Manaus, 29 de novembro de 2023

Crônica: tardes e identidades na Avenida Parque

Compartilhe nas redes:


*Manoel Domingos de Castro

Um dos mais interessantes logradouros da Bela Serpa, a cidade de Itacoatiara, no Amazonas, sempre foi a Avenida Torquato Tapajós, e ainda é, como hoje, a Avenida Parque. Uma via pública, vista de cima como um risco paralelo, uma mão dupla rumo à estrada. Ela foi arquitetada numa perspectiva de profundidade, desde o Boulevard. Este, era o local que acolhia as casas Pernambucanas e o Bar do “seo” Maximino, a praça e a matriz. O começo de muitas atividades do município. O Boulevard sempre foi um Largo para eventos cívicos e culturais. O início da avenida. As árvores ainda não eram ligadas umas às outras, mas já eram densas. Um colosso de visão. Que delícia estar sob aqueles amigos oitizeiros!

Os oitizeiros, popularmente chamados de “benjaminzeiros”, não me pergunte o porquê agora, davam sempre as boas vindas aos pedestres. Eles viram a minha primeira entrada, acompanharam muitas das minhas passagens por ali. Eles viram-nos crescer naquele ir-e-vir, quase cotidiano.

Avenida parque! Hoje, muito honrosa e jubilarmente, ela completa seus 150 anos de existência, o seu Sesquicentenário. Que maravilha sentir essa sensação de pertencimento e de identidade com um espaço-raiz da minha infância na minha cidade natal, através desse logradouro. Eu a tive e ela nos teve, nós a temos, ainda. A avenida é um ente para muitos, uma “entidade” natural, uma parceira de muitas brincadeiras. Dá vontade de poetizá-la, não é hora, mas recito-lhe alguns versos:

Nas horas de primaveras, benjamins eram abraçados,
Muitos bem-te-vis e tesourinhas  revoavam na Avenida,
Sombras, meninos, senhores e senhoras, lisonjeados,
Todos lhes pertencem, ela lhes é ricamente pertencida.

Certa vez estávamos, eu e amigos, numa tarde de sol, a buscar um local para as nossas peripécias. Morávamos ali na Rua Barão do Rio Branco, hoje malharia Palmeira, e os outros, ali por perto. Meninos não passavam fome: comiam biribás, mangas, jambos, abricós, abius, sapotilhas, guabirabas,  cutites, azeitonas, entre outras frutas que havia entre o “quintal das irmãs”, da igreja e da sete de setembro. Fartura de frutas. Pança cheia! A avenida era uma divisão (dos lugares), mas agregadora das e para as brincadeiras.

— Bora que o Raimundo “café”, não vem aqui!

Era hora de brincar! Visávamos aos “benjaminzeiros” da avenida. De forma saudável, escolhemos a primeira forma do “brincar”: subir nas primeiras árvores e ver até onde chegaríamos sem descer ao solo.  Por cada fila de árvores ia uma turma. E começou. Todos iam aos esforços particulares. Éramos franzinos. Meninos que corriam e jogavam peladas todos os dias, após as aulas, e eram também “ases” nessa peraltice. O carro do “Dibão” passava anunciando uma “sensacional película”, o filme da noite, no Cine Cinco Unidos.

Ali do convento as irmãs olhavam. Às vezes, “ralhavam”… mas a meninada subia. Bem, uma turma se destacava e outra mais atrás. O importante era ficar no “benjamim”, brincar, e usufruir daquela sombra, daquele espaço. Não havia uma recompensa, apenas os que fossem mais adiante eram os “tais”. Não demorou muito e o “cuinha” (amigo da infância) caiu e fraturou o braço. E agora? Todos ficamos assustados. Nosso amigo ficou quieto, mas a gemer de dor. Dava para ver o osso exposto. Alguns colegas ficaram de longe. Com medo. O que fazer!?? “A maternidade está ali perto!” Vamos “cuinha”, “vamos lá”. De repente, alguém gritou: “Lá vem a irmã Tomásia! Lá vem a irmã Tomásia!”.  E ela apareceu. Com bastante carinho, deu assistência e levou o amiguinho para receber os socorros devidos na maternidade. Poxa, acabou a brincadeira na avenida.

Quietos, comentávamos que não devíamos subir nas árvores… Ficamos todos calmos. À espera do amigo, sentamos. Naquela sombra ventilada, ficamos a comer as guabirabas que sobraram. Havia uma identidade entre nós e a sombra. Uma hora depois, à porta, sai o amigo já medicado, com o braço enfaixado. A Irmã Tomásia ordenou irmos para casa. E fomos.

Andávamos lentamente e ríamos. Umas pipiras chilreavam naquela tarde ventilada. Seguimos à sombra. O vento soprava leve. Algumas freiras olhavam lá do alto do convento. Ríamos e conversávamos.

Avenida Parque, palco de alegrias, tema de canções, local de desejos e brincadeiras de Raimundos e Marias, espaço de espantos e de encantos… Sempre será sombra de energias. Muitas sinergias… somos irmãos da avenida.  Nós e “nosso parque” daquela tarde, os “benjaminzeiros”. Eles eram nossos amigos, os nossos parceiros.

Avenida, o “túnel verde”

(Soneto aos teus 130 anos, de ecoenergia – 13.04.2020)

Minha avenida! Ora desço aos teus pés e te louvo,
Espaço substantivo de emoção de minha cidade natal,
Hoje, no âmago dessa agonia, quero enrubescer-me,
Ao tecer versos a ti, é um passeio verde, ecomagistral.

Das Pernambucanas até o Arco, andei, corri, vibrei,
Cresci te vendo e usufruindo desse ar e dessa cor,
Tu te vestiste de amores, e com a sombra muitos amparaste,
E amparas. És Parque e serás benfazeja, o nosso lugar-mor.

Nas manhãs patrióticas, ainda és o berço das auroras,
Neste treze de abril, meu dia também, circunscrevo-te,
De meu ser para a tua existência, e por todas as horas.

Salve, Avenida-Parque! Faço-te composta pelo teu arvorear,
Abraço os “benjamins”, abracem também! Com muita alegria,
Salve o ainda “túnel” verde, berço de nossa ecossinergia.

*Natural de Itacoatiara/Am. Poeta, professor e escritor. Membro da Associação dos Escritores do Amazonas (ASSEAM), da Academia de Letras e Cultura da Amazônia (ALCAMA), da Associação Brasileira de Escritores e Poetas Pan-amazônicos (ABEPPA) e do Movimento Internacional da Lusofonia ((MIL). Professor efetivo da UEA. Mestre e doutorando em Letras pela UTAD (Portugal). Fundador da Sociedade dos Poetas Porunguitás. Tem vários artigos publicados, além de 6 livros de poesia.

Compartilhe nas redes:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

COLUNISTAS

COLABORADORES

Abrahim Baze

Alírio Marques