Manaus, 18 de setembro de 2024

Considerações sobre a Avenida Parque: principal logradouro público de Itacoatiara

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Avenida Parque – principal via pública da cidade de Itacoatiara, com 1.830 metros de extensão e 32 metros de largura. Suas duas pistas de rolamento cercam um passeio central com o mesmo comprimento, ladeado por 348 pés de oiti (Licania tomentosa), árvore nativa da Mata Atlântica brasileira, formando um extenso e belo túnel verde. Esse importante logradouro, que emergiu do casulo e transcendeu o seu tempo, tornou-se um marco na História de nossa terra. É sobre o “ontem” e o “hoje” desse tempo que discretamente trataremos aqui.

O conceito de “ontem” é fundamental para a compreensão do tempo e para o estudo da História. “Ontem” é uma palavra que utilizamos para referenciar o dia anterior ao presente. Porém, o significado de “ontem” vai além do fato de ser um dia anterior. O termo carrega consigo a ideia de “passado”, de algo que aconteceu. Representa as experiências vividas, as ações realizadas e as memórias que vimos construíndo. Um momento que já se foi, mas deixou marcas em nossas vidas.

A Avenida Parque foi aberta em 1870. Começou como um simples caminho no meio da mata, dividindo ao meio, de sul a norte, a então vila de Serpa. O plano original, mandado executar pelo então presidente da Câmara Municipal, o judeu Elias Pinto de França (c.1821-c.1897), previa uma estrada com 60 palmos (13 metros) de largura e duas milhas (3,2 quilômetros) de extensão, indo alcançar o Vale do Ventura – atual Lago da Poranga.

Efetivamente, os trabalhos de urbanização dessa via pública só começariam meio século após a abertura da estrada original – na administração do prefeito Isaac José Perez (c.1876-1945), o qual, graças ao apoio financeiro recebido do então governador do Amazonas, Efigênio Ferreira de Salles (1877-1939), construiu e inaugurou em 1928 os primeiros 400 metros de artéria, com duas pistas laterais em concreto simples e o passeio central ajardinado.

Isaac José Perez, o administrador visionário, deixou uma marca indelével em Itacoatiara. Foi o primeiro gestor a receber a designação de prefeito após a extinção do cargo de superintendente municipal pela Constituição Estadual de 1926. Inspirado pela grandiosidade da Avenida Champs-Elysées em Paris – que conheceu em período anterior – Isaac Perez urbanizou a principal via pública de nossa cidade, transformando-a com características semelhantes às da capital francesa e, assim, contribuiu significativamente para o desenvolvimento e o encanto de Itacoatiara.

A Avenida Parque é uma das mais badaladas do Brasil. A acanhada estrada de antigamente ajudou a impulsionar a vila de Serpa; viu a cidade nascer e crescer, trouxe mais alegria e deu maior orgulho ao seu povo. Atualmente, é uma das maiores expressões do desenvolvimento urbano local. À medida do passar dos anos, recebeu vários títulos, quais sejam: Travessa da Liberdade (1895-1897); Avenida da Liberdade (1897-1917); Avenida Amazonas (1917-1919); novamente Avenida da Liberdade (1919-1923); Avenida Conselheiro Ruy Barbosa (1923-1957); Avenida Plínio Ramos Coelho (1957-1965); Avenida Torquato Tapajós (1965-1993); e finalmente, a partir de 1993, Avenida Parque.

Sua atual nominação resultou de uma emenda do vereador Jander Rubem Nobre ao Projeto de Lei apresentado à Câmara Municipal de Itacoatiara, em 22 de junho de 1993 pelo autor do presente texto – à época Promotor de Justiça da capital licenciado e que, eleito vereador, passou a atuar naquela Casa Legislativa. Gomes da Silva liderava a oposição ao governo municipal (uma bancada de apenas três vereadores) e Jander Nobre era o líder da maioria na Casa (oito vereadores).

