Elaborada em homenagem aos 104 anos da Escola Estadual Coronel Cruz, de Itacoatiara. Lida pelo Autor na Sessão Especial da Câmara Municipal de Itacoatiara, no dia 31/03/2023).
No século XIX, dois acontecimentos memoráveis da história brasileira foram a proclamação da Independência, em 1822, e a outorga da Constituição de 1824. A Independência livrou o Brasil da condição de colônia e a primeira Carta Magna do nosso País trazia a ideia de um sistema nacional de educação e prescrevia que a educação primária seria gratuita para todos os cidadãos.
Logo depois, dom Pedro I (1798-1834) baixou a Lei da Instrução Pública, de 15 de outubro de 1827, regulamentando pontos importantes para o funcionamento da educação em todo o Império, estabelecendo procedimentos nesta área, de norte a sul, e abrangendo temáticas como: expansão de escolas públicas, método de ensino, salários para os professores, currículo, admissão e repetência.
Além de determinar a construção de escolas de primeiras letras “em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos”, a Lei imperial de 1827 previu a abertura de “escolas só para meninas sob a égide de mestras” (título das educadoras, à época). A inserção de mais pessoas do sexo feminino no setor educacional – uma área então dominada pelos homens – era uma proposta inovadora, talvez revolucionária e, como tal, trouxe grande inquietação às elites imperiais.
Dom Pedro II (1825-1891) herdou o trono em 1831, aos 5 anos de idade, depois que seu pai, dom Pedro I, abdicou e deixou o País em exílio. Até a coroação do novo imperador, aos 14 anos, o Brasil foi governado por regentes nomeados pelo Congresso. Embora conturbado, o período representou o início da formação intelectual de dom Pedro II, o qual, no dia 18 de julho de 1841, foi coroado Imperador do Brasil.
O governo de dom Pedro II favoreceu a construção de espaços de cultura e saber nas diversas regiões do País, possibilitando o acesso às instituições com destaque para a educação, aí incluídas as escolas normais destinadas à formação de professores, sendo esses estabelecimentos considerados “pontes naturais para a entrada de mulheres no ensino superior”. Uma das primeiras construídas no Brasil foi a Escola Normal de Manaus (atual Instituto de Educação do Amazonas), instalada em 1882.
O golpe militar de 15 de novembro de 1889, liderado pelo marechal Deodoro da Fonseca (1827-1892), derrubou a Monarquia e instalou a República. O Brasil ingressa em uma nova dimensão política. O governo representativo foi instaurado e colocou-se em questão o modelo educacional herdado do Império, que privilegiava a educação da elite em prejuízo da educação popular primária e profissionalizante.
Na vigência da Constituição de 1891 foi instituido o sistema federativo de governo e a responsabilidade pela educação foi atribuída aos governos estaduais. Reformas pontuais mantiveram a gratuidade de ensino e definiram o ensino seriado, assim organizado: escola primária composta pelo 1º grau, para crianças entre 7 e 13 anos, e de 2º grau, para alunos de 13 a 15 anos.
Em 1896, funcionavam na cidade de Itacoatiara seis escolas primárias: cinco do sexo masculino e apenas uma do sexo feminino. No interior do Município, eram três escolas para meninos e três para meninas. Os professores eram contratados pelo Estado e a remuneração mensal dos que trabalhavam na área urbana correspondia a 320 réis (valor aproximado em moeda de hoje: 40 reais); e a dos professores do interior, a 280 réis (equivalendo atualmente cerca de 35 reais).
Esse tabu de gêneros – escola para meninos e escola para meninas – sempre foi um problema nacional. Teve origem no período colonial, fortaleceu-se no Império e se expandiu na República. Produto do modelo pedagógico em que meninos e meninas estudavam em escolas separadas, as tais escolas singulares só entrariam em declínio depois da década de 1950, quando as escolas públicas passaram a ser mistas. O ingrediente fundamental para uma educação de qualidade foram as escolas isoladas, as quais, embora nascidas no Império, foram disseminadas no período republicano. Sem dúvida, a união de meninos e meninas em sala de aula potencializa as aprendizagens e ajuda a formar vínculos que podem se tornar amizades para toda vida.
A escola primária consolidou-se na sociedade brasileira como instrumento de seleção e classificação dos indivíduos, determinando as relações dos sujeitos com o mundo e com o universo sociocultural. O percurso histórico que seguiram as escolas mistas, iriam se consolidar nos grupos escolares marcando a proposta modernizadora do projeto de educação do Brasil.
De cordo como professor emérito da UNICAMP, Dermeval Saviani, “[…] os grupos escolares constituíram um fenômeno tipicamente urbano, já que no meio rural ainda predominaram as escolas isoladas por muito tempo. O grupo escolar foi uma escola eficiente para a seleção e a formação das elites […]. Os grupos escolares também eram conhecidos como escolas graduadas, já que possuíam turmas seriadas”.
O primeiro grupo escolar criado no Brasil foi em São Paulo em 1893. O modelo escolar paulista foi implantado no Rio de Janeiro em 1897 e logo se espraiaria por todo o País. Os primeiros cinco grupos escolares de Manaus foram construídos entre 1898 e 1910. No início da República, os grupos escolares se tornaram a vitrina da educação no Brasil, constituindo-se como base da organização escolar por todo o século XX.
