguesa na África. Portugal e Brasil começavam a se distanciar.

No Brasil, mesmo quando se falava tanto em buscar as raízes latino-americanas, ninguém se lembrava de que para isto ser feito de verdade era necessário assumirmos a nossa herança lusitana. E Portugal, após se livrar da água benta do Dr. Oliveira Salazar, buscou esquecer a sua identidade de terra marinheira e t quis ser Europa. Resultado, passamos a nos relacionar apenas pela lógica fria dos negócios, através da cultura dos negócios.

Mas a lógica dos negócios não é boa para estreitar laços culturais, já que cultura é emoção e negócio é cálculo. No terreno da emoção, hoje pouco nos entendemos. No terreno do cálculo perdemo-nos no labirinto de etiquetas e pequenas agressões.

Os brasileiros fazem piadas idiotas sobre os portugueses, mas exportam as idiotices das telenovelas. Os portugueses empinam o nariz e barram no aeroporto as mulatas brasileiras, mas exportam para o Brasil o modelo empresarial que espoliava as áfricas. No meio disso tudo, o distanciamento até mesmo no vernáculo, que não gera apenas desencontros folclóricos, mas permite, e muito, a ampliação do muro que já nos separa.

Antigamente a literatura pelo menos ajudava a manter bem pavimentada a nossa estrada linguística comum, hoje somos todos limitados leitores do idioma, já que se algum texto se afasta da estreita faixa da norma internacional, já estamos perdidos a pedir um tradutor. Um amigo meu, brasileiro, comentou que tinha muita dificuldade em ler romances portugueses, porque era como se existisse um ruído entre ele e o texto. E não era apenas uma questão de vocabulário, o que ele tinha era perdido a capacidade de ler em língua portuguesa na versatilidade e riqueza que este idioma neolatino tem hoje, no final do século XX. E a prova é que este amigo acabou lendo os romances de autores portugueses, pasmem-se: em traduções para o espanhol ou francês. Regressemos ao encontro de Camões.

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