Manaus, 11 de abril de 2025

Efeitos da Ditadura Militar 2

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Vamos agora ao segundo ato da série “ADITADURA ALÉM DE TRUCULENTA FOI RIDÍCULA”. Pois bem, meus queridos sete leitores, estávamos remexendo aquele incômodo escaninho da memória, onde guardamos os fatos vexatórios de nossa passagem aqui por esse vale de lágrimas e gargalhadas. Falava eu dos dissabores do TESC – Teatro Experimental do SESC em seu alvorecer, perseguido pela censura obscurantista do regime e pelo Conselho Estadual de Cultura. Na verdade, esse Conselho parecia odiar a Cultura e seus reumáticos conselheiros se ofendiam por besteira. O mais curioso é que os membros daquele malfadado e burro Conselho depois se transformaram em democratas exemplares, mal a ditadura foi pro brejo. Exatamente como tantos membros da ARENA se tomaram democratas de ilibado DNA republicano. Mas vejamos outro caso ridículo. Em dezembro de 1969 o GEC-Grupos de Estudo Cinematográficos do Amazonas realizou no auditório Alberto Rangel, que ficava no prédio da Biblioteca Pública de Manaus, o clássico filme de Luís Buñuel, “L´Age D´Or”.

Acontecia que em todas as sessões, desde a instalação da Ditadura Civil Militar, um coronel do exército, no caso um tal de coronel Canini, vinha assiduamente assistir as sessões não por amor ao cinema, mas para espionar se ali não acontecia nenhum ato de subversão. Naquela noite o filme de Luís Buñuel, da mesma forma que havia provocado escândalo na Paris de 1930, levando o chefe de polícia a proibir o filme, o coronel Canini deixou o auditório certo deque finalmente havia comprovado que aquelas inocentes sessões não passavam de um ninho de perigosos comunistas. No dia seguinte chegaram intimações nas casas dos subversivos. Os membros da diretoria do GEC eram Joaquim Marinho, Roberto Kahane, Felipe Lindoso e o escriba que aqui registra o fato. Todos deviam se apresentar naquela mesma tarde na sede da Polícia Federal para prestar depoimentos. Na sede da Polícia Federal os suspeitos recebem a informação que serão enquadrados na Lei de Segurança Nacional por terem exibido um filme cubano, feito a moda antiga para driblar as autoridades brasileiras.

Naquela época qualquer coisa cubana era altamente subversiva, até mesmo a rumba. Cada um dos acusados tentou explicar que o filme era francês, produzido pelo Visconde de Noiles, figura insuspeita de qualquer vínculo com a Internacional Comunista e representava o movimento surrealista no cinema. É claro que o coronel Canini e o delegado federal acharam que todos estavam mentindo e esse negócio de surrealismo só podia ser mais uma invenção de Moscou. Para conseguirem provas contra os acusados, convidam o arcebispo de Manaus, Dom João de Souza Uma, para assistir ao filme e dar a sua opinião. Para decepção do coronel Nanini, Dom João, homem culto, corrobora as palavras dos jovens acusados, chegando a agradecer a oportunidade de assistir tal obra prima do cinema de arte.

Impossibilitados de processar os jovens acusados, todos são liberados, mas a cópia do filme, de propriedade da Cinemateca Brasileira, fica nos porões da Polícia Federal, até ser devolvida por interferência do Dr. José Lindoso, nos primeiros meses do governo José Sarney. O fato, um dois muitos gerados pela truculência e ignorância dos agentes da Ditadura Civil Militar, teve enorme repercussão na imprensa nacional e até internacional, indo parar nas páginas do New York! Times.

Anos depois estava eu viajando da cidade do México para Paris, em companhia do cineasta Glauber Rocha, quando encontramos o cineasta Luís Buñuel a bordo do avião da Pan American Airways. Na conversa, Luís Buñuel se refere ao incidente às gargalhadas, dizendo-se impressionado com o alto índice de erudição dos militares brasileiros. E assim sendo, prometo não voltar ao assunto confiando na nossa Democracia.

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