A sustentabilidade da Amazônia gerando qualidade de vida aos seus povos e estabilidade ecológica ao planeta é muito dependente da Ciência, Tecnologia e Inovação (CTI). Este quarto artigo apresenta os principais compromissos federativos do estado nacional com a Amazônia para a materialização plena deste quadro político, numa perspectiva amazônica.
A importância da Amazônia para o Brasil constitui unanimidade nacional. Embora esta condição não esteja sendo impedimento à sua contínua destruição. Nessa região encontra-se uma das maiores biodiversidades mundiais em área sólida e contígua, 1/3 das reservas mundiais de florestas tropicais, 1/5 da água doce superficial do planeta convergindo para o maior e mais volumoso rio do mundo, além de se constituir em entidade física relevante nas estabilidades termodinâmica e climática dos processos atmosféricos em escala planetária.
A Amazônia brasileira é formada pelos Estados do Amazonas, Acre, Pará, Amapá, Roraima, Rondônia, Tocantins, partes dos Estados do Maranhão e Mato Grosso, totalizando 4.987.247km2, 3/5 do território brasileiro e 2/5 da América do Sul, que corresponde a 1/20 da superfície terrestre, 1/3 das florestas tropicais mundiais, e 1/5 da biodiversidade em terra sólida do planeta. Nesses nove Estados habitam mais de 32 milhões de pessoas, 4/1000 da população mundial com mais de 70% desses habitantes morando em áreas urbanas, dentre os quais 163 povos originários, que totalizam mais de 384 mil parentes, ou 44,7% da população indígena brasileira. A Amazônia também possui mais de 400 bilhões de árvores, 2 mil rios e uma complexa hidrografia com mais de 75.000 quilômetros de rios navegáveis, 50% do potencial hidrelétrico do Brasil, mais de 75 milhões de hectares de várzeas, grande potencial madeireiro e fonte de biomassa, 11.280 km de fronteiras internacionais e ricas reservas minerais.
A institucionalização de políticas públicas na Amazônia, em especial de uma Política de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação, exige implantar modelos de desenvolvimento sustentáveis integrados às suas complexidades culturais, ecológicas e socioeconômicas. Modelos que fortaleçam a sua integração regional e nacional e a implantação de estruturas e tecnologias sociais acessíveis a todos, gerando renda, valorização social e cidadania para as suas populações, e preservação ambiental na região.
Por essas razões, reivindicamos os seguintes compromissos federativos e republicanos da Política de Estado de CTI do Brasil com as Políticas Públicas da Amazônia:
1. mobilizar a sociedade e as instituições brasileiras para reafirmar a importância da Ciência e Tecnologia como processo de humanização e desenvolvimento socioeconômico da Amazônia e do Brasil;
2. investir US$1 trilhão na Política de CTI direcionada à integração regional e nacional da Amazônia ao Projeto nacional, durante 2024-2036; integrar as parcerias entre os governos federal, estadual e municipal e o setor privado e criar as condições estruturais para o seu desenvolvimento sustentável; e sediar na região as instituições nacionais estratégicas ao seu desenvolvimento, tais como: BNDS, Instituto Rio Branco, INPE, CNPq, Capes, etc.
3. garantir a soberania e institucionalizar a presença do Estado nacional na região, com integração, descentralização e interiorização das agências estaduais e federais de planejamento e execução de políticas públicas e do desenvolvimento socioeconômico da região. Fortalecer a cooperação entre o Brasil e os países amazônicos por meio de empreendimentos de educação e CTI;
4. priorizar investimentos em CTI articulados às suas políticas públicas de educação, saúde, transporte, abastecimento e segurança alimentar integrada à agricultura familiar, habitação, bioindústria, inclusão digital e aos mecanismos de desenvolvimento limpo implantados na região;
5. acelerar o processo de integração dos estados amazônicos ao sistema nacional de produção, distribuição e uso de eletricidade, e ao uso sustentável de fontes alternativas de energia; e criar tecnologias sociais que assegurem o acesso das populações interioranas às redes digitais de comunicação e informação regionais, nacionais e mundiais;
6. implantar centros de diagnóstico e controle de desmatamento ilegal e uso da terra, e, uma política pública em serviços ambientais integrada à região, com a recuperação de áreas degradadas, conservação da biodiversidade, dos recursos hídricos e a mitigação das mudanças climáticas;
7. implementar o seu zoneamento ecológico-econômico, e criar mecanismos estruturantes que ampliem e incorporem mais competitividade às suas matrizes industriais e produtivas;
8. assegurar a formação científica e os direitos constitucionais aos povos indígenas e às comunidades tradicionais, e promover a equidade social, considerando gênero, geração, raça, classe social e etnia; e implantar a Universidade Intercultural;
9. implantar uma plataforma tecnológica para o uso e preservação da água em todos os centros urbanos e rurais da Amazônia, priorizando mecanismos de integração da bacia hídrica pan-amazônica; revitalizar o sistema aero-portuário da Amazônia, priorizando sua integração municipal, regional e nacional, e sua interligação modal e rodo-aero-fluvial; e,
10. institucionalizar um programa nacional de difusão e popularização da CTI centrado na Amazônia.