Na Primeira República (1889-1930) a educação escolar tornou-se instrumento para formação do cidadão, no sentido de solidificar o regime republicano. A escola de nível primário passou a aparecer no debate político em todo o País. Ela consolidou-se na sociedade brasileira como instrumento de seleção e classificação dos indivíduos, determinando as relações dos sujeitos com o mundo e com o universo sociocultural.
Durante o governo estadual de Silvério José Nery (1858-1934), no período 1900-1904, foi implantado nas escolas de primeiras letras o sistema de educação por etapas, que consistia em: (a) curso preliminar ou jardim de infância, ministrado nas escolas maternais; (b) curso elementar nas escolas rurais; (c) curso médio nas escolas singulares e grupos escolares; e (d) curso superior, prioritário na capital do Estado.
Em 1903, no Município de Itacoatiara funcionavam treze escolas primárias, sendo sete para meninos e seis para meninas. Na cidade eram quatro escolas masculinas e três femininas; e no interior, três masculinas e três femininas. Nesse ano, a professora Luiza de Vasconcelos Dias (1883-1962) fora nomeada professora da escola mista do bairro da Colônia. Um ano antes (1902), Luiza de Vasconcelos fizera estágio na Escola Normal de Manaus. Ainda em 1903, o botânico e livreiro Abdias de Paiva (c.1882-1927) fora nomeado pelo governo do Estado para ministrar a 1ª cadeira do sexo masculino de Itacoatiara.
No período compreendido entre 1915 e 1930, a Diretoria de Instrução Pública e o Conselho Estadual de Instrução, sediados em Manaus, superintendiam todas as etapas do ensino, inclusive as escolas particulares. Ao longo desse período, disputando a melhor colocação no quadro escolar, funcionaram em Itacoatiara as escolas dos eméritos Vicente Geraldo de Mendonça Lima (1881-1976) e Cassiano Secundo de Oliveira (1864-1932). O primeiro, cearense, foi tabelião, secretário da Intendência (Câmara Municipal) e da Superintendência (Prefeitura); montou a Escola Minerva em sua própria residência, à Avenida 7 de Setembro. O segundo, paraense, agrimensor, intendente (vereador) e autor da planta topográfica de nossa cidade, instalou sua escola no prédio histórico da rua Álvaro França, defronte à Praça Vital de Mendonça, ex-Delegacia Geral de Polícia e atualmente sede da ADEFITA.
Foi na primeira década do século XX que Itacoatiara ganhou o seu primeiro grupo escolar, intitulado Vencesláu Brás e mais tarde redenominado Coronel Cruz. Tal e qual seus congêneres espalhados por todo o País, ele constituía um modelo de estabelecimento de ensino caracterizado pelo agrupamento de várias escolas isoladas. Outros similares só apareceriam em Itacoatiara quarenta anos mais tarde: os grupos escolares Gilberto Mestrinho, Fernando Ellis Ribeiro e Mendonça Furtado
O Grupo Escolar Gilberto Mestrinho foi construído em 1959 e, mais tarde, por imposição da política de quebra ao culto à personalidade adotada no governo militar instaurado em 1964, teve sua denominação mudada para Grupo Escolar Luiza de Vasconcellos Dias. Os grupos escolares Fernando Ellis Ribeiro e Mendonça Furtado datam de setembro de 1966. Todos eles, sem exceção de nenhum, face à promulgação da LDB de 1971 (Lei federal nº 5.692) – que modificou a estrutura de ensino, na qual o curso primário e o antigo ginásio se tornaram um só curso de 1º grau – foram extintos; tiveram sua denominação mudada para escolas estaduais de ensino fundamental.
Importante esclarecer: no Amazonas dos anos 1950, como em todo o Brasil, o ensino primário, ou instrução primária, que constituía o primeiro estágio da educação escolar, com 4 ou 5 anos de duração, era precedido pela educação pré-escolar, fase esta em eram adotadas as Cartilhas da Infância, ou Cartas de ABC, que representavam o método mais antigo de alfabetização.
À época, proliferavam as escolas isoladas, como eram conhecidas as escolas mistas, também classificadas como escolas de segunda classe, que reuniam meninos e meninas no mesmo espaço escolar, à busca de aprenderem a boa leitura e a escrita correta, além de conhecimentos elementares de ciências, geografia, história, matemática e outras ciências sociais.
As escolas isoladas funcionavam nas próprias casas dos professores. Nas cinco primeiras décadas do século XX, tais casas de ensino responderam pelo atendimento da maior parte da demanda por educação primária em nossa cidade.
Havia diferença significativa entre os materiais destinados ao grupo escolar e às escolas isoladas, e tais diferenças não eram somente em relação à quantidade de materiais, mas diziam respeito também aos tipos disponibilizados. Não havia, por exemplo, para as escolas isoladas relógios de parede, mapas, quadros para horários, mobiliário específico e demais objetos de apoio ao bom desenvolvimento do trabalho docente.
Denominava-se Pré-primário o período de alfabetização, quando as crianças eram conduzidas ao aprendizado da leitura e da escrita. Durante muito tempo, as crianças não foram consideradas como sujeitos de direitos. Viviam à margem da família e da sociedade. Somente a partir da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, seriam consideradas como alguém que tem identidade própria, cidadãos e cidadãs de direito. Então surgiram as primeiras creches e pré-escolas que no começo eram filantrópicas e, somente mais tarde, se tornariam públicas.
Continua na próxima edição…
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