Para trazer notícias rápidas ao leitor assíduo que imagino ter fidelizado nestes mais de cinquenta anos em que escrevo em jornais de Manaus, sempre ando cascavilhando em meus arquivos e anotações os registros antigos que fazia nas horas feriadas da juventude passada. Umas notas curiosas, dia desses me chamaram a atenção porque se referem a casas que, na capital amazonense, serviam de teatro para o entretenimento preferido de boa parte da população, de tal modo interessantes que resolvi compartilhar algumas delas, neste artigo.
Desde os finais dos anos 1870 funcionava o Teatro da Beneficente Portuguesa com função mais intensa a partir de 1885, portanto, um ano após a abolição da escravatura negra no Amazonas, a única “sala” dedicada a espetáculos de arte que funcionava em terreno da Sociedade Beneficente Portuguesa, na então Praça Uruguaiana, depois denominada de Praça General Osório, em local onde anos mais tarde foi construído o Palácio Episcopal. Era um modesto barracão de forma circular com um esteio ao centro, no qual também eram realizados leilões beneficentes para a edificação do prédio hospitalar, e que o povo chamava de “Chapéu de Sol”.
Foi nesta “casa de arte” que o primoroso maestro Adelelmo Nascimento, logo após a sua chegada a Manaus, fez o primeiro recital com violino muito bem utilizado por mãos hábeis e forte dose de sentimento, inaugurando outra fase de eventos no lugar. Mesmo assim, continuaram a ser realizadas conferências políticas para discussão popular sobre projetos de lei em tramitação na Assembleia Provincial, festas em benefício das alunas do Asilo Orfanológico e espetáculos de magnetismo que fizeram larga temporada na cidade.
Por lá se apresentavam Lima Penante, Braga, Passos, Helena Balsemão e outros artistas, a divertirem o pouco público que acorria aos espetáculos sob calor infernal, mas, de repente, o apetite pelo lírico começou a dar alguns sinais. Nesta casa estiveram os artistas Medeiros e Isolina Monclar, com textos de Alexandre Dumas, e foram realizados os bailes de carnaval organizados por Soares Raposo a que mestre Genesino Braga sempre referia em primorosas crônicas com as quais brindava os manauenses nas domingueiras.
Melhor organizado foi o Eden-Theatro, de propriedade de Couto & Lucas, levantado ao lado do Hotel do Comércio, a seguir denominado de Hotel El-Dorado, que ostentava decoração de Arturo Luciani e pano de boca que representava a humanidade em marcha, época em que, ao que se diz na imprensa diária, foi organizada uma companhia lírica local.
Eis como se pode ilustrar os primeiros anos de arte dramática e lírica em Manaus, ao tempo do Império (1822-1889), em uma cidade de poucos habitantes, muitos dos quais analfabetos e uma pequena classe média-alta enricando, mas talvez nem esperasse viver o apogeu da economia da borracha. Entretanto, dele soube se aproveitar no sentido mais amplo, inclusive esbanjando libras esterlinas e sonhando em transformar a antiga Barra do Rio Negro em uma Paris nas selvas.
Teria sido daí o interesse por um teatro público, como se denominou, a princípio, o Teatro Amazonas que veio a surgir a partir de 1881 como projeto de lei e teve as obras iniciadas em 1884, logo interrompidas e retomadas em 1892 depois de muitas idas e vindas, graças ao empenho e determinação de Eduardo Ribeiro, o seu verdadeiro construtor.
É de se perguntar: teria sido daí o interesse pelo lírico em Manaus?
*Professor, historiador e Advogado. Especializado em Direito Agrário, pós-graduado em Administração de Política Cultural e Mestre em Direito Ambiental. Professor da Escola Superior da Magistratura do Amazonas e da Universidade do Estado do Amazonas. Ex-presidente da Academia Amazonense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas. Ex-Secretário de Estado de Cultura, desde 1997 até 2017 e atual Presidente da Academia Amazonense de Letras.
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