
*Francivan Dias de Souza
Trecho da Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Geografia da Universidade Federal do Amazonas – UFAM, nível de Mestrado, como requisito para obtenção de título de Mestre em Geografia. Área de concentração: Domínios da Natureza na Amazônia.
1 A cidade de Itacoatiara – aspectos históricos
1.1 Etimologia
O Sítio Itacoatiara – do tupi “i’tá kwati’ara” – que o Pe. José Monteiro de Noronha (1723-1794) apelidou de “A Paragem das Pedras Pintadas”, fica ao lado esquerdo da cidade, entre o igarapé do Jauari (hoje soterrado), à direita do sítio, e o igarapé do Ingaipáua (naquele momento da história, um viveiro natural de peixes), à esquerda.
O lugar em referência é símbolo da arte rupestre amazônica, onde, nas vazantes do rio Amazonas, podem ser vistas as famosas “pedras pintadas”, título oficial do sítio, conforme registro feito em 1758 pelo engenheiro alemão João André Schwebel (1718-1759), a mando do então governador do Estado do Grão-Pará e Maranhão Mendonça Furtado (SILVA, 2017). Ainda segundo o mesmo autor:
O referido sítio arqueológico, identificado pela ponta de pedras que avança sobre as águas do rio Amazonas formando as enseadas do Stone e do Jauari, nos séculos XVII e XVIII era um lugar de referência. Calmo, nostálgico, cercado por umas poucas tribos de índios mansos. Parada obrigatória ou “estação de repouso” destinada àqueles que subiam e desciam o grande caudal, ocupados em explorar ou estudar o território amazonense: autoridades e agentes da coroa portuguesa, sertanistas, padres e leigos de diversas ordens, tropeiros e cientistas de várias nacionalidades (SILVA, 2017, p. 132).
A pedra, símbolo histórico de Itacoatiara, lá por volta de 1970, foi retirada da orla do Jauari e transferida para o centro da Cidade. Atualmente encontra-se exposta na Praça Principal defronte à Catedral Nossa Senhora do Rosário, padroeira de Itacoatiara (Figura 23).
Figura 23 – Pedra Pintada, símbolo histórico de Itacoatiara.
Foto: Francivan Dias e Jr., 2021.
Sua face principal contém inscrições em português simbolizando datas e feitos civis e religiosos, gravados a ferro e fogo: 1º) A passagem por ali do sargento-mor Francisco Xavier de Moraes (1700-c.1788), o qual, chefiando uma bandeira a serviço do rei de Portugal, na pedra deixou registrado o ano de 1744; e 2º) A passagem de Mendonça Furtado e de sua comitiva pelo lugar, em 30 de dezembro de 1754. Antes de partirem do Sítio onde repousaram no dia anterior, a caminho do rio Negro, o governador, seu confessor e o comandante da tropa militar gravaram nela a data de 1754, uma Cruz e a palavra TROPA (FONTES: JOBIM, 1948, SILVA, 2017 e MONTEIRO, 2018).
A pedra pintada é referência no contexto turístico em Itacoatiara, sendo símbolo importante na divulgação histórica e cultural da cidade e ponto de parada obrigatória dos visitantes quando chegam neste lugar amazônico.
1.2 Fundação de Itacoatiara.
Berço do núcleo histórico que originou Itacoatiara, e conhecido dos portugueses desde 1660, o Rio Madeira teve suas margens devassadas a partir de 1669.
SILVA, (2017, p.70) afirma que:
Além de missionários, anônimos aventureiros, militares e civis, guiados por experientes mateiros e auxiliados por alguns intérpretes da língua geral, por ali transitaram a fim de apreender índios e colher cacau, cravo e outros produtos. Em setembro daquele ano, em missão de catequese, lá estiveram os padres João Filipe Bettendorff (1625-1698) e Pedro Luís Gonçalves (c.1629-1683). No começo de 1672 também deram entrada no colosso fluvial os padres Manuel Pires e João Maria Gorzoni (1627-1711).
Outro missionário, que teve presença marcante no Madeira, foi o padre suíço Jódoco Perez (1633-1707). Em meados de 1683, decorridos seis meses de sua ascensão ao cargo de gestor regional dos jesuítas, iria compor um interessante capítulo da História da Amazônia, interpretando o papel de fundador e principal ator da cidade de Itacoatiara. No dia 08 de setembro de 1683 aconteceu a fundação do Núcleo Jesuíta que deu origem à cidade de Itacoatiara.