Estes pressupostos constituem a base, mínima, de novos projetos e programas de CTI para a construção da Amazônia sustentável. O próximo artigo apresentará as razões políticas que exigem a implantação de uma política pública para o desenvolvimento sustentável nos trópicos úmidos, em especial no estado do Amazonas. Devido a sua complexidade e abrangência, esta política será apresentada, em forma sequenciada, nos próximos nove artigos. Finalizando este quarto texto, apresento o poema “Amazônia, Ciência e Saber: diversidades e interculturalidade”.
AMAZÔNIA, CIÊNCIA E SABER: diversidades e interculturalidades*
Amazônia,
Fonte de desafios ao logos;
Culturas milenares complexas,
Protagonistas de concepções
Que antecedem e transcendem
A construção e a organização
Da ciência europeia,
E as suas ambições imperiais.
Dois mundos diversos,
Com a Amazônia amordaçada
Pelos invasores e os poderes políticos;
Desde os tempos remotos,
A Amazônica se revela como laboratório
Das linguagens tecnificadas.
Culturas e naturezas espiritualizadas,
Tesouro do Brasil e da Humanidade;
Fonte de encantamentos e sabedorias,
Compartilhadas e revivificadas
Por seus povos indígenas e populações.
Região de encontro e confronto
Entre o Novo e o Velho Mundo.
Lugar onde o mito e o logos
Alinham-se para formar
As sociedades de saber,
Centradas nas sustentabilidades culturais
E ecológicas de suas artes, línguas,
Literaturas, antropologias, naturezas,
Territórios, educação, economias,
Arranjos produtivos, mobilidades,
Comunicação, saúde, ambientes,
Diversidades, cosmogêneses, histórias
E práticas de convivências.
Ciências e tecnologias das filosofias
Das florestas e rios, das mudanças
Climáticas e da injustiça ambiental,
E nas descontinuidades
Entre o divino e o humano,
Na Amazônia profana e sagrada,
Inovadora e inclusiva,
Acolhedora e envolvente.
Amazônia desprotegida e desprezada
Pelos aventureiros e milicianos
Do capitalismo predatório.
Carente de preservação
E integração regional e nacional,
E parcerias nacionais e internacionais,
Que fomentem e promovam
A sua popularização mundial,
E condição de Patrimônio da Humanidade,
E o seu desenvolvimento sustentável.
Amazônia e filosofia do ser,
Amazônia e educação científica,
Amazônia e Museus vivos,
Amazônia e políticas públicas,
Amazônia e bioindústria,
Amazônia e tecnologias tropicais,
Arqueológicas, antropológicas, artísticas,
Sociais, florestais, navais, verdes,
Energia limpa, segurança alimentar,
Novos materiais, digitais, mediáticas,
De comunicação e gestão ambiental.
Amazônia iluminada
Pelas cooperações internacionais,
E por sua Universidade Intercultural,
Centrada em suas naturezas e culturas,
Educação e ciência e tecnologia,
Inovações e processos produtivos,
Economias e serviços ambientais,
Territórios e povos,
E preservação e integração.
Universidade que articulará:
Saber indígena e políticas públicas,
Sociedades do saber e etnociências,
Cultura, natureza e artes indígenas,
Desenvolvimento sustentável
E economia indígena;
E educação indígena e ciência
E tecnologia e inovação.
Universidade, fonte de múltiplas
Interculturalidades centradas
Na formação de professores indígenas,
E na cultura e comunicação científica,
Nas tecnologias das florestas e águas,
Nos novos materiais sustentáveis,
Nas novas tecnologias e processos
De gestão sustentáveis,
E nas políticas públicas e artísticas
Permeadas pela sustentabilidade.
Num novo mundo guiado
Por diversidades e interculturalidades.
Conhecer e proteger a Amazônia
E nossas origens e futuros comuns,
Compartilhados por todos os povos
E pelas gerações precedentes,
Constituem grandes desafios.
Amazônia,
Suas diversidades e belezas
Instigam nossas mentes e corações,
Nesta era da sustentabilidade.
Abarcam os seus mitos
E as inovações tecnológicas;
E, também, os desejos e sonhos,
Por um mundo de paz e inclusão social.
Nesta era de mudanças climáticas extremas,
Que conclama a sua sustentabilidade,
Renovamos nossas solidariedades contigo,
Hoje e Sempre.
Manaus, 25 de Fevereiro de 2022
*Poema publicado no livro “Amazônia nosso tesouro”, Marcílio de Freitas, KDP – Amazon Book, 2022
Manaus, 16 de Abril de 2023
Marcílio de Freitas
Marcílio de Freitas é professor-aposentado do Depto de Física da Universidade Federal do Amazonas. Publicações recentes: Ver: https://www.amazon.com.br/kindle-dbs/entity/author?asin=B0BB3D1DBX
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