Diz a sabedoria popular que a única certeza da vida é a morte. O meu amigo e confrade de Academia Amazonense de Letras (AAL), doutor Euler Ribeiro, um dos geriatras mais conceituados em todo o mundo, sempre destaca em suas magníficas palestras a lei biológica segundo a qual “a gente começa a morrer quando nasce”. E isso faz todo o sentido, posto que é a partir desse momento que o nosso corpo começa a se desgastar e, com o tempo, a envelhecer, até perder por completo suas funções.
Em que pese o conhecimento dessa verdade, em condições normais, preferimos não pensar na morte. Vivemos como se fossemos eternos, como se nossos pais, irmãos, namorados, cônjuges, amigos, companheiros de trabalho, de lutas e de ideal fossem estar sempre por aí, ao alcance de um encontro presencial ou de um contato virtual, o que por vezes nos faz adiar essa interação porque, pensamos, sempre haverá tempo. O relógio da vida, no fundo sabemos, todavia, marca uma contagem regressiva…
Aí, quando, quando chega a nossa vez de perder alguém que amamos, é como se cravassem uma faca no fundo de nosso peito e levassem para longe uma parte de nossos corações. Fica, para sempre, uma lacuna.
Experimentei isso quando mamãe e papai morreram. Já faz tempo, mas ainda dói. Os que já passaram por essa dura, mas inescapável experiência, acabam encontrando conforto nas boas lembranças de seus entes queridos e nas promessas de imortalidade da alma que nos fez o mestre Nazareno. E seguem, seguimos em frente, feridos e pesarosos, porém, agradecidos pelo privilégio que tivemos de compartilhar as nossas lindas histórias de vida.
Numa situação excepcional, como a que experimentamos agora com a pandemia de Covid-19, em especial no estado do Amazonas e na cidade de Manaus, cujos cidadãos sofrem com a falta de oxigênio e com a impiedade dos fura-fila, é mais difícil aceitar que a morte de tanta gente seja consequência única, exclusiva e natural da praga que assola o mundo inteiro. Há responsabilidades, e como, a serem ocupadas. É o que todos esperamos que as instituições incumbidas constitucionalmente dessa tarefa o façam, sem desculpas, sem evasivas e sem procrastinações. Um óbito, até porque não há mais jeito, precisamos assimilar; a injustiça, contudo, nunca e nem jamais poderá prosperar!
Ao longo desse calvário, que se iniciou em 2020 e segue mais forte neste início de ano, já chorei por muitos amigos queridos, assim como você, leitor, já deve ter chorado por amigos e familiares que partiram sem ao menos poder dizer adeus. Já tivemos medo, insônia, angústia, palpitações, incertezas quanto ao futuro. Indignação também! Nossos corações estão despedaçados…
Mas ainda estamos aqui. E se Deus nos concedeu essa bênção, essa prorrogação, é porque existe um propósito, uma missão a cumprir, que consiste, penso eu, em reverenciar a memória dos que partiram, em exigir que os homens que nos governam atuem como correção e fazer o que pudermos para reconstruir desses escombros sentimentais que nos restaram e desse vale de lágrimas que nos cerca, dentro do possível, um mundo melhor, mais solidário e menos egoísta.