Inegavelmente, segundo apurado em Silva (2013, p. 61 e 62), e Silva (2017, p. 79 e 81), que a fundação do aldeamento que deu origem a Itacoatiara foi uma decisão geopolítica da Coroa portuguesa. Antes de Jódoco Perez ascender ao posto de superior, o rei dom Pedro II (1648-1706) havia baixado a Lei de 01 de abril de 1680, inspirada pelo padre Antônio Vieira. Solto da prisão em 1667, e isento totalmente de culpa em 1675, batalhou junto à Corte para retirar das mãos dos capitães seculares a direção das aldeias e conferir aos religiosos o monopólio sobre os descimentos e a conversão dos nativos.
Tal regimento, além de proibir a escravidão do índio, ordenava a criação dos aldeamentos que deveriam ser governados pelos párocos em cooperação com os “principais” (tuxauas) das tribos. À Lei de 1680 seguiu-se a de 07 de março de 1681 criando a Junta das Missões. Ambas contribuíram para o desenvolvimento do projeto colonial sustentado no plano espiritual – salvação das almas; e no temporal – a expansão e conservação das conquistas portuguesas.
É possível inferir que, durante setenta e quatro anos e sete meses, de 1683 a 1758, o Rio Madeira, seu afluente Mataurá e os subafluentes Canumã e Abacaxis banharam a missão itinerante que os jesuítas criaram em cooperação com os índios Iruri, posteriormente ampliada com o ajuntamento de dezenas de outras etnias. Sempre à busca de um lugar mais propício à segurança e tranquilidade de seus moradores, foi quatro vezes deslocada de seu pouso inicial (de Mataurá para Canumã em 1691; de Canumã para Abacaxis em 1696; de Abacaxis para a margem esquerda do Madeira em 1757 e, finalmente, daí para a margem esquerda do Amazonas em 1758).
O aldeamento ganhou foros de Município em 01 de janeiro de 1759, quando aconteceu a elevação do antigo povoado à categoria de Vila com o nome de Nossa Senhora do Rosário de Serpa. Cento e quinze anos depois, graças a projeto apresentado em plenário da Assembleia Legislativa da Província do Amazonas, pelo deputado Itacoatiarense Damaso de Souza Barriga, do que resultou a Lei nº 283, de 25 de abril de 1874 (em Anexo), a Vila foi elevada à categoria de Cidade.
E, nesse momento, além de ganhar sua emancipação política, foi-lhe substituído o termo português “Serpa”, pelo título de origem tupi “Itacoatiara”. No próximo dia 08 de setembro de 2022 Itacoatiara completará 339 anos contados desde a data de sua fundação.
Estrategicamente localizada à margem esquerda do rio Amazonas e à pouca distância a jusante da foz do rio Madeira, a cidade possui todos os ingredientes de centro urbano moderno, perfeitamente habitável, com amplas perspectivas de progresso e bem-estar social.
Figura 24 – Rochas na margem esquerda do rio Amazonas, porto do Jauari, proximidades do lugar popularmente chamado de “Lugar das Pedras”, Itacoatiara.
Fonte: Trabalho de campo em 20/10/2020. Foto: Francivan Dias, 2020.
Como visto na Figura 24, o nome de “Cidade da Pedra Pintada” decorre de ela estar próxima ao Sítio Itacoatiara. O outro epíteto que lhe foi conferido, de “A Cidade do Rosário”, decorre de que sua população majoritariamente católica promove o culto à Virgem Maria, tendo como Padroeira Nossa Senhora do Rosário. Também tem sido rotulada de “A Cidade-Canção”, por que sedia o FECANI, movimento lítero-musical criado em 1985 e conhecido em todo o Brasil e em países vizinhos. Realizado anualmente na primeira semana de setembro, neste ano de 2021 apresentou sua 38ª versão no formato on-line, por conta da PANDEMIA – COVID19. O FECANI ratifica a condição de Itacoatiara ser uma cidade festeira, cuja história, costumes e tradições contemplam a natureza e flutuam em direção aos horizontes da criação, da música, da poesia, da beleza (SILVA, 2017).
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