Manaus, 6 de dezembro de 2023

Conversando com as saudades

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É esta a imagem que revejo agora ao me permitir conversar com as saudades que carrego de minha mãe querida, sem que meu coração sangre pela distância física que nos separa.

Ha tempos em que as saudades nos esmagam pela dor e pela tristeza. Parece que vão nos abater para sempre no mergulho pelo qual somos levados a grandes profundezas de onde sentimos dificuldades imensas de emergir. Há tempos em que conseguimos conversar com as saudades, redescobrindo lembranças que, mesmo sem eliminarem a tristeza, permitem certo tom de emoção pela reaproximação de entes queridos que essas conversas nos permitem conseguir, na revisão das horas muitas de felicidades antigas.

É o que se dá comigo quanto da aproximação do dia que o calendário social consagra as mães, e, por costume e necessidade interior, voltamo-nos de maneira mais tranquila a pensar nos bons anos de alegria e paz nos quais podíamos recorrer ao colo materno, ter o acolhimento pelo olhar e pela palavra, sentir o abraço reconfortante que só a maternidade vivificada como dom de Deus pode oferecer.

Afastando um pouco as saudades – muitas e infindáveis -, eis que me encontro menino, levado pela mão de minha amada mãe e mestra a andar na Rua de Thedureto Souto em direção ao ônibus da Praça XV de Novembro. Boné sobre a cabeça em tom de elegância e merendeira na mão direita, quando, súbito, um escorregão quase me leva ao chão, não fosse a mão firme de minha mãe. Para superar o susto, ainda trêmulo, ganhei de presente uma foto com lambe-lambe da Praça da Matriz, a qual guardo com todo o Carinho.

Distração a parte, caminhando pela Praça de Heliodoro Balbi, mãos apertadas com minha mãe, ao ser apresentado a prédio do Ginásio Amazonense no qual meu irmão trabalhava, acabei por trombar no poste de ferro maciço e quase partir os dentes, mas fui socorrido por Ela com beijos, abraços e um picolé para reduzir o inchaço dos lábios e acalmar o choro do menino que conhecia a praça dos lagos e animais de ferro.

Como se não bastasse, teve a queda frontal que me rompeu a testa e obrigou José, meu irmão a correr para o SAMDU sem conseguir impedir a medalha de “bom comportamento”. Voltei temeroso da reação de meus pais, as fui acolhido com generoso abraço de minha mãe, caricias nos cabelos revoltos do peralta, apaziguando e pedindo cuidado com a escada da case da Marcilio Dias, onde morávamos. A mesma na qual uns tracajás rolaram na alta madrugada, pregando susto a nosso pai que pensou tratar-se de um de nós destambacado. Mais uma vez mamãe viria em nosso socorro postando-se na beira da cama e das redes para ver como estávamos, em cena que não me sai da memória.

Anos depois, no pátio da casa da Ramos Ferreira, nossa Nina muito amada, anda menina pronta para as aulas do Grupo Princesa Isabel, descuidou-se em brincadeira inocente e bateu a “moleira” na torneira. Foi um deus nos acuda danado, e só o abraço materno e a compressa de arnica conseguiram acalmar o coração infantil que se transformaria em abnegada médica das crianças pobres. E foi assim com todos os filhos e filhas, cuidando, zelando, amando, beijando, acariciando, ensinando, dando de si o sangue, a vida e a luz. Há tantas outras lembranças que remontam a Altacir, Altamir e Altair, filhos que herdou pelo coração e a João, José e Maria Justina todos protegidos por muitos cuidados desse anjo guardião.

O que sempre vi foi bela senhora contrita, mãos entrelaçadas, rezando por nos, pedido graças a Jesus e proteção a todos os santos, a nos conceder a benção diária que recebíamos como troféu de amor e a nos guiar pelos caminhos que tivéssemos de traçar. Para a felicidade inundar nossos corações bastava seu olhar, sua palavra doce, firme e carinhosa. Para curar nossas dores era suficiente suas mãos. Para renovar a confiança em Deus Pai, bastava vê-la levar Lourenço à procissão de Santa Luzia. O que vi, anos a fio, foi uma santa debruçada sobre o altar da fé rogando a proteção para a família que lhe havia sido confiada.

É essa imagem que revejo agora ao me permitir conversar com as saudades que carrego de minha mãe querida, sem que meu coração sangre pela distância física que nos separa.

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