“(Alcides Bahia) foi o primeiro negro a chegar a essa importante posição (deputado estadual) no cenário político nacional”.
Tenho acompanhado, com a costumeira atenção, as manifestações insistentes de parte da sociedade brasileira em chamar a atenção das autoridades constituídas e dos órgãos de controle da Administração Pública para os direitos de cidadãos, de todos os gêneros e opções de vida, residentes no território do País.
Nesse sentido, vale considerar decisões mais ou menos recentes, adotadas, por exemplo, pela Universidade do Estado do Amazonas ao tempo de seus primeiros anos e sob a reitoria do professor Lourenço Braga que definiu, por lei, o sistema de cotas para ingresso na instituição especialmente destinadas a índios e ampliada para alunos da escola pública, naturalmente porque nesta se incluem, com segurança, negros, pardos, brancos e amarelos desfavorecidos pelas condições sociais com as quais se beneficia pequena parte da população. Isso deu base para o atendimento da expectativa de número expressivo de estudantes, rompeu barreiras e serviu de exemplo para outras instituições semelhantes.
Naqueles anos já se considerava que a medida, embora oportuna e necessária, chegava tardiamente, pois teríamos perdido centena de anos no campo da educação e dos direitos sociais, com postura retrógrada que não reconhecia a importância do estabelecimento de medidas que permitissem a redução do fosso entre os mais privilegiados, ditos falsamente como de origem europeia, e as populações que, há séculos, padeciam em situação de diferença imposta por parte que se considera maioria da sociedade nacional, seja do ponto de vista econômico, social, racial e político.
Esses debates que ainda se arrastam – e deveriam ter tido fim de há muito, com a igualdade de todos os cidadãos em direitos civis e sociais -, trazem à memória o empenho de grupos de negros amazonenses, muitos dos quais herdeiros da tradição maranhense de tanta importância para nossa história, em certo tempo empalmada por Nestor Nascimento, Kaká Bonates e outras figuras excepcionais da época, particularmente com o Movimento Alma Negra que defendia esses direitos.
Se volvermos no tempo, ainda um pouco mais, será possível referirmos, por exemplo, o episódio histórico da eleição do jornalista Alcides Bahia para deputado federal pelo Amazonas que, na década de 1920, depois de ter sido consagrado nas urnas e com relações políticas com o grupo que estava no poder, por pouco não foi pilhado no direito de assumir a cadeira parlamentar unicamente porque era negro, ainda que outras razões tenham sido expostas com o objetivo de mascarar essa verdade. A Comissão de Poderes, acostumada a “garfar” mandatos dos opositores dos governos locais, inaugurava a postura de tomar eleição de um membro do poder estadual.
Alcides Bahia era engenheiro civil formado na Escola Politécncia do Rio de Janeiro, jornalista de boa escola, combativo, afugentado de São Luiz do Maranhão e de Belém do Pará unicamente por questões políticas, membro fundador da Academia Amazonense de Letras, poeta, escritor conhecido, antigo deputado estadual, mas somente conseguiu ser empossado porque brasileiros do Rio Grande do Sul lideraram uma intensa campanha na imprensa denunciando que essa decisão representava ofensa ao direito civil e se fazia, unicamente, porque se tratava do primeiro negro a chegar a essa importante posição no cenário político nacional. Essa reação, escancarando a verdade, obrigou a famigerada Comissão de Poderes da Câmara Federal a rever a decisão e reconhecer o diploma de Bahia que pode exercer o mandato.
Difícil constatar que, no século XXI, boa parte dos brasileiros se mantenha arraigado a questões ultrapassadas e que, a rigor, jamais deveriam ter existido e a maioria precisa lutar e resistir em defesa dos direitos de igualdade.
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