O objetivo do projeto sob referência era o de substituir o nome do engenheiro amazonense Torquato Tapajós (1853-1897), dado ao logradouro em 1965, pelo do capitão-general Francisco Xavier de Mendonça Furtado (1700-1769) – estadista colonial português que coordenou, no século 18, o processo de transferência (1758) da povoação jesuítica que deu origem à vila de Serpa (1759), do rio Madeira para as proximidades do Sítio Itaquatiara, no rio Amazonas – lugarejo que ganharia, em 1874, a  titulação de cidade com o nome de Itacoatiara.

Entretanto, venceu a emenda proposta pelo vereador Jander Nobre indicando a substituição do título “Avenida Mendonça Furtado” para “Avenida Parque”, talvez motivado pela intuição popular, segundo a qual a predominância de cobertura vegetal na via pública conferia-lhe características de parque urbano. Aprovado o projeto, o texto final subiu à sanção do então chefe do Poder Executivo – Francisco Pereira da Silva – resultando na Lei municipal nº 17, de 22 de junho de 1993.

A Lei nº 17/1993 trata da “Subdivisão do Distrito-sede do Município” e, como tal, manda regular os processos de criação de novos bairros e de nominação dos logradouros públicos. Ao fixar os limites territoriais do Centro da cidade e dos 12 bairros então existentes, o referido dispositivo legal determina: a) o ponto central de referência da Cidade é a Praça da Matriz (atual Praça da Catedral); b) o título Avenida Parque se estende da margem do rio Amazonas à rua 5 (do Conjunto SHAM), no bairro do Iracy; e c) o trecho que se prolonga da rua 5 (atual rua Aquilino Barros) ao aterro da Poranga, denomina-se Avenida Torquato Tapajós.

O Brasil – à época em que tramitou o projeto que resultou na Lei municipal nº 17 – acabara de entrar em um período democrático significativo. A Constituição Federal de 1988 valorizou os direitos sociais e fundamentais, e os municípios obtiveram a consagração máxima de autonomia, como nunca haviam vivenciado. Por outro lado, desde 1990 vigorava a Lei Orgânica Municipal de Itacoatiara (Lei nº 4, de 5 de abril de 1990), oriunda de um projeto igualmente elaborado pelo autor deste livro, mediante encomenda da Mesa da Câmara Municipal, presidida à época pelo vereador Arialdo Guimarães da Silva.

Importante esclarecer: a quase unanimidade dos constitucionalistas do nosso País confirma o óbvio – a nomeação dos espaços públicos é um ato muito delicado. Nomear não é uma atividade administrativa banal; ao contrário, envolve aspectos muito sensíveis da memória coletiva. Segundo a Constituição Federal de 1988 batizar um bem público e ao mesmo tempo homenagear algo ou alguém se situa na interseção dos direitos culturais

O ato de nomear os espaços públicos, como ruas e praças, está envolto em muita simbologia e, portanto, frequentemente cercado de polêmica. É como homenagear-se homem público (vivo ou morto), uma data, um evento, um sentimento ou até mesmo uma aspiração, sempre cheios de significado, o que evoca as lembranças de atitudes, comportamentos e valores, dos quais decorrem juízos sobre o acerto ou o erro da homenagem.

Até o final de 1992, o comprimento da Avenida Parque ascendia a cerca de 900 metros lineares, abrangendo sete quadras, desde a margem do rio Amazonas ao prédio da Secretaria Estadual de Fazenda, na esquina da rua Benjamin Constant. Sua extensão atual (1.830 metros), alcançando a rua 5 da SHAM (acrescida de outras cinco quadras), resultou do trabalho determinado e corajoso do prefeito Francisco Pereira da Silva (vulgo Chico do INCRA), que governou o Município no período 1989-1992.

Apoiado pelo então governador Amazonino Mendes (1939-2023), tendo ao seu lado ladeado o vice-prefeito José Resk Maklouf (1945-2016), mas sobretudo, bem assessorado por vários filhos da terra, incluso o autor do presente trabalho – o prefeito Francisco Pereira da Silva conseguiu realizar um feito administrativo verdadeiramente inédito: dobrou em tamanho a Avenida e deu mais qualidade à sua infraestrutura. Ainda assim, sua atual extensão está muito aquém das dimensões planejadas pela presidência da antiga Câmara de Serpa, em 1870: 3,2 quilômetros!

