Manaus, 18 de setembro de 2024

Eleitor exemplar

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“O exemplo vinha do mestre e pai, grandemente politizado e claramente consciente dos seus deveres e direitos como cidadão e trabalhador brasileiro.

Desde muito cedo, ainda quase menino, fui acostumado a acompanhar os preparativos dos meus pais e irmãos mais velhos para o exercício do voto, a cada eleição que se realizasse. E faz muito, quando não se falava em programa de horário gratuito para propaganda eleitoral e os comícios eram o grande acontecimento político e reuniam multidões na Avenida Eduardo Ribeiro, no Boulevard Amazonas, na Casa Amarela, na Aparecida ou nos Educandos, principalmente.

O exemplo vinha do mestre e pai, grandemente politizado e claramente consciente dos seus deveres e direitos como cidadão e trabalhador brasileiro, como costumava referir. O que me vem à memória, de maneira nítida, é a forma bem composta de paletó e gravata como Lourenço da Silva Braga se vestia bem cedo no dia de votação para comparecer à secção eleitoral. Primeiro, na Delegacia Fiscal, na rua de Marcílio Dias, perto de onde residíamos no número 123; depois, no Instituto de Educação do Amazonas; e, mais tarde, na Escola Estadual “Gonçalves Dias”, no conjunto dom Pedro I, conforme nossa mudança de endereço.

Saíam em par, elegantes e serenos, Lourenço e Sebastiana, naturalmente carregados de emoção e preocupados com os destinos do país e do nosso estado, para dar cumprimento a esse importante dever cívico e direito social, constitucional e político. Não lembro que houvesse qualquer tumulto nesse dia considerado solene, que as pessoas procurassem fugir a esse exercício de cidadania, nem que as ruas ficassem inundadas de “santinhos”. Em certo tempo, algumas paredes eram tomadas de cartazes além do costume do uso de botons, flâmulas e crachás que identificassem a simpatia do eleitor. Vez em quando, um hino partidário era tocado ou modinhas circulavam de boca em boca dentre os mais apaixonados.

Lourenço da Silva Braga vinha da escola política mais pura e determinada: a do Partido Trabalhista Amazonense (PTA) que ele ajudou a fundar a partir de 1931 e pelo qual exerceu parte do mandato de vereador de Manaus, a despeito de haver aberto mão de fazer campanha para deixar melhor posição para os “doutores anelados” que se aproximavam do PTA. Muitos anos depois, afastado das lides partidárias por desgostos que sempre acontecem a quem se posiciona com rigor ético nesse meio, mesmo assim ele não perdeu o interesse pela política nem arrefeceu o ânimo de defender a liberdade, a democracia e o direito do trabalhador, sempre utilizando o voto como instrumento.

Sua primeira inscrição como eleitor não me chegou às mãos, mesmo após muitos anos de pesquisa, e deve ter sido feita lá pelos idos de 1910-1914, quando completou a idade fixada por lei para este fim, ainda na Primeira República. Foi nessa fase que iniciou a carreira de dirigente sindical, toda ela dedicada à defesa dos marítimos e em posição na qual se tornou decisivo em diversas ocasiões, como em duas duras greves, em movimentos pacíficos junto às autoridades constituídas e em campanhas contrárias ao sindicalismo oficial.

A que tenho diante de mim é a inscrição eleitoral de 1932, determinada pelo Código Eleitoral Brasileiro, visando as eleições constituintes federais e estaduais que se seguiram com sua intensa participação para eleger bancada trabalhista. A inscrição foi deferida pela justiça e registrada na delegacia de Polícia, como era norma da época, após edital publicado na imprensa juntamente com o nome de outros cidadãos e das primeiras mulheres a galgarem esse status.

Anos mais tarde, ainda sob o número 1.616, estava determinado a votar na Décima Sexta Secção da Segunda Zona da Capital, cujo documento original revejo diante de mim, emocionado, e com o qual ele se apresentou perante os mesários, anos seguidos, praticamente até as últimas eleições anteriores a seu encantamento aos quase 98 anos, ainda que a idade avançada o dispensasse dessa obrigação. O mesmo sucedeu com Sebastiana que compareceu a todas as eleições, orgulhosa desse direito.

Nesse dia especial em que todos devemos e rendemos homenagem aos pais, e sendo tempo de prepararmos o título eleitoral e apurarmos a consciência para o exercício do voto que represente o bem do Brasil e do Amazonas, declaro meu extremado amor, admiração, respeito e saudade ao meu eleitor exemplar, confiando no nosso reencontro nos paramos dos campos espirituais para beijar-lhe a fronte e tomar-lhe a benção encantado de felicidade e gratidão.

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