Manaus, 19 de setembro de 2024

Crônicas do cotidiano: Nós não somos ocidentais

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Frequentemente, telespectadores demonstram desconforto nas redes sociais por exagero de alguns colegas nossos da imprensa. Analisando a situação caso a caso, parece que o uso excessivo do cachimbo deixou figuras respeitáveis do jornalismo com a boca torta. Uma senhora, que já passou por grandes jornais, repete em seus comentários: “o presidente falou isso e aquilo, falou demais! Disse bobagens que ferem os nossos valores ocidentais, a nossa democracia ocidental, os nossos princípios ocidentais etc.. e tal”. Um outro, expert em assuntos da República, invejável conhecedor da alma de nossos políticos tradicionais, repete ad nauseam: “o Brasil deve aliar-se incondicionalmente a seus parceiros ocidentais em vez de ficar procurando os russos e os chineses”. No começo, apesar de não concordar, ainda relevava, porque eles não têm tanta culpa assim. A culpa existe, mas os culpados maiores são os nossos estúpidos intelectuais eurocentristas, que batem nessa tecla, há séculos, de que somos ocidentais; esses senhores ainda são estudados nas escolas e, pasmem, nos nossos cursos de nível superior. Atualmente, quando ouço alguém repetir esse mantra, sem querer censurar, parecer arrogante ou sábio, prefiro refletir um pouco mais e não perecer com aqueles que “estão na rua e não enxergam as casas”. Afinal, a mídia tem larga contribuição na formação da opinião pública e a massa costuma deslumbrar-se com o espetáculo.

Na semana passada, por exemplo, o mundo inteiro, acompanhou “vidrado” a coroação do Rei Charles III, do Reino Unido, ex-potência imperial, em visível decadência. Certamente, nem todos ligaram o simbolismo da coroação às lições de história dos livros nos quais estudaram: depois de ungido com “óleos sagrados” que lhe conferem o poder divino, o rei cobre-se com as novas vestes, presta o juramento cristão, recebe o cetro, o orbe, a espada e a coroa. Isso, ritualisticamente, é a síntese do que vem a ser o Ocidente como o dono do mundo. Hoje, esse rei posto não faz isso somente por sua Nação, mas supõe fazê-lo por todos os europeus, até mesmo pelos que não são monarquistas, mas ostentam o orgulho de ser Ocidental. E quem são esses Ocidentais? São os nascidos dentro das fronteiras do Oeste Europeu e os transplantados para a América Europeia (EUA e Canadá), Austrália e Nova Zelândia. Para contrapor-se a esse mundo, o Ocidente inventou o Oriente e a doutrina que marca o modo de ver esse ente criado que é o Orientalismo. Não se trata de coordenadas espaciais e geográficas simplesmente, antes disso, são conceitos, cuja densidade se mede pela carga ideológica, cultural e religiosa que encerram e se prestam para demarcar territórios de supremacia e de dominação específicas. Foi, portanto, o modo europeu de conceber o seu oposto, que vive além de suas fronteiras, inicialmente os povos do Levante ou Oriente Próximo e do Mediterrâneo, que marcou a relação de dominação sobre diversos povos da região, estendeu-se depois à Índia, China, Japão e demais áreas da Ásia insular. Nós não fazemos parte dessa concepção europeia, nós somos os Povos do Sul. Fomos, tanto quanto os outros, vítimas dos colonialismos e do eurocentrismo: nos impuseram as línguas, a ciência e demais instituições (ordenamento jurídico dos Estados e o sistema capitalista), mas isso não nos dá e não nos dará a condição de Ocidentais, posto que não foi feita para nós.

Hoje, como povos livres, devemos nos relacionar com as Nações e os Estados que as representam sem esse sentimento de pertença, sobretudo, a essas referências criadas historicamente para outros e que não nos incluem, mas, pelo contrário, nos excluem, por se considerarem supremacistas. Isso explica, em parte, o porque Estados Ocidentais serem seletivos ao conceder vistos de entrada ou, ainda, ações como as do “Telegram”, do “Google” e demais “Big techs” ou outras instituições desse Ocidente Capitalista configurado a desafiarem as nossas leis, a nossa soberania, simplesmente por nos considerarem como posse sua. O rei, segurando o orbe, não nos representa, não nos inclui no círculo riscado por sua espada e muito menos determina com quais Estados Soberanos devemos nos relacionar política, econômica e culturalmente. O bom jornalismo agradece!

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