Ao dar maior notoriedade à via pública, o prefeito Chico do INCRA superou a marca dos gestores que o antecederam ao longo de 64 anos passados, contados a partir da administração de Isaac José Perez (1926-1930). É bem verdade que todos os gestores que o sucederam têm contribuído – uns mais e outros menos – para manter o bom nível de qualidade dos trabalhos urbanísticos da Avenida, de molde a impulsionar o desenvolvimento da cidade, dar-lhe mais visibilidade e torná-la ainda mais atraente para investimentos e turismo.

No dia 13 de abril de 2025, o nosso principal logradouro público completará 155 anos de existência. A Avenida Parque é o Cartão-postal de nossa cidade – que a releva e destaca no mundo inteiro. É quase duas vezes mais extensa que a principal Avenida de Manaus: a Eduardo Ribeiro, e ligeiramente menor que a Avenida Paulista, em São Paulo, e a Avenida Presidente Vargas, em Belém do Pará.

A Avenida Parque enquadra-se claramente no conceito de “parque urbano”. É um espaço público com dimensões significativas e a predominância de elementos naturais, principalmente cobertura vegetal. Combina perfeitamente com as menções dos seguintes notáveis geógrafos/docentes da USP, que apresentam os elementos consensuais para a definição de parque urbano:

Sílvio Soares Macedo (cf. “Parques Urbanos no Brasil”, São Paulo/2002):

 “[…] O parque urbano contemporâneo brasileiro é, essencialmente, um espaço de convívio social múltiplo, tendo como base o lazer e possibilitando as mais diversas formas de interação, tanto entre os indivíduos entre si, como destes com os elementos naturais”.

Sidnei Raimundo & Antonio Carlos Sarti (cf. “Parques urbanos e seu papel no ambiente, no turismo e no lazer da cidade”, São Paulo/2016):

“[…] Na cidade contemporânea, os equipamentos e atividades de lazer e turismo têm nos parques urbanos um forte aliado. Refletem um ideal e um imaginário sobre a natureza e meio ambiente dos citadinos, na tentativa de re-encontrar ou religar-se à natureza. […] Apresentam características para garantir um conforto ambiental para os moradores em suas atividades de trabalho e de lazer”.

Rosa Grena Kliass (1993), citada por Sidnei Raimundo & Antonio Carlos Sarti, acima referidos (cf. “Parques urbanos e seu papel no ambiente, no turismo e no lazer da cidade”, São Paulo/2016):

“[…] Espaços públicos com dimensões significativas e predominância de elementos naturais, principalmente cobertura vegetal, destinados à recreação”.

Portanto, a Avenida Parque é o lugar mais icônico de Itacoatiara, e a principal atração desse espaço é o seu túnel verde. Ela divide ao meio a cidade, de sul a norte, a partir do rio Amazonas e, após atravessar o centro urbano e parte do bairro de Pedreiras e do Conjunto SHAM, vai desembocar na Rodovia AM-010, propiciando a fácil e direta ligação com a vila de Lindóia, a sede do Município de Rio Preto da Eva e a capital do Estado.

Seu canteiro central foi reconhecido como Patrimônio Cultural de Natureza Material, tanto pelo Governo do Estado do Amazonas quanto pelo Município de Itacoatiara, ex-vi da Lei estadual nº 4.608, de 13 de junho de 2018, e da Lei municipal nº 463, de 6 de julho de 2021.

OBSERVAÇÃO: as linhas acima referem-se ao texto preambular do 2º Capítulo do 19º LIVRO de minha autoria, em preparo, intitulado ITACOATIARA: Evolução do Sítio Urbano. Cronologia da Avenida Parque.

Enquanto isso, articulamos junto a alguns membros da representação política federal do Amazonas no sentido de viabilizar a redação e consequente apresentação de um Projeto de Lei ao Congresso Nacional propondo o reconhecimento da Avenida Parque como Patrimônio Cultural de Natureza Material do Brasil.

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